Comentário

Boicote ao Arizona

John Catalinotto

Quando o go­ver­nador do Ari­zona, Jan Brewer, as­sinou a 23 de Abril a sua lim­peza ét­nica do es­tado, a lei ra­cista anti-imi­grante, de­sen­ca­deou uma vaga de pro­testos nos Es­tados Unidos entre os imi­grantes e os seus de­fen­sores que deu origem à mais im­po­nente acção de massas do 1.º de Maio desde 2006, quando mi­lhões de pes­soas sairam às ruas.

O Mo­vi­mento na­ci­onal «Boi­cote ao Ari­zona» saltou dos campus uni­ver­si­tá­rios para os con­se­lhos mu­ni­ci­pais e in­clui já jo­ga­dores da pri­meira liga de ba­sebol.

No 1.º de Maio, desde Los An­geles, da Ca­li­fórnia a Tucson, do Ari­zona a Denver, Chi­cago, Atlanta e Nova Iorque e mais 80 ci­dades em 40 es­tados, cen­tenas de mi­lhares de pes­soas ma­ni­fes­taram-se e des­fi­laram exi­gindo a le­ga­li­zação dos emi­grantes e em­pregos para os tra­ba­lha­dores. A lei re­ac­ci­o­nária trans­formou-se num bo­o­me­range para os seus au­tores fa­zendo subir o nível da luta anti-ra­cista e de classe por todo o país.

No Ari­zona ha­bitam cerca de 6.6 mi­lhões de pes­soas num es­tado que tem cerca de me­tade da área da Pe­nín­sula Ibé­rica. A re­gião in­clui o De­serto So­nora e o Grande Canyon, mas também Pho­enix, a 5.ª ci­dade mais po­pu­losa dos EUA, com 1.6 mi­lhões de ha­bi­tantes. O Ari­zona é uma parte do vasto ter­ri­tório que os EUA rou­baram ao Mé­xico em 1848 na sequência de uma guerra pre­da­dora. Cerca de dois mi­lhões dos ha­bi­tantes do Ari­zona são de origem la­tino-ame­ri­cana; cerca de meio mi­lhão não tem a sua si­tu­ação le­ga­li­zada. Desde que a fron­teira da Ca­li­fórnia com o Mé­xico passou a ser for­te­mente po­li­ciada e mesmo mu­rada, muitos tra­ba­lha­dores que atra­vessam clan­des­ti­na­mente do Mé­xico para os EUA pas­saram a fazê-lo através dos 626 Km da fron­teira do Ari­zona.

Mas há também mo­tivos po­lí­ticos para que o Ari­zona seja o centro da luta dos imi­grantes. O es­tado é um velho bas­tião do Par­tido Re­pu­bli­cano. Estes re­ac­ci­o­ná­rios culpam fal­sa­mente os tra­ba­lha­dores imi­grantes pelos pro­blemas de de­sem­prego e cortes de ser­viços im­ple­men­tados pelo ca­pi­ta­lismo e pela ac­tual crise eco­nó­mica. O she­riff Joe Ar­paio de Ma­ri­copa County, que in­clui Pho­enix, pro­cura ga­nhar pro­jecção na­ci­onal com a sua sanha per­se­cu­tória contra os imi­grantes in­do­cu­men­tados. Este ra­cista vi­cioso chega mesmo ao ponto de fazer des­filar os presos nas ruas de Pho­enix com o uni­forme da prisão.

Apoi­ados por po­lí­ticos como Ar­paio e pelos grandes la­ti­fun­diá­rios ou «ran­cheiros» da longa fron­teira com o Mé­xico, as forças de di­reita no Ari­zona State House vo­taram a lei co­nhe­cida como SB1070 no dia 19 de Abril. A nova lei trans­formou au­to­ma­ti­ca­mente todos os in­do­cu­men­tados em cri­mi­nosos clas­si­fi­cando-os como «trans­gres­sores». Em vez de cingir o cum­pri­mento das leis de imi­gração à po­lí­tica fe­deral de imi­gração, aquela le­gis­lação exige à po­lícia local e es­tatal que pro­cure pes­soas que possam ser «sus­peitas» de serem in­do­cu­men­tados. Isto abre a porta ao «perfil ra­cial», ou seja, que a po­lícia pode mandar parar quem tenha a pele es­cura ou fale in­glês com so­taque.

A lei mi­li­ta­riza ainda a fron­teira, di­fi­cul­tando às pes­soas pro­curar tra­balho na base do dia a dia, como muitos imi­grantes fazem. Isso per­mite a apre­ensão de qual­quer veí­culo usado para o trans­porte de in­do­cu­men­tados, e a pena de prisão para quem preste as­sis­tência a um imi­grante clan­des­tino.

O pre­si­dente Ba­rack Obam já cri­ticou a lei como «dis­pa­ra­tada», e o go­verno fe­deral pode tomar me­didas para a eli­minar. O go­verno fe­deral, no en­tanto, não tem sido amigo dos imi­grantes. A 15 de Abril, no Ari­zona, cerca de 800 ou mais agentes do De­part­ment of Ho­me­land Se­cu­rity e ou­tros agentes fe­de­rais in­ter­vi­eram de forma brutal em Tucson, a se­gunda maior ci­dade do Ari­zona, onde vivem muitos imi­grantes. A po­lícia fe­deral ater­ro­rizou fa­mí­lias, fez parar au­to­carros trans­por­tando cri­anças para a es­cola e ocupou mi­li­tar­mente du­rante seis horas o lado Sul da ci­dade.

Em res­posta à re­pressão e à lei SB1070, um grupo de nove es­tu­dantes das co­mu­ni­dades es­co­lares de todo o Ari­zona acor­rentou-se co­ra­jo­sa­mente ao edi­fício do Ca­pitol em Pho­enix no dia 20 de Abril. Os nove ape­laram a um mo­vi­mento na­ci­onal de luta contra a lei, que apesar de apro­vada só pode en­trar em vigor pelo menos pas­sados 90 dias. Um dos es­tu­dantes, Lei­lani Clark, instou toda a gente à luta, di­zendo: «Não se deixem di­vidir ou des­mo­bi­lizar por di­fe­rentes in­ter­pre­ta­ções sobre o que fazer – sim­ples­mente ajam. Ma­ni­festem-se, pro­testem, es­cla­reçam, boi­cotem, des­filem, ocupem o es­paço, levem a cabo a de­so­be­di­ência civil. Qual­quer coisa e tudo. Agora!»

A res­posta de massas fez o medo ins­talar-se no co­ração dos ne­go­ci­antes do Ari­zona, que podem ser se­ri­a­mente afec­tados por um boi­cote. As di­vi­sões nestes cír­culos do poder podem abrir a porta para a vi­tória. Apesar de isto não ser ga­ran­tido, é uma opor­tu­ni­dade para im­pul­si­onar a luta de classes e cons­truir a so­li­da­ri­e­dade entre os tra­ba­lha­dores.



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