Interpelação do PCP ao Governo sobre legislação laboral

Urge romper o ciclo vicioso da precariedade

O Governo do PS tem em preparação novas medidas para acentuar a precarização e a perda de direitos. Trata-se de acelerar e intensificar o processo de exploração dos trabalhadores, linha de rumo que o PCP condena e rejeita.

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Em causa está so­bre­tudo o que o líder par­la­mentar co­mu­nista chamou de «ciclo vi­cioso da pre­ca­ri­e­dade» – essa «via verde para o de­sem­prego» para logo a se­guir «o sa­lário ser ainda mais baixo e o em­prego mais pre­cário» –, ciclo este que «é pre­ciso romper», abrindo ca­minho à cons­trução de uma al­ter­na­tiva que res­ponda aos an­seios dos jo­vens e ga­ranta pers­pec­tivas de um fu­turo me­lhor.

Esta é por­ven­tura a prin­cipal con­clusão a reter da in­ter­pe­lação do PCP ao Go­verno cen­trada na le­gis­lação la­boral, no­me­a­da­mente nas me­didas que estão a ser por aquele gi­zadas em sede de con­cer­tação so­cial em con­luio com o pa­tro­nato.

O facto de não haver uma única me­dida da qual se possa dizer que está pers­pec­ti­vada num sen­tido fa­vo­rável aos tra­ba­lha­dores (ver peça nesta pá­gina) diz bem não só do ca­minho se­guido pelo Go­verno como também dos pe­rigos que dele emanam, no­me­a­da­mente em termos do agravar das con­di­ções de tra­balho, das in­jus­tiças e das de­si­gual­dades so­ciais.

 

Fiéis ao pa­tro­nato

 

Foi tudo isto que a ban­cada co­mu­nista trouxe para pri­meiro plano deste im­por­tante e opor­tuno de­bate, mos­trando, desde logo, como é plena a co­mu­nhão de pontos de vista entre o Go­verno PS e o PSD e o CDS/​PP em ma­téria de le­gis­lação la­boral.

O Go­verno, pro­cu­rando dis­si­mular a con­ver­gência, bem tentou, por exemplo, pela voz do mi­nistro da Pre­si­dência Silva Pe­reira, dizer que re­jeita a «agenda da di­reita», afir­mando mesmo não aceitar a li­be­ra­li­zação e o apro­fun­da­mento da pre­ca­ri­e­dade do mer­cado de tra­balho, a «eli­mi­nação da proi­bição do des­pe­di­mento sem justa causa».

Ora ver­dade é que o des­pe­di­mento sem justa causa já existe, como tratou de lem­brar Ber­nar­dino So­ares. Com efeito, exem­pli­ficou, já existe para todos os tra­ba­lha­dores pre­cá­rios, sem qual­quer es­ta­bi­li­dade nos seus vín­culos la­bo­rais, já existe nos re­cibos verdes, no tra­balho tem­po­rário, nos con­tratos a prazo.

E por assim ser é que os jo­vens quando ouvem o pri­meiro-mi­nistro falar tanto de es­ta­bi­li­dade go­ver­na­tiva – foi ainda o pre­si­dente da for­mação co­mu­nista a fazer a ob­ser­vação – «sabem que ele está a falar da ins­ta­bi­li­dade das suas vidas, da con­ti­nu­ação e agra­va­mento da ex­plo­ração a que estão su­jeitos».

E sabem também que a pre­ca­ri­e­dade em que vivem não é o re­sul­tado de um qual­quer pro­blema ge­ra­ci­onal – «não há ne­nhuma opo­sição entre os di­reitos e os in­te­resses dos tra­ba­lha­dores jo­vens e dos menos jo­vens», foi dito – , nem existe porque há ou­tros tra­ba­lha­dores com con­trato efec­tivo.

«A es­ta­bi­li­dade que não querem dar a uns é a mesma que querem tirar a ou­tros», es­cla­receu Ber­nar­dino So­ares, fa­zendo notar que «quando o Go­verno quer dar ao pa­tro­nato a pos­si­bi­li­dade de des­pedir, com in­dem­ni­za­ções em saldo, não é para con­tratar jo­vens tra­ba­lha­dores para efec­tivos», mas sim para «con­tratar mais falsos re­cibos verdes, mais tra­balho tem­po­rário, mais pre­ca­ri­e­dade, mais ex­plo­ração».

 

Cortar nos di­reitos

 

Foram factos como estes que os de­pu­tados co­mu­nistas trou­xeram para pri­meiro plano do de­bate, de­nun­ci­ando-os, tal como des­mon­taram os prin­ci­pais ar­gu­mentos adu­zidos pelo Go­verno, entre eles o de que as al­te­ra­ções em vista têm por ob­jec­tivo criar mais postos de tra­balho.

Pura men­tira, res­pondeu Jorge Ma­chado, ad­ver­tindo que em curso, isso sim, estão me­didas que visam a «subs­ti­tuição de tra­ba­lha­dores com di­reitos por tra­ba­lha­dores sem di­reitos, com sa­lá­rios mais baixos e pre­cá­rios».

Re­ba­tido pela ban­cada do PCP foi também o ar­gu­mento de que as me­didas go­ver­na­men­tais te­riam por fim uma me­lhoria da nossa com­pe­ti­ti­vi­dade, uma vez que, como disse a mi­nistra do Tra­balho, Por­tugal «não vive numa ilha», ha­vendo que se­guir ori­en­ta­ções de ou­tros países, como em Es­panha. «O pro­blema é que essa con­versa da com­pe­ti­ti­vi­dade também se ouve em Es­panha», fez notar a ban­cada do PCP, fri­sando que é assim, «de me­dida em me­dida, de país em país, que se re­duzem os di­reitos de todos os tra­ba­lha­dores da Eu­ropa».

Sem res­posta da ban­cada co­mu­nista não ficou também o re­cor­rente ar­gu­mento da ri­gidez la­boral, in­vo­cado, por exemplo, pelo mi­nistro Silva Pe­reira, que de­fendeu a ne­ces­si­dade de ali­nhar a nossa le­gis­lação «pelas re­gras mais avan­çadas da Eu­ropa, de­sig­na­da­mente quanto às in­dem­ni­za­ções em caso de des­pe­di­mentos le­gais».

Os de­pu­tados co­mu­nistas ti­veram de lhe re­cordar que é a pró­pria Co­missão Eu­ro­peia a afirmar que os jo­vens tra­ba­lha­dores por­tu­gueses são os mais pe­na­li­zados pela pre­ca­ri­e­dade da União, com 53 por cento dos jo­vens su­jeitos a con­tratos pre­cá­rios, en­quanto 23 por cento dos de­sem­pre­gados são também eles jo­vens, o que cor­res­ponde igual­mente a uma das taxas mais ele­vadas da Eu­ropa.


Em­prego e di­reitos sob fogo cer­rado

Agravar a ex­plo­ração

 

Do con­junto de me­didas sobre le­gis­lação la­boral em ne­go­ci­ação na con­cer­tação so­cial não há uma única, por mais li­geira que seja, fa­vo­rável aos tra­ba­lha­dores. A de­núncia é do de­pu­tado co­mu­nista Jorge Ma­chado que no de­curso do de­bate fez a de­mons­tração de como este é um de­se­qui­lí­brio de forças a pender para o pa­tro­nato. E por isso con­si­derou estar-se pe­rante uma «nova de­cla­ração de guerra aos tra­ba­lha­dores», a ilus­trar bem o rumo do Go­verno PS e a na­tu­reza das suas op­ções.

Op­ções em tudo idên­ticas às do PSD e do CDS/​PP, por mais que al­guns tentem fazer crer o con­trário, como foi o caso da mi­nistra do Tra­balho He­lena André. Fa­lando dos des­pe­di­mentos ar­bi­trá­rios, de­fendeu que deve ser man­tida a sua proi­bição, mas sempre foi di­zendo que «Por­tugal não está so­zinho na Eu­ropa e no Mundo», pelo que há que «apro­ximar o re­gime in­dem­ni­za­tório da­quele que vi­gora nos nossos par­ceiros mais di­rectos».

Meias pa­la­vras para es­conder o que ver­da­dei­ra­mente está na mira do Go­verno e do pa­tro­nato, ou seja, em­ba­ra­tecer o des­pe­di­mento – e esta é a pri­meira me­dida em dis­cussão na con­cer­tação so­cial que o PCP re­jeita de forma ca­te­gó­rica –, re­du­zindo o valor das in­dem­ni­za­ções pagas aos tra­ba­lha­dores em caso de des­pe­di­mento co­lec­tivo, por ina­dap­tação e por ex­tinção do posto de tra­balho. Trata-se, nestes casos, de re­duzir o valor de 30 para 20 dias de in­dem­ni­zação por cada ano de tra­balho, o que sig­ni­fica uma re­dução de um terço do valor da in­dem­ni­zação. In­sa­ciá­veis, Go­verno e pa­tro­nato querem ainda impor um tecto má­ximo de 12 meses de in­dem­ni­zação, o que tem como con­sequência, por exemplo, que um tra­ba­lhador com 30 anos na em­presa apenas re­cebe por 12 anos de tra­balho.

 

Be­ne­fi­ciar o pa­tro­nato

 

A re­dução das in­dem­ni­za­ções dos con­tratos a termo é outra das me­didas pre­co­ni­zadas pelo Exe­cu­tivo PS, sur­gindo, na pers­pec­tiva do PCP, como um claro in­cen­tivo à con­tra­tação pre­cária, já que fica mais ba­rato con­tratar a termo. Com efeito, em vez de três dias de in­dem­ni­zação por cada mês (nos con­tratos até seis meses) e dois dias de in­dem­ni­zação por cada mês (nos con­tratos com mais de seis meses), o tra­ba­lhador passa a re­ceber 1,66 dias por cada mês de tra­balho.

Sobre a cri­ação de um fundo para pagar as in­dem­ni­za­ções, apesar de a ti­tular da pasta do Tra­balho ter dito no de­bate que este «é um me­ca­nismo que tem de ser fi­nan­ciado ex­clu­si­va­mente pelas em­presas», o certo é que os pa­trões já dis­seram que farão re­per­cutir essa «taxa» sobre os sa­lá­rios, como afirmou o pre­si­dente da Con­fe­de­ração do Co­mércio e Ser­viços.

 

Ataque aos sin­di­catos

 

En­ca­rada como me­dida muito gra­vosa pela ban­cada co­mu­nista é ainda a cha­mada «pro­moção» da ne­go­ci­ação a nível da em­presa, com o Go­verno a de­fender que em do­mí­nios como a mo­bi­li­dade ge­o­grá­fica, mo­bi­li­dade fun­ci­onal, gestão do tempo de tra­balho e até au­mentos sa­la­riais a ne­go­ci­ação seja feita pelos re­pre­sen­tantes dos tra­ba­lha­dores nas em­presas e não pelos sin­di­catos. Para Jorge Ma­chado, «este é um ataque sem pre­ce­dentes aos sin­di­catos», vi­sando criar «uma con­tra­tação co­lec­tiva es­pe­cí­fica feita à me­dida dos in­te­resses das grandes em­presas», para além de pre­tender «abrir um ca­minho mais rá­pido para a ca­du­ci­dade dos con­tratos co­lec­tivos».

Al­te­ra­ções ne­ga­tivas na calha são ainda, por fim, as que res­peitam ao lay-off, ha­vendo in­for­ma­ções de «grandes ce­dên­cias ao pa­tro­nato» por parte do Go­verno, se­gundo o de­pu­tado do PCP, que de­nun­ciou ainda o alar­ga­mento dos «con­tratos de em­prego in­serção» ao sector pri­vado, o que sig­ni­fica pôr a Se­gu­rança So­cial a pagar o sub­sídio de de­sem­prego para que os tra­ba­lha­dores la­borem de borla para os pa­trões.

Tudo visto e so­mado, razão tem, pois, Jorge Ma­chado, quando afirma que o Go­verno PS em vez de «pôr o País a pro­duzir para criar mais ri­queza» e pro­mover o em­prego, ao invés, está apos­tado em «des­truir em­prego e atacar os di­reitos de quem tra­balha».

 

Po­lí­tica cri­mi­nosa

 

Fa­ci­litar e em­ba­ra­tecer os des­pe­di­mentos, dando mais um passo para a re­dução ge­ne­ra­li­zada dos sa­lá­rios, ao mesmo tempo que pro­cura ins­ti­tuir a «pre­ca­ri­e­dade como regra», eis, em sín­tese, as me­didas que o Go­verno está apos­tado em in­tro­duzir na le­gis­lação la­boral.

Trata-se, afinal, de apro­fundar o ca­minho de de­sastre que nos con­duziu à si­tu­ação ac­tual – o «ca­minho do mundo parvo des­crito na co­nhe­cida mú­sica dos De­o­linda», como bem as­si­nalou o de­pu­tado João Oli­veira –, um pre­sente mar­cado pela pre­ca­ri­e­dade e pela ex­plo­ração, com o Go­verno a não ter outra pers­pec­tiva para ofe­recer às jo­vens ge­ra­ções que não seja a da «ins­ta­bi­li­dade, da in­cer­teza e da des­pro­tecção».

Foi dessa re­a­li­dade con­creta feita de pro­blemas e di­fi­cul­dades, al­guns de con­tornos dra­má­ticos, que o de­pu­tado co­mu­nista falou no de­curso do de­bate para lem­brar, entre ou­tros dados, que a taxa de de­sem­prego atinge hoje os 11,1 por cento, o que cor­res­ponde a 619 mil tra­ba­lha­dores, se­gundo o INE, mas que em termos reais ul­tra­passa os 800 mil, 23 por cento dos quais são jo­vens.

De­sem­pre­gados, na sua mai­oria, sem sub­sídio de de­sem­prego, frisou João Oli­veira, re­al­çando que o nú­mero de de­sem­pre­gados com for­mação su­pe­rior é hoje o mais ele­vado desde 2003.

Quadro negro que não fica com­pleto se a ele não jun­tarmos os tra­ba­lha­dores pre­cá­rios – hoje mais de um mi­lhão e meio –, e, por outro lado, o facto de os sa­lá­rios dos tra­ba­lha­dores por­tu­gueses serem dos mais baixos da Eu­ropa.

Nú­meros que são a prova in­des­men­tível de uma po­lí­tica, como con­cluiu João Oli­veira, «que falha aos tra­ba­lha­dores para não fa­lhar aos lu­cros dos grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros».

 

Pre­ca­ri­e­dade e re­cibos verdes

Me­didas contra a praga

 

Atacar a fundo os falsos re­cibos verdes – essa «ver­da­deira praga so­cial», como lhe chamou Ber­nar­dino So­ares – cons­titui uma das pri­o­ri­dades da acção le­gis­la­tiva do PCP que, para o efeito, as­se­gurou já para o pró­ximo dia 4 no Par­la­mento o agen­da­mento de pro­postas suas sobre esta ma­téria.

En­ten­dendo que há di­reitos que não podem ser ne­gados às novas ge­ra­ções, a ban­cada co­mu­nista avança assim com me­didas e pro­postas que vão ao en­contro das as­pi­ra­ções dos jo­vens no que se re­fere ao acesso ao em­prego com di­reitos.

Tais pro­postas, no fun­da­mental, visam eli­minar a pos­si­bi­li­dade de os jo­vens tra­ba­lha­dores, pelo sim­ples facto de o serem, es­tarem su­jeitos obri­ga­to­ri­a­mente a vín­culos pre­cá­rios, im­pe­dindo, si­mul­ta­ne­a­mente, que cada vez mais jo­vens que ocupam postos de tra­balho per­ma­nente es­tejam su­jeitos a con­tratos a prazo, ao tra­balho tem­po­rário, ao falso re­cibo verde e às bolsas e es­tá­gios.

O PCP propõe assim, no que res­peita aos re­cibos verdes, de acordo com o que foi anun­ciado, a cri­mi­na­li­zação da sua uti­li­zação ilegal, con­si­de­rando-se crime a uti­li­zação desse re­gime de pres­tação de ser­viços na con­tra­tação para fun­ções que cor­res­pondam a ne­ces­si­dades per­ma­nentes. «Quem faz isso, não só ex­plora ile­gal­mente os tra­ba­lha­dores como burla a so­ci­e­dade e o Es­tado, porque não con­tribui como devia para a Se­gu­rança So­cial e para o fisco», su­bli­nhou Ber­nar­dino So­ares, para quem, por isso, «a ex­plo­ração e a burla tem de ser crime».

A re­con­versão dos re­cibos verdes em con­tratos efec­tivos, sem obri­ga­to­ri­e­dade de in­ter­venção ju­di­cial, cons­titui outra pro­posta de­fen­dida neste ca­pí­tulo pelo PCP, que ad­voga a con­versão dos re­cibos verdes em con­tratos de tra­balho após de­ter­mi­nado pe­ríodo, de­fen­dendo, por outro lado, que o ónus de de­mons­trar a le­ga­li­dade do re­cibo verde deve passar a re­cair sobre as en­ti­dades pa­tro­nais e não, como ac­tu­al­mente, sobre o tra­ba­lhador, a quem é exi­gido em Tri­bunal que prove que o seu re­cibo verde é falso.



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