As receitas do Banco de Portugal

Salários, emprego e competitividade da economia portuguesa

Ricardo Oliveira
Os salários e a segurança contratual do trabalhador assumem-se, hoje, como os alvos mais visíveis da ofensiva do capital na sua constante busca de alargar a remuneração dos capitalistas em prejuízo de todos os que necessitam de vender a sua capacidade de trabalhar para sobreviverem – os trabalhadores. Neste sentido, o Relatório da Primavera do Banco de Portugal assume de forma clara o seu partido – o partido do capital, dos detentores dos grandes grupos económicos monopolistas, nacionais e transnacionais.
Numa altura em que a flexigurança é a bandeira da Comissão Europeia e dos governos nacionais, incluído o obediente aluno José Sócrates e o seu Governo do PS, com o álibi de modernizar e tornar a economia europeia na mais avançada e competitiva do mundo, o Banco de Portugal e o seu governador, o ex-secretário geral do PS, Vítor Constâncio, vêm defender a necessidade da diminuição nominal e real dos salários, a diminuição do apoio aos desempregados (subsídio de desemprego) e a flexibilidade dos contratos sem termo, como forma de aumentar a produtividade dos trabalhadores portugueses, a competitividade externa da economia portuguesa e de reduzir o desemprego.
Para a demonstração da verdadeira face destas políticas de direita e do capital, é necessário esclarecer algumas expressões que, com muita frequência, são intencionalmente usadas para criar o caldo necessário que permita a aceitação social de medidas e políticas que, no concreto, são prejudiciais à larga maioria da população portuguesa.
Quando a Comissão, o Governo PS e os que o antecederam ou a maioria dos economistas do regime falam da necessidade de melhorar a economia e a sua competitividade não estão a falar da sociedade portuguesa, das condições de vida dos trabalhadores e das suas famílias (a larga maioria da população de qualquer país capitalista), nem sequer das empresas, mas sim, dos detentores do capital, os sócios ou accionistas dos grandes grupos económicos monopolistas, do sector financeiro, da grande distribuição, da produção e distribuição de energia e de alguns sectores da indústria portuguesa, quer nacionais, quer estrangeiros.
Quando os mesmos senhores falam da necessidade de flexibilizar o muito rígido (dizem eles) mercado de trabalho, na realidade referem-se à possibilidade de efectuarem despedimentos individuais sem justa causa. Ou seja, os contratos sem termo, os trabalhadores efectivos passam todos a temporários e precários. Dizem que esta medida é necessária para permitir às empresas adaptarem o trabalho contratado aos níveis de produção de cada momento. Escondem, propositadamente, o elevado número de trabalhadores a prazo, temporários e a recibos verdes ou mesmo os ilegais (sem qualquer tipo de contrato) que constituem parte significativa do emprego na indústria (e não só) e que, pela informalidade (incumprimento da legislação laboral e fiscal), não fazem parte de muitas estatísticas.
Quando os mesmos senhores relacionam o nível salarial dos trabalhadores portugueses e a suposta rigidez do mercado de trabalho como razão da baixa produtividade e competitividade da economia portuguesa é necessário clarificar o que é produtividade, o que é competitividade e qual a relação que a quantidade de trabalho contratado e o seu preço tem com estas medidas de comparação económica.

Lucrar à custa dos salários

A produtividade do trabalho mede a capacidade de produção (o número de valores de uso) que determinada quantidade de trabalho (trabalhadores) consegue produzir em determinado período de tempo fixo, exercendo determinado esforço físico e intelectual, também, fixos. Na perspectiva capitalista, a produtividade do trabalho mede o volume de determinada produção, em valor vendido, que determinada quantidade de trabalho consegue produzir em determinado período de tempo.
Desta forma ardilosa de, propositadamente, confundir quantidade produzida com o valor da produção vendida, os economistas capitalistas, liberais ou social-democratas, conseguem uma relação directa entre o nível dos salários individuais ou o volume dos salários pagos (o trabalho contratado) e o volume da produção vendida, ou seja, da produtividade na perspectiva capitalista.
A competitividade é a capacidade de uma empresa conseguir colocar e vender determinada produção no mercado. Neste sentido o tipo do produto, a sua qualidade e atractividade, o tempo e o cumprimento dos prazos de entrega, o preço e a produtividade, são alguns dos principais factores que influenciam a competitividade de uma empresa. Mas, a capacidade da procura adquirir essa produção é um elemento que devemos destacar. Sem capacidade aquisitiva, sem rendimento disponível por parte das famílias e das empresas, o melhor produto, o melhor preço e a maior produtividade perdem toda a competitividade.
É, então, necessário perceber se os ganhos de competitividade das empresas portuguesas deverão continuar ou não a ser conseguidos à custa do nível salarial. Se reflectirmos um pouco, perceberemos que não compensa a um empresário investir na modernização dos meios de produção, na melhoria da qualidade do produto, na procura de inovações, se consegue manter ganhos elevados por conta de salários muito baixos, permitindo um preço abaixo do praticado pelos seus concorrentes. O problema surge quando outros países conseguem produzir os mesmos produtos que as empresas portuguesas com salários ainda mais baixos que os nacionais, como hoje acontece.
Assim torna-se claro que, no caso português, os ganhos de competitividade das empresas têm que ser conseguidos à custa da inovação e do investimento, isto tanto no caso de produções dirigidas à exportação como ao mercado interno. O que é incompatível com a manutenção de baixos salários e com a instabilidade no emprego. Que empresa consegue investir em novas mercadorias e novas técnicas que exigem elevada qualificação dos trabalhadores e o constante recurso à formação profissional se o seu quadro de trabalhadores não garantir alguma estabilidade?
Em conclusão, o que pretende então a estratégia política dos governantes, do Banco de Portugal e do capital? A manutenção e mesmo alargamento dos lucros dos grandes grupos monopolistas à custa dos salários dos trabalhadores, ou seja, o crescimento da mais valia por conta do empobrecimento dos trabalhadores portugueses.


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