Comentário

Cinco anos da «Estratégia de Lisboa»

Ilda Figueiredo
Um dos temas centrais em debate, neste momento, no Parlamento Europeu, é a revisão, a meio termo, da chamada Estratégia de Lisboa, aprovada em Março de 2000, durante a Presidência Portuguesa, e que pretendia que a União Europeia fosse, em 2010, «a economia do conhecimento mais competitiva e mais dinâmica do mundo».
Como nos seus objectivos centrais estava a competitividade face aos rivais americanos e asiáticos, a Europa devia dar toda a prioridade às novas tecnologias e transformar o mercado da força de trabalho, ou, como referiram, tornar o mercado de emprego mais flexível, eliminar os obstáculos à criação do mercado interno nas mais diversas áreas que podem criar condições para o lucro fácil dos grupos económicos europeus em sectores e serviços públicos essenciais, incluindo energia, transportes, telecomunicações, correios e segurança social, alargando, agora, para a saúde, audiovisual, educação e água.
Como durante essa Cimeira de Lisboa, a 23 de Março de 2000, se realizou uma das maiores manifestações de trabalhadores, convocada pela CGTP, houve necessidade de disfarçar os objectivos. Daí o anúncio da luta contra a pobreza, do crescimento global do emprego para 70%, de 60% para as mulheres, até 2010, de emprego de 50% para os trabalhadores idosos (de 55 a 65 anos), a que juntaram, mais tarde, na Cimeira de Barcelona, o aumento de cinco anos para a idade da reforma, o que ainda torna a segurança social mais cobiçada pelo sector privado.
Claro que, rapidamente, se percebeu de que emprego se falava: emprego cada vez mais precário, com menor cobertura social, reduzindo ao mínimo os próprios direitos sociais da população. Para quem duvidasse que esta era a estratégia do patronato europeu, da UNICE e da ERT, basta ver as propostas de directivas sobre a organização do tempo de trabalho e da criação do mercado interno dos serviços (directiva Bolkeinstein), o relatório de Wim Kok sobre a revisão a meio termo da estratégia de Lisboa, que está na base do documento agora entregue pela Comissão para a próxima Cimeira da Primavera, para perceber que se trata de um ataque muito profundo às conquistas fundamentais dos trabalhadores, visando retrocessos para níveis idênticos aos dos finais do século XIX.
A pretexto da revisão a do processo de Lisboa e da necessidade de proceder à sua revisão, foi criado, recentemente, no Parlamento Europeu, o Grupo de Coordenação da Estratégia de Lisboa, composto por 33 deputados dos diferentes grupos políticos. O seu objectivo central efectivo é servir de grupo de pressão para tentar contrabandear uma dita revisão da estratégia de Lisboa, que aumente a competitividade à custa da erosão dos direitos e regalias dos trabalhadores, promovendo o desmantelamento do chamado Estado-Providência (pensões e reformas, subsídios de desemprego, prestações sociais, cuidados de saúde, etc.) e acelerando as liberalizações de serviços.
Daí a aprovação de uma Resolução, apenas rejeitada pelo nosso Grupo da Esquerda Unitária Europeia e pelos Verdes, que irá a debate na sessão plenária de Estrasburgo, a 9 de Março próximo. Depois, a 16 e 17 de Março, tentarão, através de um Encontro com deputados nacionais e europeus, em Bruxelas, continuar a pressão para subordinar tudo a esta dita estratégia de Lisboa, incluindo as próprias perspectivas financeiras, orçamentos comunitários e nacionais, deixando cair a estratégia de luta contra a pobreza e outros ditos métodos de coordenação aberta, para os quais dizem querer maior racionalidade e menos burocracia (leia-se, menos participação democrática e maior centralização e controlo de Bruxelas no cumprimento das directivas referentes às liberalizações/privatizações e no desmantelamento dos direitos sociais e laborais).
As recentes sugestões do primeiro-ministro belga Guy Verhofstadt, em 17 de Fevereiro, aos seus homólogos, tendo em vista a preparação da próxima Cimeira da Primavera, de 22 e 23 de Março 2005, resumidas naquilo a que chamou «Um pentatlo para a Europa», mostram bem o que se pretende, partindo do que considera as cinco fragilidades estruturais:
- O financiamento do modelo social europeu, que mina as forças produtivas da sociedade (guerra declarada aos direitos sociais e laborais).
- O dumping que ameaça, sobretudo depois do alargamento da União Europeia (primeiro, impuseram o desmantelamento dos sectores públicos nos países de Leste candidatos aos alargamento, obrigando a uma degradação das condições sociais e, agora, usam o argumento do dumping social nesses países para pressionaram o desmantelamento dos direitos sociais e laborais nos 15 Estados-membros anteriores)
- O mercado interno europeu ainda inacabado e com um progresso muito lento (querem acelerar as privatizações dos sectores e serviços públicos)
- Os fracos esforços na investigação (querem que o Estado apoie mais as empresas e grupos económicos subordinado a investigação aos interesses destes)
- A inexistência de um controlo político (a pressão para ratificar a dita Constituição Europeia)
Daqui, parte para a defesa do tal «Pentatlo para a Europa» que contempla em cinco modalidades, a exemplo do nome colectivo dos cinco exercícios dos jogos em que entravam os atletas gregos: convergência, reforma fiscal, concluir o mercado interno, aumento substancial do esforço em investigação e controlo político.
Desta forma, procura satisfazer as pretensões do patronato europeu, agora já sem qualquer papel celofane com fitas verdes e rosas. É o embrulho puro e duro do capitalismo na sua fase de retrocesso aos métodos mais antigos. Julgam que este é o momento da fraqueza dos movimentos sociais e das lutas dos trabalhadores.
Talvez se enganem. Pela nossa parte, tudo faremos para lutar contra estas propostas e alertar para o seu conteúdo. Em Lisboa, no dia 17 de Março, organizaremos um debate público sobre este tema, em colaboração com o nosso Grupo. E outras iniciativas se seguirão.


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