Disparates de Verão

Anabela Fino
Sócrates considera «disparates de Verão» as alegadas suspeitas da Presidência da República, veiculadas pelo Público, de que os inquilinos de Belém estarão sob escuta e que assessores de Cavaco Silva estarão a ser vigiados. Para quem não quer comentar o assunto, não está mal, ou está pelo menos melhor do que o manifesto desagrado manifestado pelo primeiro-ministro quando solicitado a pronunciar-se sobre os recentes dados relativos ao desemprego em Portugal. Quanto a isso, Sócrates disse nada. Não foi no entanto preciso esperar muito para se perceber que, em período eleitoral, até a arrogância do Governo é forçada a reconhecer que há silêncios susceptíveis de se tornarem demasiado incómodos, leia-se, passíveis de penalização nas urnas. Vai daí, como quem não quer a coisa, nada melhor do que «encomendar o sermão» a figura supostamente «neutra». Convenhamos não ser tarefa fácil. Talvez por isso o presidente do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), Francisco Madelino, não tenha encontrado melhor fórmula do que a esdrúxula declaração à agência Lusa de que «os indicadores extremamente negativos dos últimos seis ou sete meses estão cada vez melhores».
No afã de tentar minorar a dimensão do desastre, Madelino enredou-se nas palavras e não conseguiu melhor mensagem de «optimismo» do que a de a afirmar que «não podemos dizer que o mercado de emprego está melhor, mas os valores negativos que vinham a ser apresentados desde o último trimestre do ano passado estão a ser sucessivamente mais pequenos, e isso é consentâneo com os dados da evolução da economia».
Brilhante. É claro que não explica nada, nem sequer as discrepâncias com os dados do INE, que para efeitos de cálculo do desemprego são os valores oficiais. Mas isso também não é relevante, já que os números do Instituto Nacional de Estatística, apurados de acordo com as normas europeias, fixam a taxa de desemprego em 9,1 por cento, ou seja, 507,7 mil pessoas, quando há pelo menos 680,9 mil que se dizem desempregadas, mais 21 por cento do que há um ano, isto é, um desemprego real de 11,2 por cento.
Cabe dizer, em abono da verdade, que a discrepância não se deve a qualquer tendenciosa manobra do INE, mas sim ao cumprimento da metodologia europeia, que só considera desempregado o indivíduo que preenche, em simultâneo, as seguintes três condições: não ter realizado absolutamente nenhum tipo de trabalho, remunerado ou não; ter procurado activamente emprego; e estar imediatamente disponível para trabalhar. Se um desempregado cair na esparrela de fazer um «biscate» de uma hora, pago ou não, está feito: sai da estatística. Se um dia acordou mais desanimado e não procurou emprego, idem idem. Se por qualquer motivo não pôde responder «presente» a uma hipotética oferta de emprego, idem idem, aspas aspas, desaparece do rol. Ser oficialmente desempregado não é tarefa fácil.
Deve ser por isso, aliás, que 57 por cento dos desempregados, qualquer coisa como 292 mil pessoas, não recebem subsídio de desemprego.
Sócrates, já se sabe, não comenta. Empanturrou-se com as alegadas três décimas de recuperação da economia e deixa para o séquito os comentários. Disparates de Verão? Com mais propriedade se lhes devia chamar desastres de governação.


Mais artigos de: Opinião

A NATO prepara golpe

À medida que se aproxima a cimeira de Lisboa da NATO, os círculos do grande capital procuram preparar a opinião pública para aceitar o reforço do papel de polícia mundial daquela aliança militar. Com o pretexto do combate à «pirataria marítima», o ministro da Defesa da Alemanha, o democrata-cristão Jung, acaba de exigir...

Anticomunismo, arma do grande capital

Ciclicamente e de forma recorrente, nomeadamente em períodos decisivos para a vida dos povos, o anticomunismo irrompe descaradamente como arma de recurso para evitar caminhos e soluções que toquem com os interesses do grande capital. Em Portugal – como mais uma vez recentemente sucedeu – ou lá onde os povos resistem e lutam contra a exploração e a opressão, construindo alternativas de progresso e justiça social, como acontece em numerosos países da América Latina.

As eleições farsa

Os jornais dizem que se realizam hoje eleições no Afeganistão. Mas, o que se realiza hoje naquele país é uma gigantesca farsa organizada e monitorizada pelos EUA e pela NATO que tenta esconder o atoleiro militar em que estão mergulhadas as forças de ocupação e o caos que reina no País.Em primeiro lugar porque estas...

O descaramento

As especulações acerca de uma eventual «aliança» entre o PS e o PCP na sequência do esperado mau resultado do partido de Sócrates nas eleições legislativas – que se destina porventura a colorir de esquerda a bandeira rosa da política de direita em vias de tropeção – roça o descaramento.Já nem falamos do antigo arguido no...

Quem, para quem e para quê?

São milhares, e só não parecem papagaios por ligeiras diferenças na construção frásica e na escolha das palavras. Mas todos martelam a mesma pergunta: Quem? Quem vai ganhar? Sócrates ou Ferreira Leite? Costa ou Santana? Quem vai governar? O PS ou o PSD? O PSD com o CDS ou o PSD com o PS? Quem é mais sério? Quem é mais...