As contas do governador

Vasco Cardoso
O Governador do Banco Central Europeu (BCE), o Sr. Jean-Claude Trichet, veio esta semana afirmar perante quatro jornais europeus – onde se inclui o Diário de Notícias – que «está na altura de reduzir os custos do trabalho».
Ao que parece, o Sr. Governador encomendou estudos, efectuou os cálculos, apresentou as contas e com o rigor que o título de «Governador» recomenda, disse – tenham juízo, isto não pode continuar assim, com o povo a viver à grande, portem-se bem e cortem nos salários.
Não bastava Victor Constâncio – governador do Banco de Portugal – destilar diariamente a cartilha da necessidade de mais «sacrifícios», para termos agora de aturar ainda mais esta criatura dizer ao povo português que é um luxo terem um salário mínimo nacional de 385€.
Isto quase que parece uma mania de governadores, mas infelizmente não é. Existe uma total sintonia e convergência não apenas no discurso como nas mordomias que cada um destes senhores tem. Ambos são responsáveis por bancos centrais, ambos promovem junto da opinião pública a tese de que, perante as dificuldades, preparem-se para mais dificuldades ainda e ambos têm rendimentos absolutamente insultuosos para quem vive do seu salário. Isto é, Victor Constâncio ganha por ano 273.000€ (qualquer coisa como quatro mil contos vezes 14 meses) e Jean-Claude Trichet 400.000€ (quase seis mil contos por mês).
Fazendo algumas contas, chegamos à conclusão que uma operária têxtil em Portugal precisa de trabalhar 85 anos para receber aquilo que o Sr. Jean Claude leva para casa ao fim de um ano.
É óbvio que os salários destes dois indivíduos são trocos perante os fabulosos lucros que o grande capital nacional e europeu acumulam à custa da exploração de milhões de trabalhadores. No entanto, importa sublinhar o grau de cinismo com que estas afirmações – a coberto de um qualquer estatuto de independência que a comunicação social dominante lhes atribui – são proferidas do alto das centenas de milhar de euros que lhes entram nos bolsos.
Quando se fala de «custos do trabalho», quer-se dizer a parte da riqueza produzida que fica nas mãos dos trabalhadores, melhor, nas mãos de quem produz a riqueza. A sua redução, significa o aumento das injustiças, das desigualdades, da exploração. A perspectiva apontada de redução dos salários conduz ao empobrecimento e miséria das classes trabalhadoras, ao retrocesso social e civilizacional, como aliás tem acontecido no nosso país. Os trabalhadores têm aguentado muito, mas estamos certos de que não aguentam sempre.


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