Comentário

A crise da UE e dos seus fundamentos

Maurício Miguel

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O ano termina com a decisão do Conselho Europeu de rever o conteúdo do tratado de Lisboa, o tal que os poderes que dominam a UE impuseram a ferros, fugindo ao debate e à realização de referendos ou passando por cima da vontade manifestada pelos povos da França, da Holanda e Irlanda na sua rejeição. A decisão de rever o tratado para criar um «mecanismo permanente para salvaguardar a estabilidade financeira da área do euro» constitui mais uma afirmação de força das grandes potências, particularmente da Alemanha, procurando cimentar o seu directório contra a soberania dos povos e dos países de economias mais frágeis e em situações económicas e sociais mais difíceis. Numa estratégia de fuga para a frente perante responsabilidades próprias no saque que tem sido efectuado a países como Portugal, a revisão do tratado dá guarida aos interesses do FMI e da banca privada e terá como consequência menos soberania, mais limitações às liberdades democráticas, mais medidas anti-sociais, impondo sacrifícios aos mesmos de sempre: aos trabalhadores e às camadas populares de menores recursos.

A UE demonstra gritantes contradições de classe, com uma cada vez maior concentração de capital na mão de cada vez menos grupos económicos e financeiros e a acumulação de fortunas fabulosas, ao mesmo tempo que crescem exponencialmente as dificuldades para aqueles que trabalham e vivem dos rendimentos do seu trabalho, as pensões de miséria, o número de desempregados, particularmente de jovens, atacando os direitos e conquistas de gerações e gerações de trabalhadores, passando a factura da crise às gerações mais novas a quem se está a hipotecar o futuro.

O carácter parasitário do grande capital da UE encontra no poder político, quer nos governos dos países quer no Conselho e na Comissão Europeia, ou na maioria dos deputados do Parlamento Europeu, os seus mais fiéis defensores. Da direita à social-democracia, ninguém parece ter insónias com as consequências das políticas por si decididas. Não se importam se uma família de trabalhadores fica sem emprego, se não tem dinheiro para pagar uma consulta médica, se não pode pagar os impostos, ou se não tem dinheiro para comprar leite e sopa, ou se o dinheiro não chega para pagar a renda de casa. Não têm o menor pejo em criminalizar um imigrante porque se «atreveu» a abandonar o seu país, a sua família, os seus amigos em busca de um emprego, de um salário digno, um tecto para morar. Ou mesmo em tentar virar os outros trabalhadores contra ele. Nem se importam se, depois de percorrer milhares de quilómetros e de ter sido sujeito às mais duras provas para tentar chegar a um país europeu, o mesmo imigrante é colocado numa prisão num qualquer Estado fronteiriço e a quem a UE paga para fazer o trabalho sujo de manter os imigrantes longe das suas fronteiras. Nem se importam que este mesmo imigrante tenha sido expulso da sua terra com a sua família e todos os camponeses que tiveram o «azar» de viver numa região onde uma empresa «europeia» quer explorar os recursos minerais, extrair petróleo ou gás natural, ou produzir um qualquer produto agrícola para exportar para a UE ou para qualquer outra parte do mundo.

Os desenvolvimentos da integração capitalista europeia colocam em evidência os seus limites históricos, o seu carácter reaccionário e factor condicionador do progresso. Enfeudada aos interesses das grandes potências e dos grandes monopólios capitalistas, a UE é cada vez mais, na Europa e no mundo, um factor de ataque aos direitos e conquistas sociais dos trabalhadores e dos povos, elemento de restrição das liberdades democráticas, nomeadamente políticas, de instabilidade e de ameaça à paz e à soberania nacional, factor de sobrexploração dos recursos naturais e da degradação ambiental.

A luta e a resistência dos povos na UE contra estas políticas continuam e têm tido expressões assinaláveis. A Greve Geral que se realizou em Portugal é um marco importante da elevação da consciência de amplos sectores do nosso país e um acto de solidariedade internacionalista dos trabalhadores e do povo português. Não estamos sozinhos nesta batalha. Com uma expressão maior em alguns países e menor noutros, os povos resistem um pouco por toda a UE e por todo o Mundo.



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