A crise não toca a todos

Três fortunas à portuguesa

Anselmo Dias

São 6380 mi­lhões de euros, o equi­va­lente a quase 3,6% do pro­duto in­terno bruto na­ci­onal.
Esta é a soma das for­tunas dos três ho­mens mais ricos de Por­tugal, que cres­ceram 1,4 mil mi­lhões em 2010, apesar da crise.
A Amé­rico Amorim e a Bel­miro de Aze­vedo juntou-se Ale­xandre So­ares dos Santos na lista dos mul­ti­mi­li­o­ná­rios da Forbes.

A for­tuna acu­mu­lada de Amé­rico Amorim, Bel­miro de Aze­vedo e Ale­xandre So­ares dos Santos su­pera o ren­di­mento anual de cerca de três mi­lhões de por­tu­gueses

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Este texto, re­pro­dução de um ar­tigo do Diário de No­tí­cias de 11 de Março do cor­rente ano, tem por base um es­tudo de uma re­vista in­ter­na­ci­onal que, anu­al­mente, avalia as mai­ores for­tunas a nível mun­dial.

Por esse es­tudo fi­cámos a saber que aquelas for­tunas são as se­guintes:

- A Amé­rico Amorim cabem 3660 mi­lhões de euros;

- A Ale­xandre So­ares dos Santos cabem 1650 mi­lhões de euros;

- A Bel­miro de Aze­vedo cabem 1070 mi­lhões de euros.

Es­tamos a falar de for­tunas com dez al­ga­rismos, facto que torna muito di­fícil a sua quan­ti­fi­cação por parte da ge­ne­ra­li­dade dos por­tu­gueses na me­dida em que a sua es­cala de va­lores, tendo em atenção os sa­lá­rios mé­dios, está ba­li­zada entre o sa­lário mí­nimo na­ci­onal e os mil euros.

Im­porta, pois, tra­duzir por miúdos aquelas for­tunas com vista à com­pre­ensão da sua di­mensão.

Para o efeito, con­fron­támos os ren­di­mentos, em 2009, dos 4 660 098 agre­gados fa­mi­li­ares que  de­cla­raram, em sede de IRS, os seus pro­veitos às fi­nanças.

Pois bem, tendo por base essa in­for­mação ofi­cial con­cluímos o se­guinte:

- A for­tuna acu­mu­lada de Amé­rico Amorim cor­res­ponde ao ren­di­mento anual do total da po­pu­lação das Re­giões Au­tó­nomas dos Açores e da Ma­deira.

Do que é que es­tamos a falar?

Es­tamos a falar que um homem só tem uma for­tuna acu­mu­lada pra­ti­ca­mente igual ao ren­di­mento dos 101 399 agre­gados fa­mi­li­ares dos Açores e aos 109 696 agre­gados fa­mi­li­ares da Ma­deira, cujos ren­di­mentos, em 2009, foram, res­pec­ti­va­mente, de 1 796 729 550 euros e 1 950 810 960 euros.

Es­tamos a falar de uma for­tuna acu­mu­lada equi­va­lente ao ren­di­mento de­cla­rado em sede de IRS de duas Re­giões onde, em 31/​12/​2009, re­si­diam 492 773 ha­bi­tantes.

Es­tamos a falar do homem mais rico em Por­tugal, o mesmo que, há vá­rios anos, foi acu­sado de fal­si­fi­cação de do­cu­mentos, fraude e desvio de di­nheiros do Fundo So­cial Eu­ropeu.

Es­tamos a falar de um homem a quem a União Eu­ro­peia exigiu uma in­dem­ni­zação de 77 mil contos e juros a contar de 1987, com base na uti­li­zação frau­du­lenta de meio mi­lhão de contos (cerca de dois mi­lhões e meio de euros a va­lores cor­rentes) para a for­mação pro­fis­si­onal entre 1985 e 1988.

Tais crimes foram de­cla­rados pres­critos pelo Tri­bunal da Re­lação do Porto, pas­sados que foram onze anos sobre o início do pro­cesso e nove anos desde a pri­meira acu­sação do Mi­nis­tério Pú­blico, facto que levou um ar­ti­cu­lista do jornal Pú­blico a co­mentar, em 30/​9/​2000, que «...o pro­cesso acaba por ser o es­pelho fiel do ema­ra­nhado de trâ­mites e de­ci­sões em que se en­redam os nossos tri­bu­nais, que tem criado a sen­sação que os ricos e po­de­rosos passam ao lado do es­cru­tínio da Jus­tiça».

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Prá­ticas de fazer in­veja a Al Ca­pone

 

Se à for­tuna de Amé­rico Amorim so­marmos as for­tunas de Ale­xandre So­ares dos Santos e Bel­miro de Aze­vedo, glo­bal­mente ava­li­adas em 6380 mi­lhões de euros, então a con­clusão é a se­guinte:

- Aquelas for­tunas su­peram os ren­di­mentos anuais de 1 339 822 agre­gados fa­mi­li­ares com ren­di­mentos anuais in­fe­ri­ores a 7500 euros.

Tendo em atenção que a di­mensão média de cada agre­gado fa­mi­liar cor­res­ponde a 2,28 pes­soas, então a con­clusão, é a se­guinte:

A for­tuna acu­mu­lada da­queles três mul­ti­mi­li­o­ná­rios su­pera o ren­di­mento anual de cerca de três mi­lhões de por­tu­gueses.

Quando se fala em di­fe­renças so­ciais esta é, se­gu­ra­mente, uma das mais ex­pres­sivas.

Com efeito, tendo por base os dados que nos foram for­ne­cidos pelo Mi­nis­tério das Fi­nanças aquele cál­culo é sus­ten­tado no se­guinte:

- No con­ti­nente, em 2009, havia 1 277 322 agre­gados fa­mi­li­ares com ren­di­mentos anuais in­fe­ri­ores a 7500 euros, ca­bendo aos mesmos um ren­di­mento global de 5935 mi­lhões de euros;

- Nos Açores, em 2009, havia 31 350 agre­gados fa­mi­li­ares com ren­di­mentos in­fe­ri­ores a 7500 euros, ca­bendo aos mesmos um ren­di­mento global de cerca de 136 mi­lhões de euros;

- Na Ma­deira, em 2009, havia 31 150 agre­gados fa­mi­li­ares com ren­di­mentos in­fe­ri­ores a 7500 euros, ca­bendo aos mesmos um ren­di­mento global de cerca de 138 mi­lhões de euros.

Este re­trato es­ta­tís­tico, à re­velia do nor­ma­tivo Cons­ti­tu­ci­onal, es­pelha bem as as­si­me­trias so­ciais exis­tentes num país cujas ins­ti­tui­ções foram to­madas de as­salto pelos grandes grupos eco­nó­micos que, à ex­torsão da mais-valia no de­curso do pro­cesso eco­nó­mico, acres­centam as mal­fei­to­rias exem­pli­fi­cadas nos casos BPN, BPP, BCP, nos pro­cessos «Fu­racão», «Por­tu­cale», «Ca­sino de Lisboa», «Sub­ma­rinos», «Edi­fí­cios dos CTT», «Face Oculta», «Fre­e­port», nas prá­ticas li­gadas às fac­turas falsas en­vol­vendo im­por­tantes em­presas da cons­trução civil e obras pú­blicas, entre muitos ou­tros casos.

Nesses ou­tros in­cluímos o se­guinte:

«O Tri­bunal Cen­tral Ad­mi­nis­tra­tivo Sul con­si­derou que um con­junto de em­prés­timos re­a­li­zados entre em­presas do grupo ti­veram um único fito – trans­formar juros tri­bu­tá­veis em 65 mi­lhões de euros de di­vi­dendos isentos de im­posto, con­tri­buindo para 113,3 mi­lhões de pre­juízos fis­cais».

O que é isto?

Isto de­corre de um pro­cesso en­vol­vendo o Grupo Je­ró­nimo Mar­tins, o qual, pelo cru­za­mento de vá­rias ope­ra­ções entre em­presas do mesmo grupo, pre­tendia fugir ao fisco por via da «re­dução sig­ni­fi­ca­tiva da base co­lec­tável a tri­butar».

Es­tamos a falar do abuso fiscal de um grupo eco­nó­mico cujo ac­ci­o­nista de re­fe­rência é o se­gundo homem mais rico de Por­tugal, o se­nhor Ale­xandre So­ares dos Santos, em­pre­sário co­nhe­cido, não só pelo exu­be­rante pa­la­vreado em nome da ética e das boas prá­ticas em­pre­sa­riais, como pela en­ter­ne­ce­dora acção fi­lan­tró­pica, aliás no se­gui­mento de ge­ne­rosos ban­queiros que me­teram a mão na massa.

Jun­temos a esta prá­tica a es­pe­cu­lação bol­sista, a eco­nomia de ca­sino, o ga­manço, a for­mação de preços e a ex­torsão da mais-valia e en­con­tra­remos neste sex­teto, a fazer in­veja a Al Ca­pone, a ex­pli­cação da con­cen­tração ca­pi­ta­lista entre nós, a qual, não obs­tante a sua di­mensão, não é, em termos fis­cais, mi­ni­ma­mente be­lis­cada numa al­tura em que são im­postas me­didas dra­co­ni­anas aos tra­ba­lha­dores, aos re­for­mados e aos be­ne­fi­ciá­rios das fun­ções so­ciais do Es­tado.

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Fontes:

- Mi­nis­tério das Fi­nanças, em res­posta ao Re­que­ri­mento 149/​XI/​2ª do GP do PCP;

- Diário de No­tí­cias, de 11/​2/​2011;

- Pú­blico, de 16/​2/​2011.



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