O princípio e a sua progressiva adulteração
ou

O elogio do Tratado de Roma…

Sérgio Ribeiro
O título III do Tratado de Roma era A política social, e o seu artigo 117.º afirmava o princípio da igua­li­zação no pro­gresso.
O que, se traduzia um determinado estádio nas relações sociais, não tinha correspondente definição de políticas e calendários para a sua concretização.
Assim não acontecia com a«política aduaneira» e com a «política agrícola comum», que tinham, uma, a finalidade de criar a união aduaneira, outra, a finalidade de recuperar a economia produtiva agrícola devastada pela guerra, particularmente a francesa.
A política social comunitária ficava dependente da relação de forças (de classe), e a afirmação de tal princípio era um reflexo e, de certo modo, uma conquista dos trabalhadores e das populações contra o «império económico».

Apro­ximar pro­gres­si­va­mente ou har­mo­nizar

Se foi fácil adoptar médias para se chegar a uma pauta comum, já difícil seria, então, fazer com que os trabalhadores aceitassem que as suas diferentes conquistas sociais se harmonizassem através de critérios aritméticos.
Um exemplo: se os trabalhadores franceses, após um governo «de esquerda» e sob pressão social, tivessem conquistado férias pagas de 30 dias úteis, e um governo holandês saído do pós-guerra, tivesse decretado, nas condições sociais do seu país, um mês de férias pagas, como harmonizar? Os franceses oporiam forte resistência a passar de 30 para 26 dias úteis enquanto os holandeses passavam de 22 para 26 dias úteis (no exemplo, contando-se sábados e domingos como dias não-úteis). No artigo 117.º, o princípio da igua­li­zação no pro­gresso consagrava que o tempo de férias dos holandeses se deveria apro­ximar pro­gres­si­va­mente do tempo de férias dos trabalhadores do Estado-membro que o tivessem mais alto.

Prin­cípio sem po­lí­ticas
e po­lí­tica sem prin­cí­pios


Quando, a «comunidade» já não era a 6 mas sim a 12 e, na sequência da adaptação do TR que foi o Acto Único, se avançou para o Tratado de Maastrich, a «Europa Social» foi um dos mais reclamados objectivos. Para convencer os povos, sobretudo os que, no respeito pelas suas normas constitucionais, seriam chamados a referendar a ratificação do acordado entre os governos. Alguns aspectos vieram reforçar essa argumentação, nomeadamente a inclusão de uma «política social», que se reconhecia ausente do TR.
Como no novo tratado, entre os artigos que permaneciam com a mesma formulação, estava o artigo 117.º, podia dizer-se que se juntaria ao relevante objectivo/princípio uma «política social».
Assim não veio a acontecer, mas o artigo 117.º manteve-se.
No entanto, mesmo sem uma «política social» inscrita no Tratado, no protocolo anexo dava-se um passo para uma «política social» mas em que se insinuava o mecanismo das «prescrições mínimas progressivamente aplicáveis, tendo em conta as condições e as regulamentações técnicas existentes em cada um dos Estados-membros». O que, contraditoriamente com o artigo 117.º, correspondia a, em vez de se tomar como fasquia o nível social mais elevado, se virem a adoptar como fasquias, por via de directivas, níveis acima dos mais baixos praticados nos Estados-membros.

De de­tur­pação em de­tur­pação
até ao apa­ga­mento final «cons­ti­tu­ci­onal»


Assim se adulterava o princípio resistente no artigo 117.º, pois se poderia aplicar uma metodologia aritmética, em que uns níveis subiriam até essas prescrições mínimas mas outros, praticados noutros Estados-membros, poderiam vir a descer desde que não até abaixo desses mínimos.
A igua­li­zação no pro­gresso continuava como afirmação, mas tinha de coexistir com uma prática que a contrariava. Um caso elucidativo foi o das licenças de parto, em que a discussão deixou de ser como poderiam os Estados que estavam abaixo do número de semanas no Estado de mais longo período dele se aproximarem progressivamente, mas como harmonizar, podendo nuns casos subir e noutros baixar essa conquista social.
No entanto, em 1997, no Tratado de Amsterdão tudo ficou esclarecido. Na perspectiva pela negativa. A igua­li­zação no pro­gresso foi substituída pela har­mo­ni­zação, sem referência ao progresso… É o que está no artigo 136.º (ex-artigo 117.º)!
O princípio começou por não ter política, teve de coexistir com uma política que lhe era contrária até tanto o deturparem que o apagaram. A dita Constituição constitucionalizou copiando o artigo 136º do TA.

O ataque aos tra­ba­lha­do­resda função pú­blica
à luz da igua­li­zação no pro­gresso


Quando se atacam os trabalhadores da função pública pelos seus «privilégios» relativamente aos outros trabalhadores e se acirram rivalidades, dividindo para reinar, ou melhor, para continuar a explorar, também é esse princípio do TR que se deturpa, põe em causa, apaga.
Porque ele está na essência do processo histórico. Os seres humanos caminham no sentido da igualização no progresso. Isto é, não são iguais, cada um é um, mas o sentido da História é o de se irem aproximando as situações sociais.
Uma conquista da Humanidade é para a Humanidade e não para uns melhor explorarem outros. Quanto mais rapidamente cresce a riqueza, maior pode ser a aproximação dos que estão mais desfavorecidos dos que já tiveram acesso aos benefícios dessa conquista.
Em Portugal, em 25 de Abril, os funcionários públicos – «triados» e vigiados por critérios fascistas – eram, de certo modo, privilegiados. Porque tinham condições sociais de que não usufruíam outros trabalhadores. Com o 25 de Abril não se har­mo­ni­zaram as con­di­ções so­ciais, di­mi­nuindo o nível dos «pri­vi­lé­gios» dos fun­ci­o­ná­rios pú­blicos e au­men­tando o dos ou­tros tra­ba­lha­dores, mas ins­ti­tuiu-se uma certa igua­li­zação no pro­gresso. Que, por não ter feito todo o ca­minho, hoje ali­menta a cam­panha contra a função pú­blica, contra as fun­ções so­ciais do Es­tado, através do ataque aos «pri­vi­lé­gios» dos tra­ba­lha­dores da função pú­blica.

Assim se deturpam princípios e arrepiam caminhos da História. Que, por isso, sofre hiatos e marchas atrás.
Tentar ir além da espuma dos dias, da superfície das coisas, é essencial na luta ideológica. Mesmo recorrendo a, e elogiando, princípios do Tratado de Roma que só lá estavam impostos pela luta de classes.


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