Defesa Nacional e Forças Armadas

Clarificações e convergências

Rui Fernandes
A ofensiva em curso contra a Administração Pública entra com cada vez maior força pela Instituição Militar adentro. Está hoje clarificado que a tal unificação da assistência na doença aos militares não era uma simples medida de racionalização, coisa, aliás, que ninguém contestou, mas um embrulho onde constavam prejuízos no apoio médico e medicamentoso para os militares e suas famílias.
Está hoje também clarificado que existem quase quatro dezenas de leis e outra legislação que não estão a ser respeitada desde há anos pelos sucessivos governos, com graves prejuízos para os militares. Está hoje também claro que o Governo PS usa de expedientes e cobre actos, que julgávamos banidos da sociedade portuguesa, como seja o uso de fotos ilegalmente tiradas para justificar castigos ou a aplicação de castigos disciplinares sete meses depois do acto que o determina, coisa nunca vista e procedimento este que revela uma inaceitável manipulação da disciplina capaz de fazer corar qualquer militar que se preze.
Mas estão também clarificadas quatro opções deste governo.
A primeira, a obsessão pela participação e envolvimento externo a reboque dos interesses da NATO e dos Estados Unidos, seja ou não no âmbito da União Europeia, no quadro da concepção de que Portugal tem de deixar de ter Forças Armadas para passar a ter uma Força Armada.
A segunda, o crescente peso e âmbito com que dota a GNR. E não se trata aqui de quaisquer ideias de defesa de capelinhas, trata-se de tudo isto ser posto a rolar sem nenhuma abordagem global sobre o onde estamos e para onde vamos, sem envolver de forma frontal as partes, sem medir as consequências, sem prever os custos. À boa maneira do ministro do Mar Azevedo Soares, do tempo dos governos Cavaco Silva, o Governo PS avança, desarticula, causa instabilidade e depois corre atrás do prejuízo, sendo que é o interesse nacional quem sai lesado. Foi assim que se chegou ao conjunto de atribuições passadas para a área portuária, mas com a Marinha a ter de manter a resposta a algumas delas.
A terceira, a aplicação às Forças Armadas de um conjunto de princípios em matéria de avaliação do mérito (SIADAP), de carreiras (vínculos e promoções), de cálculo pensões de reforma penalizantes, de reestruturação do ensino, etc., que constituirão uma alteração profunda das bases em que assenta a Instituição.

A quarta, o profundo desprezo pelas associações sócioprofissionais e o objectivo de as enquadrar num colete de forças que as tornem inoperantes e a adopção de medidas no plano da disciplina que aumente o poder discricionário das chefias, aspecto que se articula com o sistema de avaliações e as promoções.

Defender direitos

Todo este conjunto de aspectos não ignora ou subestima outros – novos desenvolvimentos no plano da saúde, a intenção de criar o comando operacional conjunto sob comando do CEMGFA, o andamento em matéria de reequipamento daquilo que serve a lógica governamental, o passo de caracol naquilo que serve o interesse nacional, a intenção de a abrir o caminho ao desmantelamento do Arsenal do Alfeite, etc..
A luta mais geral dos trabalhadores e das populações contra a destruição dos serviços públicos, a aplicação da flexigurança, o aumento das injustiças sociais, converge com a luta dos que nas Forças Armadas pretendem o direito ao exercício de direitos, pretendem desde há muito necessárias e urgentes mudanças, mas que estas salvaguardem aquisições que foram objecto de reivindicações de décadas, o justo equilíbrio entre direitos e deveres, a justa remuneração e a garantia de um adequado apoio às famílias, regras claras de carreira, promoções e avaliações que afastem o compadrio, a bajulação, que exigem o simples cumprimento de legislação existente, etc..
No quadro da senha persecutória, foi agora castigado um 1.º Ten. da Armada. Ao mesmo tempo, os sargentos e praças da Corveta João Coutinho, acostada no cais de Portimão, recusaram a saída em protesto pelo não pagamento de subsídios que lhe são devidos. Os chefes militares, submissos, fizeram uma mensagem proibindo os militares do activo de participarem numa vigília, mas numa decisão histórica o Tribunal considerou infundada tal pretensão, autorizando os militares a nela participar.
O Governo PS e as chefias sofrem daquilo de que acusam outros, a saber: estão passados.
Prosseguem a linha de dividir e intimidar para reinar. Mas a unidade dos que se opõem a esta política antisocial e antinacional acabarão por deitar por terra tais intentos. É deles, por mais difícil que seja o caminho, o futuro.


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