Agricultura e alimentação
O Comissário europeu anunciou que apresentará, até ao final deste ano, uma comunicação sobre o futuro da PAC após 2013, o que se segue à reforma de 2003 e ao chamado «exame de saúde da PAC», de 2008. No Parlamento Europeu, decorreu o debate em torno de um relatório sobre o futuro da Política Agrícola Comum após 2013, que será votado esta semana na sessão plenária de Estrasburgo, com muitas contradições e algumas propostas positivas resultado das lutas dos agricultores em diversos países, embora não seja seguro que sejam tidas em conta nas propostas finais.
Em consequências das reformas, a União Europeia tornou-se um importador líquido de produtos agrícolas, por um montante anual superior a 78 mil milhões de euros (cerca de 20% das importações agrícolas mundiais) e continua a ter um défice comercial crescente em produtos agrícolas, como acontece em Portugal, onde este défice ultrapassa os quatro mil milhões de euros anuais.
As sucessivas reformas da PAC não tiveram em conta a diversidade das agriculturas dos diversos países, não privilegiaram os apoios a quem se mantém a produzir nos campos. O seu objectivo central há muito que deixou de ser apoiar quem trabalha a terra, quem produz com qualidade e tenta fazer chegar essa produção aos consumidores nas melhores condições e o mais rapidamente possível, assegurando e garantindo uma alimentação saudável da população do seu país.
Por isso, antes de avançar para a nova reforma, impõe-se reconhecer a realidade para não continuar a insistir em políticas que visam sobretudo destruir os mecanismos de intervenção e de estabilização do mercado, que protegiam a produção e os consumidores, apenas para trocar a agricultura por outros interesses das multinacionais da indústria e dos serviços nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Fora da OMC
Insistimos, como, aliás, aconteceu num recente seminário, em Coimbra, sobre a futura reforma da PAC, promovido pelo PCP, que um dos objectivos centrais da PAC deve ser garantir a segurança e a soberania alimentares, o que implica apoiar os agricultores a produzir com qualidade, a manter-se na produção, exigindo que a agricultura se mantenha fora da OMC.
Mesmo em termos orçamentais, a actual PAC é muito diferente da que existia há 25 anos, quando Portugal aderiu à então CEE. A parte das despesas da PAC no orçamento da UE, em 1985, era de cerca de 75% do global e nas actuais perspectivas financeiras prevê-se que seja de 39,3% em 2013, o que representa menos de 0, 45% do PIB comunitário. Mas nas medidas de mercado, a diferença é ainda maior, tendo passado de 74% das despesas globais da PAC, em 1992, para menos de 10% na actualidade. Como sabemos, as despesas da PAC deslocaram-se continuamente do apoio ao mercado e das subvenções à exportação para os pagamentos dissociados e o desenvolvimento rural.
É inadmissível que os responsáveis da União Europeia não queiram retirar conclusões desta crise do capitalismo, que teve um dos primeiros alertas na especulação de produtos agrícolas no plano mundial, como todos sabemos. Só depois passaram ao mercado imobiliário para agora chegarem à dívida soberana e, claro, aos planos de austeridade, para porem em causa as conquistas sociais e laborais das últimas dezenas de anos, facilitando, assim, a acumulação capitalista.
Por isso, é importante reconhecer que são idênticos os interesses da generalidade dos consumidores, sobretudo dos que são as principais vítimas dos ditos planos de austeridade, e da maioria dos agricultores, daqueles que se mantêm na produção (não dos que têm as grandes propriedades ao abandono mas recebem a maioria dos apoios da PAC, como acontece em Portugal), tendo em conta o aumento do custo dos factores de produção e a dificuldade do seu escoamento, resultado da concorrência desleal de produtos importados de pior qualidade, e da falta de estruturas de apoio à comercialização dos produtos locais.
É fundamental que a nova PAC garanta direitos de produção, acabe com as injustiças na distribuição das ajudas, pratique o plafonamento, apoie a produção dos produtos que fazem parte da cultura de cada país, a produção dos pequenos e médios agricultores, da agricultura familiar, que não recorre aos OGM, que não pratica a produção intensiva, que respeita o equilíbrio ambiental e protege as raças e espécies vegetais autóctones. É preciso que quem se mantém na agricultura tenha garantido um rendimento para viver com dignidade, o que implica também ter acesso garantido e de proximidade à saúde pública, à educação, à protecção e segurança social e à cultura.
É preciso que haja condições para apoiar políticas públicas que promovam uma redistribuição equilibrada das terras a quem dê garantias de as trabalhar, reconhecendo a sua importante função social, criando incentivos adequados para os jovens agricultores e incentivando o investimento, a produção sustentável, o emprego e a garantia de alimentação segura da população portuguesa, dando, assim, um contributo fundamental para diminuir a dependência alimentar, baixar a dívida pública e sair da crise.