O voto comunista

Jorge Messias

Mesmo em aberto ce­nário de luta de classes im­porta parar por uns ins­tantes e re­flectir. Dentro de dias, vamos votar. É es­sen­cial que o nosso voto co­mu­nista trans­mita a carga – que é o nosso or­gulho – dos prin­cí­pios mar­xistas-le­ni­nistas e da pro­posta de so­ci­e­dade de­mo­crá­tica que en­tre­gámos ao povo por­tu­guês. Que­remos uma so­ci­e­dade so­ci­a­lista cons­truída por fases, com o seu eixo cen­trado no homem e no povo. Que­remos con­so­lidar em Por­tugal um Es­tado livre e de­mo­crá­tico apoiado no povo e pelo povo.

O voto co­mu­nista é de rup­tura. No es­tado de­gra­dante em que se en­contra a vida po­lí­tica, sê-lo-ia em quais­quer cir­cuns­tân­cias. Agora, porém, mais do que nunca a rup­tura é uma exi­gência. A pró­xima eleição vai de­correr por entre os riscos do povo ficar à mercê das im­po­si­ções, di­rectas e bru­tais, das cen­trais mun­diais do grande ca­pital. Nesta pers­pec­tiva, o voto co­mu­nista as­sume po­si­ções ra­di­cais: de­nuncia os erros e os crimes, exige o des­man­te­la­mento do apa­relho ca­pi­ta­lista res­pon­sável e avança com me­didas a adoptar ime­di­a­ta­mente: su­pressão dos pri­vi­lé­gios das for­tunas, res­peito pela Cons­ti­tuição da Re­pú­blica, mo­bi­li­zação dos re­cursos fi­nan­ceiros, in­ves­ti­mento do Es­tado na eco­nomia pro­du­tiva, sa­ne­a­mento do de­sem­prego e er­ra­di­cação da po­breza, mai­ores apoios à in­dús­tria, agri­cul­tura, pescas, sis­temas do en­sino, saúde, se­gu­rança so­cial, etc. Va­lo­ri­zação de tudo quanto, enfim, possa dar força con­sis­tente aos pe­quenos e mé­dios pro­du­tores e aos tra­ba­lha­dores, em vez de tentar vergá-los aos pés do grande ca­pital mun­dial.

 

O «de­sastre» ca­pi­ta­lista e a «vaga de fundo»

 

A ac­tual si­tu­ação eco­nó­mica e so­cial do País é ca­tas­tró­fica. Vê-se agora cla­ra­mente qual é o poder de­mo­lidor da adesão «ino­cente» de Por­tugal à União Eu­ro­peia e à moeda única. Su­ces­sivas ca­ma­ri­lhas de aven­tu­reiros ins­ta­lados no poder pro­me­teram mundos e fundos ao nosso povo e assim deram lugar à des­truição da eco­nomia, à po­breza e à mi­séria, às fa­lên­cias e ao de­sem­prego, en­quanto davam lugar à for­mação de novas e co­los­sais for­tunas pri­vadas. Agora, in­ca­pazes de con­tro­larem os mons­tros que ge­raram, os grandes sul­tões do ca­pital pro­curam re­cons­truir a todo o custo o Im­pério Fi­nan­ceiro que foi a trave-mestra do fas­cismo.

É neste pa­no­rama pre­o­cu­pante que vai de­correr o pró­ximo acto elei­toral para a PR, na cam­panha do qual a força re­vo­lu­ci­o­nária do povo por­tu­guês se en­contra tão bem re­pre­sen­tada pela can­di­da­tura do PCP. Ainda que as di­fi­cul­dades con­jun­tu­rais se en­con­trem – como sempre! – agra­vadas pelas cum­pli­ci­dades do poder dos grandes se­nhores com ou­tros par­ceiros mais dis­cretos ...

Nessa área, então, o caso da hi­e­rar­quia da Igreja é uma ver­gonha! Roma cala-se pe­rante a cor­rupção ge­ne­ra­li­zada dos po­lí­ticos, dos ban­queiros e dos bispos. As igrejas na­ci­o­nais, como a por­tu­guesa, aco­modam-se à imo­ra­li­dade pú­blica e acon­se­lham aos tra­ba­lha­dores pas­si­vi­dade, so­li­da­ri­e­dade e perdão, pe­rante a ex­plo­ração que os conduz à mi­séria. En­tre­tanto, apro­vei­tando a tão fa­lada «crise», o Va­ti­cano e a malha fi­nan­ceira que con­trola con­ti­nuam a somar lu­cros fa­bu­losos.

O voto co­mu­nista não ali­menta ilu­sões quer em re­lação aos mi­la­gres das te­o­cra­cias e dos sis­temas cor­ruptos, quer quanto às men­tiras das uto­pias pa­la­vrosas dos pa­trões.

Os co­mu­nistas estão ha­bi­tu­ados às si­tu­a­ções de risco e sabem como de­frontá-las. Têm a clara noção de que o com­bate nas urnas é, em quais­quer cir­cuns­tân­cias, um po­de­roso meio de apro­xi­mação das forças re­vo­lu­ci­o­ná­rias às massas po­pu­lares. E que a de­núncia pú­blica, em lin­guagem frontal, das ac­ções dos la­drões e dos ex­plo­ra­dores acar­reta, com o tempo, a de­gra­dação da imagem e da noção po­pular da força dos ex­plo­ra­dores. Estes, hão-de ser der­ro­tados.

Por tudo isto, o voto co­mu­nista acu­mula saber nas alas mi­li­tantes. Re­cebem as li­ções do con­tacto di­recto com os hu­mi­lhados e ofen­didos. E en­ri­quecem a sua te­oria ao acei­tarem que o voto é im­por­tante mas não é tudo... Votar, é certo que cons­titui um di­reito de­mo­crá­tico in­subs­ti­tuível. Mas as lutas dos po­bres e dos tra­ba­lha­dores não ter­minam aí. A ba­talha das urnas pro­longa-se de­pois cá fora, nas ruas, nos campos, nas es­colas, nas ofi­cinas, nos sin­di­catos, nos tri­bu­nais, nos cen­tros de saúde, na agi­tação das con­versas com os amigos… onde quer que, enfim, os ci­da­dãos co­muns es­tejam pre­sentes. E o voto co­mu­nista aprende, igual­mente, que este fluxo quando se de­sen­ca­deia é im­pa­rável.

A «vaga de fundo» das exi­gên­cias do povo co­meça nunca se sabe quando. Quando o «copo está cheio», basta uma cen­telha para o in­cen­diar. Um sim­ples bal­bu­ciar quase inau­dível de re­pente ganha voz e atroa os ares. Nada a po­derá calar.

O voto co­mu­nista sabe que assim é!



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