A Libertação de Auschwitz

Rui Paz

O im­pe­ri­a­lismo e o mi­li­ta­rismo nunca se con­for­maram com a der­rota do nazi-fas­cismo

A 27 de Ja­neiro de 1945 o Exér­cito Ver­melho li­bertou Aus­chwitz, o maior e mais co­nhe­cido campo de ex­ter­mínio nazi. Coube à União So­vié­tica, país que, com mais de 20 mi­lhões de mortos, so­freu como ne­nhum outro os efeitos cruéis da agressão da Ale­manha hi­tle­riana, li­bertar a hu­ma­ni­dade de um dos mais ter­rí­veis cen­tros do terror, sím­bolo ex­tremo da opressão e da ir­ra­ci­o­na­li­dade de um sis­tema que de forma inequí­voca de­mons­trou não haver li­mites para a bar­bárie quando a exis­tência hu­mana é sub­me­tida à lei do lucro.

 

Em Aus­chwitz tudo era fi­nan­ciado pelo Deutsche Bank, cuja di­recção se en­con­trava re­pre­sen­tada na IG FarbeBayer), em­presa be­ne­fi­ciária do tra­balho es­cravo e for­ne­ce­dora do Zy­klon B, o gás da morte com que os pri­si­o­neiros con­si­de­rados inaptos para tra­ba­lhar eram as­fi­xi­ados. Também as contas dos SS, da Ges­tapo e da firma Topf, cons­tru­tora dos cre­ma­tó­rios, es­tavam sob o con­trolo da­quele im­pério fi­nan­ceiro. Não existe pra­ti­ca­mente ne­nhum grande banco ou mo­no­pólio alemão que não tenha en­ri­que­cido com o na­zismo e a es­cra­vidão dos pri­si­o­neiros dos campos de con­cen­tração. Si­e­mens, Krupp, Opel, BMW, VW, Daimler, IG Farbe, Alianz, Flick, Deutsche, Dresdner e Com­merz Bank, são apenas os nomes mais so­nantes de di­nas­tias do mundo em­pre­sa­rial e da fi­nança cujo poder foi con­so­li­dado pelo terror do re­gime hi­tle­riano. Só entre 1939 e 1944 o vo­lume de ne­gó­cios do Deutsche Bank au­mentou de 4,2 para 11,4 mil mi­lhões de «Rei­chs­mark».

 

Numa in­ter­venção pro­fe­rida no «Ins­ti­tuto de Ci­ên­cias Ban­cá­rias» a 25 de Ou­tubro de 1940, pouco meses após a ocu­pação mi­litar da Po­lónia, Es­can­di­návia, Be­nelux e França pelos exér­citos ale­mães, o ban­queiro Her­mann Abs, membro da di­recção da­quele monstro fi­nan­ceiro, re­fe­rindo-se à cri­ação de um «es­paço co­lo­nial», pro­cla­mava que «a es­colha dos países ade­quados para uma ac­tiva po­lí­tica de ca­pital não apre­senta hoje qual­quer di­fi­cul­dade para a Ale­manha. (...) O es­paço eu­ropeu ofe­rece à nossa es­fera de in­fluência po­lí­tica ricas e van­ta­josas pos­si­bi­li­dades para sa­tis­fazer os li­mites da nossa ca­pa­ci­dade.»

Li­ber­tado Aus­chiwtz, o im­pe­ri­a­lismo e o mi­li­ta­rismo nunca se con­for­maram com a der­rota do nazi-fas­cismo. E com o fim da URSS e do so­ci­a­lismo na Eu­ropa do Leste des­pertou de novo a agres­si­vi­dade e o ape­tite do monstro re­van­chista. Ac­tu­al­mente, a Ale­manha é, na UE, o maior ex­por­tador de ins­tru­mentos de morte. Como ac­ci­o­nista di­recto ou in­di­recto de vá­rios grupos ar­ma­men­tistas, o Deutsche Bank é um dos prin­ci­pais be­ne­fi­ciá­rios dos ob­jec­tivos be­li­cistas pros­se­guidos pela Agência Eu­ro­peia de De­fesa (EDA) e ins­critos no cha­mado «Tra­tado de Lisboa».

 

Para sus­tentar este novo pro­grama de ex­pansão im­pe­ri­a­lista, os tra­ba­lha­dores e os povos estão a ser sub­me­tidos a sa­cri­fí­cios até há pouco ini­ma­gi­ná­veis. Longe vai o tempo em que o ca­pi­ta­lismo ce­le­brava eu­fo­ri­ca­mente o de­sa­pa­re­ci­mento da União So­vié­tica e pro­cla­mava o fim da his­tória e o ad­vento de uma nova época de paz, pro­gresso so­cial e se­gu­rança in­ter­na­ci­onal. Hoje, o grande ca­pital mostra di­a­ri­a­mente que o ob­jec­tivo su­premo do sis­tema não é servir o homem mas obter o má­ximo de lucro. É por isso que «em vá­rios pontos do mundo os povos tomam nas suas mãos a de­fesa dos seus di­reitos e da so­be­rania dos seus países, re­sistem nas mais va­ri­adas formas e im­põem re­vezes à es­tra­tégia de do­mi­nação do im­pe­ri­a­lismo» (CC do PCP de No­vembro 2010). Como se sa­li­enta na Re­so­lução Po­lí­tica do XVIII Con­gresso do PCP, «nunca foi tão ver­da­deira a tese mar­xista de que, li­ber­tando-se, a classe ope­rária li­berta si­mul­ta­ne­a­mente todas as ou­tras classes e ca­madas opri­midas pelo ca­pital mo­no­po­lista, o que hoje sig­ni­fica li­bertar a hu­ma­ni­dade».



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