O FMI confessa-se

Ângelo Alves

De um dis­curso de «re­toma» o FMI passa para um «cui­da­doso» dis­curso sobre a «fra­gi­li­dade»

«No ano pas­sado foram des­truídos 30 mi­lhões de postos de tra­balho em con­sequência da crise eco­nó­mica in­ter­na­ci­onal». Quem o afirmou foi o «in­sus­peito» di­rector ge­rente do Fundo Mo­ne­tário In­ter­na­ci­onal, Do­mi­nique Strauss-Kahn. A afir­mação, pro­fe­rida no con­texto da Reu­nião Anual do FMI re­a­li­zada no pas­sado fim de se­mana em Washington não sur­pre­ende – o au­mento ex­po­nen­cial do de­sem­prego é uma das res­postas do sis­tema ca­pi­ta­lista à sua crise e os dados re­fe­ridos pelo FMI es­tarão su­ba­va­li­ados, po­dendo o acrés­cimo de de­sem­pre­gados ser de 50 mi­lhões. Mas não deixa de ter sig­ni­fi­cado que após dois anos de mi­li­o­ná­rios fi­nan­ci­a­mentos ao sector fi­nan­ceiro e de «sa­cri­fí­cios para todos» de modo a «re­lançar a eco­nomia mun­dial e criar em­prego», este seja um ponto do dis­curso de uma das mais im­por­tantes ins­ti­tui­ções in­ter­na­ci­o­nais do ca­pi­ta­lismo.

 

Mas o FMI não se li­mitou a re­co­nhecer a evi­dente ca­tás­trofe so­cial que se vive em todo o Mundo - si­tu­ação bem de­mons­trada pelo nú­mero total de de­sem­pre­gados que ron­dará, se­gundo a OIT, os 230 mi­lhões - foi mais além: clas­si­ficou o de­sem­prego como «uma ameaça à de­mo­cracia e mesmo à paz» e te­o­rizou em torno do con­ceito da «ge­ração per­dida» pondo para cima da mesa o risco de a eco­nomia mun­dial não ser capaz de criar du­rante a pró­xima dé­cada os 450 mi­lhões de postos de tra­balho ne­ces­sá­rios para in­te­grar no «mer­cado de tra­balho» a pró­xima ge­ração de tra­ba­lha­dores. De um dis­curso de «re­toma» o FMI passa para um «cui­da­doso» dis­curso sobre a «fra­gi­li­dade»

 

Quer isto dizer que o FMI re­co­nheceu que a in­sis­tência no ca­minho se­guido até agora está a con­duzir a Hu­ma­ni­dade a uma si­tu­ação eco­nó­mica, so­cial e po­lí­tica ex­plo­siva? Não! O que tais de­cla­ra­ções de­mons­tram acima de tudo é o es­ma­gador peso da re­a­li­dade e o pro­fun­dís­simo vazio de pers­pec­tivas face a um mais do que evi­dente ce­nário de ma­nu­tenção e mesmo pos­sível apro­fun­da­mento do ac­tual epi­sódio de crise do ca­pi­ta­lismo e de uma si­tu­ação ex­plo­siva na eco­nomia norte-ame­ri­cana mer­gu­lhada no es­pectro da re­cessão pro­lon­gada e do de­sem­prego mas­sivo (cerca de 20% ac­tu­al­mente).

O que so­bressai da reu­nião anual do FMI é que, como o PCP e vá­rios ou­tros pre­viram, a única con­sequência das me­didas de «es­tí­mulo» eco­nó­mico (leia-se trans­fe­rência de fundos pú­blicos para o ca­pital fi­nan­ceiro) foi a su­cessão de crises de dí­vida so­be­rana dos es­tados, como a que se vive na União Eu­ro­peia, que por sua vez in­tro­duziu novos fac­tores de ins­ta­bi­li­dade na eco­nomia mun­dial e deu lastro a gi­gan­tescos e vi­o­lentos pro­cessos de con­cen­tração e cen­tra­li­zação de ri­queza e às po­lí­ticas de «aus­te­ri­dade» que alas­tram por todo o mundo numa au­tên­tica guerra so­cial contra os tra­ba­lha­dores e os povos. Po­lí­ticas que, por sua vez, con­traem a pro­cura, apro­fun­dando assim a crise de sobre-pro­dução. É este o ciclo vi­cioso do qual o FMI de­mons­trou, com a re­a­fir­mação das mesmas re­ceitas de sempre, não saber sair sem re­correr ao ter­ro­rismo anti-so­cial e ao saque dos países em de­sen­vol­vi­mento.

 

E é à luz dessa «in­ca­pa­ci­dade» que se deve ler a pre­o­cu­pação do FMI com o «re­e­qui­lí­brio eco­nó­mico», leia-se a pre­o­cu­pação com a dis­pa­ri­dade entre uma es­tag­nação eco­nó­mica na tríade ca­pi­ta­lista e o cres­ci­mento dos países em de­sen­vol­vi­mento. O toque a re­bate para pres­sões contra a China, ten­tando forçar a va­lo­ri­zação do Yuan, mais não é do que a con­fir­mação do Mundo estar pe­rante uma tí­pica crise de so­bre­pro­dução ca­pi­ta­lista, mar­cada pelo de­sen­vol­vi­mento de au­tên­ticas guerras eco­nó­micas e mo­ne­tá­rias, no quadro de um mais do que evi­dente e ace­le­rado de­clínio eco­nó­mico dos EUA. Uma si­tu­ação ex­plo­siva que exi­girá do mo­vi­mento ope­rário, dos co­mu­nistas e dos pro­gres­sistas muita re­sis­tência, fir­meza e co­ragem na luta pela real al­ter­na­tiva.



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