Agir e preparar a acção – II

Jorge Messias

Fala-se re­pe­ti­da­mente em so­li­da­ri­e­dade no abs­tracto, sem se re­ferir como ou porquê de­vemos ser so­li­dá­rios. E quando o não de­vemos ser. É o caso, por exemplo, das prá­ticas po­lí­ticas, re­li­gi­osas, eco­nó­micas e fi­nan­ceiras; dos es­quemas de con­quista de in­fluên­cias, das formas pú­blicas e pri­vadas de en­ri­que­ci­mento e de su­borno, do fun­ci­o­na­mento da Jus­tiça, da Saúde, do En­sino, do Tra­balho, do sis­tema de re­dis­tri­buição da ri­queza, etc., etc. Nestes casos, os que mais cor­rompem e roubam, re­metem o ci­dadão comum para o cum­pri­mento dos prin­cí­pios cons­ti­tu­ci­o­nais que eles pró­prios vi­olam im­pu­ne­mente. De­pois, apelam à so­li­da­ri­e­dade entre os ex­plo­ra­dores (no meio dos quais eles se contam) e as ví­timas da ex­plo­ração que as suas prá­ticas ca­pi­ta­listas por todos os meios pro­curam es­magar. São si­mul­ta­ne­a­mente po­lí­cias e la­drões, imo­rais e mo­ra­listas, ti­ranos e de­mo­cratas. Com esses, ne­nhuma so­li­da­ri­e­dade deve haver.

Ac­tu­al­mente, vamos passar a uma nova fase de ace­le­ração do pro­cesso de ex­plo­ração do homem do povo e cons­tatar de que forma ele irá re­agir à agu­di­zação da sua ex­plo­ração. Se­remos não só tes­te­mu­nhas mas também par­ti­ci­pantes ac­tivos nas lutas de classes e nos em­bates so­ciais em que os «pu­nhos de renda» vão ceder lugar à acção. Vi­ve­remos horas duras.

O povo por­tu­guês não pro­vocou esta si­tu­ação. Foi a cu­pidez dos ou­tros, dos ban­queiros seus pa­trões. O povo sabe que será ele o grande sa­cri­fi­cado nas lutas que se apro­ximam. Mas não se dei­xará en­ganar pelas grandes men­tiras que o enojam.

Nem con­sen­tirá em ser so­li­dário com os seus car­rascos ou com os seus re­pres­sores tra­di­ci­o­nais – po­lí­ticos e pa­dres – que à sombra de uma imagem por eles pró­prios con­ce­bida e ma­ni­pu­lada con­ti­nuam a tentar «di­vidir o país, para reinar».

 

As am­né­sias dos bispos e a po­breza dos po­bres

 

O ca­pi­ta­lismo, com as suas alu­ci­na­ções de gran­deza e de poder, pro­duziu e produz a des­graça no mundo. Ac­tu­al­mente, mesmo as so­ci­e­dades oci­den­tais mais ricas vivem si­tu­a­ções de crise eco­nó­mica, de­sem­prego, in­flação, des­cré­dito po­lí­tico e de alas­tra­mento da cor­rupção. Por­tugal é um país mais pobre mas os­tenta todos estes ín­dices de de­gra­dação. O Es­tado por­tu­guês en­contra-se cla­ra­mente à beira da ban­car­rota. Nação apos­tó­lica, ca­tó­lica e ro­mana por de­fi­nição, é das que mai­ores ín­dices de cor­rupção os­tentam.

Este es­tado de coisas ainda mais se agrava com a fase po­lí­tica que vi­vemos em cam­panha elei­toral. O poder que está de­turpa nú­meros e re­a­li­dades se­gundo o que mais lhe convém. O poder que virá pro­mete mundos e fundos desde que re­colha votos. Os «maus», os «cri­mi­nosos», são sempre aqueles que fazem ou­tras lei­turas das re­a­li­dades. Ci­da­dãos soli­dá­rios na pe­quena po­lí­tica, só nas culpas que a «todos cabem» pelo país estar no es­tado em que está.

A hi­e­rar­quia ca­tó­lica, cé­rebro de tantas fraudes e de tantos crimes, tudo co­nhece por miúdo e quase tudo cala. Disse em re­cente en­tre­vista (DN, 26.12.10) D. José Po­li­carpo, car­deal-pa­tri­arca, à guisa de jus­ti­fi­cação: «A Igreja tem um papel: criar na po­pu­lação uma ati­tude de es­pe­rança…é através da lei do or­ça­mento que temos de ajudar as pes­soas a viver com co­ragem e sem re­volta!».

Clara con­fissão com duas faces. Em te­o­logia, es­pe­rança será aquilo que os teó­logos qui­serem que seja. Mas em po­lí­tica, es­pe­rança é um dos elos da ca­deia di­nâ­mica que passa pela in­for­mação, pela re­flexão, pela de­núncia, pela crí­tica, pela pro­posta e ter­mina no tra­balho cons­tru­tivo do pro­jecto e da acção. Não será com este jogo duplo que a hi­e­rar­quia ca­tó­lica con­se­guirá re­cu­perar pres­tígio entre o povo. O facto é que a Igreja nada de novo tem a propor. Não dispõe de al­ter­na­tivas e só gere bem os seus pró­prios ne­gó­cios: mi­se­ri­cór­dias, ONGS, IPSS, fun­da­ções, bancos, offshores, en­sino pri­vado, mul­ti­na­ci­o­nais, far­ma­cêu­ticas, se­gu­ra­doras… um im­pério sem prin­cípio nem fim! Um uni­verso fa­bu­loso digno das «Mil e uma noites» e dos grandes es­cân­dalos fi­nan­ceiros do Va­ti­cano!

Já no final da en­tre­vista, D. José queixa-se dos ata­ques que, em sua opi­nião, o ac­tual Go­verno cons­tan­te­mente des­fere contra a Igreja. É ati­tude que mal se en­tende, visto Só­crates ser ca­tó­lico con­victo que vai ao ponto de se benzer antes de falar em pú­blico.

Se, to­davia, mesmo assim tais ata­ques se ve­ri­ficam, ex­plica o car­deal pa­tri­arca se­gundo a sua pers­pec­tiva moral: «É porque, quando é pre­ciso apertar o cinto e cortar, faz-se onde é mais fácil. E a Igreja não tem poder rei­vin­di­ca­tivo para im­pedir esses cortes». É pre­ciso des­fa­çatez!

Ter­mi­nemos com outra breve ci­tação do car­deal (DN, 26.12.2010: «A re­e­leição de Ca­vaco Silva seria fa­vo­rável à pa­ci­fi­cação da si­tu­ação na­ci­onal… CS ha­bi­tuou-se a que os ca­tó­licos nas suas re­ac­ções falem bai­xinho».



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