Engels a August Bebel (em Berlim)

 

Lon­dres, 24 de Ja­neiro de 1893

[…] Estou de­se­joso de [ter] o es­te­no­grama do dis­curso sobre a Bolsa de Singer (1), foi ex­ce­lente de ler o que [saiu] no Vorwärts (2). Há, porém, quanto a este tema, um ponto que toda a gente fa­cil­mente ne­gli­gencia: a Bolsa é um ins­ti­tuto onde os bur­gueses [ex­ploram] não os ope­rá­rios, mas se ex­ploram uns aos ou­tros; a mais-valia que na Bolsa muda de mãos é já mais-valia dis­po­nível, pro­duto de uma [ex­plo­ração] de ope­rá­rios pas­sada. Só quando essa [ex­plo­ração] foi com­ple­tada, pode a [mais-valia] servir para a in­tru­jice na Bolsa. A Bolsa in­te­ressa-nos, antes do mais, apenas de um modo in­di­recto, tal como também a sua in­fluência, a sua re­tro­acção sobre a ex­plo­ração ca­pi­ta­lista de ope­rá­rios é uma [ex­plo­ração] apenas in­di­recta, que su­cede através de des­vios. Exigir que os ope­rá­rios se devam in­te­ressar di­rec­ta­mente pela, e in­dignar com, a es­fo­la­dura pela qual os Junker (3), [os] fa­bri­cantes (4) e [os] pe­quenos bur­gueses passam na Bolsa sig­ni­fica exigir que os ope­rá­rios devam pegar em armas para pro­teger aos seus pró­prios ex­plo­ra­dores di­rectos a posse da mais-valia ex­tor­quida àqueles mesmos ope­rá­rios. Muito obri­gado. Porém, en­quanto [o] mais nobre fruto da so­ci­e­dade de bur­gueses, en­quanto foco da cor­rupção mais ex­trema, en­quanto es­tufa dos es­cân­dalos do Pa­namá (5) e ou­tros [es­cân­dalos] – e, por con­se­guinte, também en­quanto [o] meio mais in­signe para a con­cen­tração dos ca­pi­tais, para a de­com­po­sição e dis­so­lução dos úl­timos restos de [uma] co­nexão es­pon­ta­ne­a­mente na­tural na so­ci­e­dade bur­guesa e, si­mul­ta­ne­a­mente, para o ani­qui­la­mento e para o re­vi­ra­mento no seu con­trário de todos os con­ceitos mo­rais de rigor –, en­quanto o mais in­com­pa­rável ele­mento de des­truição, en­quanto [o] ace­le­rador mais po­de­roso da re­vo­lução que está a ir­romper –, neste sen­tido his­tó­rico, a Bolsa também nos in­te­ressa di­rec­ta­mente. […]

 

Se­lecção: Fran­cisco Melo

Tra­dução: José Ba­rata-Moura

_________

(1) Paul Singer (1844-1911), mi­li­tante do mo­vi­mento ope­rário alemão; a partir de1887, membro da Di­recção do Par­tido So­cial-De­mo­crata da Ale­manha; a partir de 1890, pre­si­dente desta Di­recção; de­fensor do opor­tu­nismo e do re­vi­si­o­nismo.

(2) Vorwärts. Ber­liner Volks­blatt (Avante. Folha Po­pular de Berlim): diário so­cial-de­mo­crata alemão fun­dado em 1884; órgão cen­tral do Par­tido So­cial-De­mo­crata da Ale­manha desde 1891.

(3) La­ti­fun­diá­rios aris­to­cratas da an­tiga Prússia Ori­ental.

(4) Isto é: in­dus­triais fa­bris.

(5) O es­cân­dalo do Pa­namá, gi­gan­tesca tra­paça com cor­rupção de per­so­na­li­dades, de altos fun­ci­o­ná­rios e da im­prensa em França pela Com­pa­nhia Uni­versal do Canal In­te­ro­ceâ­nico de Pa­namá, fun­dada em 1879 em França, por ini­ci­a­tiva pelo en­ge­nheiro e homem de ne­gó­cios Fer­di­nand de Les­seps, com vista à aber­tura do istmo do Pa­namá. No final de 1888, a Com­pa­nhia faliu, ar­rui­nando nu­me­rosos pe­quenos ac­ci­o­nistas e pro­vo­cando múl­ti­plas ban­car­rotas. Mais tarde, em 1892, soube-se que para en­co­brir a sua ver­da­deira si­tu­ação fi­nan­ceira e os seus abusos, a Com­pa­nhia tinha re­cor­rido à cor­rupção e a luvas. An­tigos pre­si­dentes do Con­selho de Mi­nis­tros da França, no­me­a­da­mente Frey­cinet, Rou­vier, Flo­quet e ou­tras per­so­na­li­dades foram im­pli­cadas. O ne­gócio do Pa­namá foi aba­fado pela jus­tiça que se li­mitou a con­denar per­so­na­gens de se­gundo plano, e também Les­seps, que, con­tudo não chegou a ser preso, tendo a sen­tença aca­bado por ser anu­lada. A pa­lavra «Pa­namá» tornou-se si­nó­nimo de tra­paça.

Pu­bli­cado se­gundo o texto das Marx-En­gels Werke [Obras de Marx/​En­gels], Dietz Verlag, Berlin, vol. 39, pp. 13-14. Tra­du­zido do alemão.



Mais artigos de: Argumentos

Os brevíssimos minutos

Foi, no passado dia 21, o Dia Mundial da Floresta, talvez por arrastamento o Dia da Árvore, o Dia Mundial da Poesia e porventura o Dia de mais coisas importantes que merecem a consagração de pelo menos um dia em cada ano, um pouco como a limpeza das almas decorrente da desobriga anual recomendada...

A dura luta de classes

Quem ler ou ouvir as notícias do dia ficará certamente seguro de que a vida em Portugal está a entrar em fase de agudíssima conflitualidade política e social. Agora, tudo se precipita, de roldão. Aos pobres, o poder capitalista exige cada vez mais sacrifícios, com o...

«Subalternos»

«O CDS não é subalterno de ninguém!», proclamava Paulo Portas do alto do seu congresso, que no passado fim-de-semana lhe confirmou, em Viseu, a «liderança incontestada». O recado era para o PSD, a quem também fez saber que o partido de Passos Coelho «teria...