Comentário

A política agrícola que faz falta

João Ferreira

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«Agricultura familiar e mundo rural – Soberania alimentar para Portugal»: mais uma iniciativa organizada no âmbito da campanha Portugal a produzir, que contou com a participação de mais de duas centenas de pessoas, agricultores e gente ligada ao meio rural.

Os testemunhos vivos que por ali passaram lembraram as consequências para a agricultura nacional da adesão de Portugal à CEE/UE; as consequências da PAC – a Política Agrícola Comum, do mercado único e das políticas de liberalização do comércio mundial. Duas décadas e meia de declínio, com a liquidação de milhares de explorações, brutal redução da superfície agrícola e de postos de trabalho, o desequilíbrio crescente da balança agro-alimentar, o aumento da dependência do País, o agravamento do défice da balança de pagamentos e o aumento da dívida externa.

Duas décadas e meia que, dia após dia, nos vêm afastando do que deveria ser o objectivo primordial de uma política agrícola: o de garantir o acesso da população a alimentos saudáveis, a preços estáveis e justos, num quadro de rendimentos justos e estáveis para os agricultores e através de práticas ambientalmente sustentáveis, ou seja, que garantam a boa conservação dos solos, dos recursos hídricos e da diversidade animal e vegetal.

São responsáveis por tudo isto os que ao longo destes anos por cá tiveram responsabilidades governativas – PS, PSD e CDS. São os mesmos que, no Conselho e no Parlamento Europeu, caucionaram sucessivas reformas da PAC, sucessivas machadadas na agricultura nacional. Também aqui, não há diferenças entre eles.

 

O futuro da PAC

 

Decorre actualmente a discussão sobre a próxima reforma da PAC. A Comissão Europeia apresentou três cenários alternativos possíveis para a reforma. Velha táctica… Os cenários, apresentados como distintos, não divergem no fundamental. Pretende-se assim condicionar a discussão a um estreito e pré-determinado leque de opções, que apontam sem excepção para um caminho de continuidade relativamente às reformas anteriores, ou seja: desmantelamento de instrumentos de intervenção e de regulação dos mercados (fundamentais para garantir preços justos aos produtores); aprofundamento da liberalização; sujeição da agricultura às regras da Organização Mundial do Comércio, submetendo-a aos interesses que a UE nela negoceia e defende.

É neste quadro, recusando o espartilho que a Comissão quer impor à discussão (com a cumplicidade de sociais-democratas, liberais e conservadores), que estamos a intervir no debate e a apresentar propostas para a profunda modificação da PAC que se impõe.

Um primeiro objectivo é o de garantir a cada país o direito à soberania e segurança alimentares, ou seja, o direito a organizar a produção, atendendo às suas características específicas – naturais, territoriais, económicas, sociais, culturais – tendo em vista a satisfação das necessidades da sua população, em quantidade e qualidade suficientes. Esta modificação deverá pois caminhar no sentido da regionalização da política agrícola, levando em linha de conta os interesses e especificidades dos diferentes sectores e regiões. Deverá incluir a modulação (discriminando positivamente as pequenas e médias explorações) e o plafonamento dos subsídios (impondo textos máximos aos pagamentos directos), como forma de ultrapassar os actuais desequilíbrios entre produtores, produções e países. Importa recordar que Portugal é dos países que menos dinheiro recebe, seja por unidade de superfície, por unidade de trabalho ou por exploração. Neste contexto, o crescimento da produção agro-alimentar nacional deverá ser colocado como um objectivo fulcral.

Exige-se uma agricultura planificada – de forma aberta, participada e democrática – que contrarie a anarquia da produção para o mercado e a subjugação às suas leis. É necessário reforçar os instrumentos de controlo da produção e de regulação dos mercados. Estes instrumentos devem estar no centro de uma futura PAC.

As quotas e os direitos de produção são absolutamente necessários, devendo ser ajustados a cada Estado-membro em função das suas necessidades alimentares e nível relativo de capacidade de produção instalada, de forma a permitir a evolução dos estados-membros mais deficitários.

Exige-se do Governo português que assuma nas negociações uma posição firme de defesa do interesse nacional, que olhe às carências, estrangulamentos e problemas com que se defronta a agricultura portuguesa. Que não deixe de ter em conta que a produção agrícola constitui uma variável estratégica para a independência nacional.



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