Venezuela no olho do furacão

Pedro Campos
O leitor perdoará que voltemos a este país da América Latina com tanta insistência. Mas a verdade é que a Venezuela é hoje um laboratório político no qual se revê boa parte do Terceiro Mundo e se define muito do seu futuro imediato. No país de Bolívar está em jogo muito mais do que o destino de um país individual. Ali está em curso – e ameaçado – um processo político de características originais, na tentativa de desenvolver um
modelo económico que permita a construção de uma sociedade mais justa e humana pela via democrática e dentro dos parâmetros do sistema capitalista.
Depois de duas jornadas de verificação de assinaturas, a Venezuela prepara-se para vários referendos, provavelmente na primeira quinzena de Agosto.
Sobre todos, chama a atenção o presidencial. A Coordenadora Democrática (CD), coligação oposicionista, depois de vários fracassos golpistas para travar o processo bolivariano, conseguiu finalmente, após repetidas tentativas de fraude, superar, por uma pequena margem, a quantidade de 2 436 083 assinaturas (talvez chegue a pouco mais de 2,5 milhões) para que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) convoque o referendo contemplado na Constituição de 1999, a primeira que contém esta figura eleitoral.
De entre as várias ilegalidades da jornada, destacam-se a clonagem de milhares bilhetes de identidade e os milagres de mortos-ressuscitados que passaram os filtros do CNE com a desonestidade de funcionários ligados à CD.
Um total de 2,5 milhões de votos pode parecer muito voto (e não são poucos), mas é preciso notar que: a) para vencer no revogatório a oposição deverá conseguir 3 757 773 votos (os mesmos que obteve Hugo Chávez em 2002); b) o universo eleitoral é de 12 330 902 inscritos. Ou seja, que a CD, depois de cinco anos de envenenamento do ambiente político a través do controlo quase total dos média, de toneladas de apoio financeiro (e não só) nacional e internacional, das ingerências grosseiras do imperialismo, de vários tipos de golpes de Estado, está ainda a mais de 1,2 milhões dos
votos necessários para triunfar… sempre e quando Chávez não supere o seu registo de 2000! Mais: os votos da CD vêm a descer de 2,8 a 2,5 e logo a 2,5 milhões, respectivamente nas votações de 1998, 2000 e 2004 … com um universo eleitoral sempre em crescimento.

As duas caras do referendo

A batalha entre as duas caras do referendo RR (revogação vs ratificação) está longe de terminar. Tal como prometido uma e outra vez, Chávez aceitou os resultados do CNE. O mesmo fizeram a CD e os «observadores internacionais», cujo comportamento foi muito além de observar e frequentemente o de porta-vozes da CD, chegando ao descaramento de pressionar o CNE ameaçando revelar a sua «verdade» se os números das autoridades não coincidissem com os seus. Uma vez que CNE deu os resultados
e estes foram reconhecidos por Chávez, elogiaram o comportamento de ambos, utilizando mesmo o termo «patriótico» para o presidente. Se o resultado do processo de verificação das assinaturas tivesse sido no sentido contrário, provavelmente seria outra a sua reacção. De facto, de Washington já partiu a advertência de que aceitarão os resultados do próximo referendo se estes forem «limpos» e «puros». Isto é, se forem ao jeito das transnacionais do petróleo… Se os resultados do referendo favorecerem a
continuidade do processo bolivariano, o passado recente deixa ver o futuro: Washington continuará com a sua política de ingerência arrogante e a CD, longe de aceitar o voto popular, continuará a inventar pretextos para manter a conflitualidade e tornar impossível a governação do país. Nada permite augurar que mude de táctica mas sim que ganhará novo ímpeto para acções de desestabilização e para campanhas mediáticas contra o «populacho» e os «macacos» que apoiam o processo bolivariano. É difícil de acreditar que este desbragado racismo seja partilhado por toda a oposição, mas parece que a oposição moderada não consegue desmarcar-se dos sectores mais reaccionários da CD, cuja saída mais desejada para uma era pós Chávez é um pinochet tropical.
Mas o referendo presidencial não é o único que vai entrar em jogo nos próximos tempos. Há outros que parecem estar na sombra, mas têm inegável importância. Os bolivarianos conseguiram assinaturas suficientes para impor o revogatório a nove deputados da CD, enquanto que esta só tem a possibilidade de revogar um deputado bolivariano. No caso de que a CD consiga revogar este representante, ainda assim haveria uma maioria bolivariana no parlamento. Se os bolivarianos derrotam os deputados da CD têm a possibilidade de reforçar a sua maioria legislativa.


Mais artigos de: Internacional

Mês sangrento na Palestina

Em Maio, as forças israelitas mataram 137 palestinianos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, denuncia o Conselho Palestiniano para a Paz e a Justiça (PCPJ).

Bush em campanha

A escassos cinco meses das eleições presidenciais nos EUA, a administração Bush desdobra-se em iniciativas para se livrar do atoleiro em que se transformou a ocupação do Iraque. Enquanto nas Nações Unidas se prepara uma resolução que dê alguma credibilidade à «transferência de poder» para os iraquianos agendada para 30...

Israel condena Barguti a prisão perpétua

A Autoridade Nacional Palestina (ANP) considera «ilegal e condenável» a sentença do tribunal de Telavive que no domingo condenou Maruan Barguti, membro do Conselho Legislativo Palestiniano, a cinco prisões perpétuas e mais 40 anos de prisão pela alegada prática de vários crimes.O primeiro-ministro palestiniano, Ahmed...