Nas ruas

Henrique Custódio

«Precários nos querem, rebeldes nos terão!», avisava um pano na gigantesca manifestação da «Juventude à rasca» que, no passado sábado, desaguou no Rossio, em Lisboa, uma concentração de 180 mil pessoas protestando contra o Governo e as políticas que multiplicam o desemprego e a precariedade sobretudo nos jovens, a que se somaram mais 80 mil manifestantes no Porto, seis mil em Faro e vários outros milhares em cidades tão espalhadas como Braga e Funchal, Coimbra e Ponta Delgada ou Leiria e Castelo Branco.

Primeira evidência: 300 mil pessoas a manifestar-se no País é um protesto ensurdecedor (número que a polícia – que depende do MAI – se escusou, sintomaticamente, a anunciar).

Segunda: uma manifestação desta envergadura, ainda por cima convocada por facebook em escassas semanas, confirma o descontentamento generalizado (e transversal) que grassa na sociedade portuguesa contra o Governo e a sua política de cortes brutais e generalizados sobre os trabalhadores, uma manifestação e um descontentamento perfeitamente em linha – e em decorrência lógica – com a grande manifestação de protesto nacional da CGTP-IN em 28 de Maio do ano passado (mais de 300 mil pessoas a desfilar na mesma Avenida da Liberdade) e a enorme greve geral que se lhe seguiu, em 24 de Novembro (mais de três milhões de trabalhadores em luta).

Ou seja: na evidência destes sucessivos, avassaladores e já tão diversificados protestos populares, está seriamente em causa tanto a política de sacrifícios imposta aos trabalhadores pelo Governo do PS/Sócrates, como a sua subserviência aos ditames da eurolândia da sra. Merkel.

Todavia – e como de costume –, José Sócrates fingiu ignorar os avisos sérios contidos nestas ocorrências e, em relação a esta última, de sábado passado, até fez saber, pela boca do diligente megafone Augusto Santos Silva, que o seu Governo «estava a implementar diversos programas» para satisfazer as necessidades da juventude.

Quanto ao próprio Sócrates, esse preferiu dar corpo e voz à sua mais recente manobra, que consistiu em se deslocar a Bruxelas, também no final da semana passada, para oferecer um repentino quarto «PEC» que, deliberadamente, não deu a conhecer a ninguém, desde o Presidente da República, à Assembleia da República e aos partidos da oposição.

Passos Coelho pegou na deixa e fez saber que o seu PSD não aprovaria este PEC-4, aproveitando para acusar o PS de «autoritário», «antidemocrático» e, até, «socialmente insensível». Seguiu-se uma frenética troca de mimos entre Coelho e Sócrates, que rapidamente desembocou em duas posições nítidas e curiosamente coincidentes: ambos querem eleições antecipadas, mas nenhum deseja o papel de «desencadeador» dessa crise. Por isso Passos Coelho insta Sócrates a demitir-se («se entendem que não têm condições para continuar, assumam-no, que o País e o PSD arranjarão solução!»), enquanto Sócrates desafia Passos Coelho a demiti-lo.

Falando ambos, e sempre, «em nome do interesse nacional», nenhum quer senão o interesse pessoal na conquista do poder.

Entretanto, também ambos continuam a ignorar os protestos que alastram pelas ruas. Esquecendo que o poder democrático, que tão altivamente invocam e reclamam, foi precisamente conquistado nas ruas...



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