Qualidade também conta

Para além da quantidade de emprego, é também a qualidade que preocupa a União dos Sindicatos de Setúbal. Aliás, uma e outra estão ligadas, lembra o coordenador da USS, Rui Paixão, que afirma que os trabalhadores do distrito estão disponíveis para mobilizar as suas capacidades no sentido do desenvolvimento. «Mas não nos peçam para colaborarmos com a redução do nível de vida, da aplicação do pacote laboral e de mais lucros para o capital», reafirma o dirigente sindical.
Nos últimos meses degradou-se a situação nas empresas. Para além da redução de postos de trabalho, por intermédio das chamadas «rescisões por mútuo acordo», agrava-se a precariedade. No sector do co­mércio, o caso mais grave encontra-se nas grandes superfícies, que apresentam uma taxa de trabalhadores precários a rondar os 30 por cento, lembra Rui Paixão.
Na Pi­o­neer, do sector eléc­trico, dos 250 trabalhadores um quinto apresenta vínculos precários. Já na Delphi, metade do meio milhar de trabalhadores está contratada a termo, com o «falso argumento de que são jovens trabalhadores e que aquele é o seu primeiro emprego». Na Alcoa, do sector do material eléctrico, está em curso um processo de despedimento colectivo. Somando com outro processo levado a cabo no início do ano, a empresa prepara-se para reduzir 35 por cento do efectivo de trabalhadores. Curioso é, para Rui Paixão, o facto de o número actual de operários ser insuficiente para os níveis de produção da empresa. As pressões sobre os trabalhadores com tendinite – doença profissional «oficial» do sector – é outro dos problemas. «Querem descartá-los», acusa Rui Paixão.
No pisar dos direitos constitucionais dos trabalhadores, nem os grandes símbolos do capitalismo escapam. Na Au­to­eu­ropa, do sector au­to­móvel, o contrato colectivo não é cumprido. «Todos os trabalhadores são “técnicos”, mas só de nome e não de categoria e vencimento», denuncia o dirigente sindical. Para além disto, os horários são de 42 horas e meia por semana (e não de 40, como manda a lei) e a repressão acentua-se. Recentemente, acusa o coordenador da União, instauraram processos a dois sindicalistas (um com vista ao despedimento e outro para suspensão por 12 dias) por se terem recusado à polivalência ilegal.
Também na in­dús­tria naval, praticamente reduzida no distrito aos estaleiros da Lisnave em Setúbal, as coisas não são muito diferentes. A anunciada extinção da Gestnave – criada pelo governo do PS para absorver os trabalhadores que o Grupo Mello, então detentor dos estaleiros, considerava «excessivos» – pelo actual executivo faz temer mais desemprego. Para além dos elevados investimentos que o Estado português realizou recentemente na Lis­nave, Rui Paixão lembra os protocolos assinados entre esta e o Estado no sentido de integrar no quadro um trabalhador jovem por cada um que passasse para a situação de pré-reforma ou reforma. Nada disso se fez.
No sector quí­mico, dominado pelo Grupo Mello, há dúvidas sobre o interesse patronal de continuação da laboração de algumas unidades e verificaram-se recentemente despedimentos e «rescisões».


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