Disparemos as armas do nosso arsenal …

Jorge Messias

«A Moral tem sido sempre uma moral de classe… e vemos que na so­ci­e­dade bur­guesa ac­tual os ho­mens vivem do­mi­nados pela ética das con­di­ções eco­nó­micas por eles pró­prios cri­adas. Isto é a base efec­tiva da re­li­gião que não pode, en­tre­tanto, im­pedir as crises, nem sal­va­guardar cada ca­pi­ta­lista das perdas, das dí­vidas e da ban­car­rota, nem imu­nizar os ope­rá­rios das con­sequên­cias da pa­ra­li­sação do tra­balho e da mi­séria... Para isso é pre­ciso, antes de tudo, uma Re­vo­lução So­cial!» – Marx, En­gels, «Anti-Duh­ring».

 

O go­verno por­tu­guês de Só­crates (ou, mais exac­ta­mente, um ca­ri­cato agru­pa­mento servil) acaba de anun­ciar que, contra os ventos e marés da clara von­tade po­pular, de­cidiu es­tender a mão à ca­ri­dade dos ban­queiros mun­diais. Ne­nhum por­tu­guês pa­rece ter fi­cado sur­pre­en­dido. Tal como seria de es­perar, ter­minou em farsa a en­ce­nação da nova versão do or­gu­lho­sa­mente sós re­pes­cada da pro­pa­ganda fas­cista. A ver­dade veio à tona de água.

O drama que a partir de aqui se vai de­sen­rolar nos palcos na­ci­o­nais é o da mi­séria e do so­fri­mento de mi­lhões de seres hu­manos. Pedir bi­liões em­pres­tados é fácil. Nada custa a quem pede. E, também, que di­fi­cul­dade moral po­derá ter qual­quer grande se­nhor de ne­gó­cios ao calcar aos pés os vermes e os pa­ra­sitas que para ele são os tra­ba­lha­dores? Ab­so­lu­ta­mente ne­nhuma! – es­car­necem os pa­trões…

Isto, porém, com uma re­serva que re­li­gi­o­sa­mente deve ser res­pei­tada pelo Es­tado, pelo pa­tro­nato e pela Igreja, até ao pró­ximo dia 6 de Junho, quando forem di­vul­gados os re­sul­tados ofi­ciais das elei­ções. Até lá po­lí­ticos, sa­cer­dotes e tec­no­cratas apenas abor­darão em termos ge­rais as causas e con­sequên­cias da crise, bem como os efeitos pre­vi­sí­veis das me­didas a impor. Dirão, por exemplo, que as crises não são só de agora, que a crise não é só nossa, que os cul­pados da crise somos todos nós, etc. E terão o bom gosto de não virem con­fessar, preto no branco, que é pre­ciso es­ticar a corda ainda mais à di­reita, tratar a de­mo­cracia e a Cons­ti­tuição como peças de museu e en­tregar todo o poder a um go­verno cada vez mais au­to­ri­tário e om­ni­po­tente.

Ir­re­sis­ti­vel­mente, a me­mória fala-nos de ou­tros tempos. Porque, se tudo correr bem na óp­tica da di­reita, outro galo can­tará de­pois do dia 6. Os ban­queiros «ajus­tarão» contas com o povo. Os pa­trões «cor­ri­girão» bru­tal­mente os ex­cessos pro­le­tá­rios da le­gis­lação la­boral e as dis­si­pa­ções ir­re­a­listas das ta­belas sa­la­riais. O Es­tado con­ti­nuará a al­bergar la­drões e a roubar di­nheiro aos po­bres e aos ve­lhos, bem como o fu­turo às novas ge­ra­ções. Fi­nal­mente, as hi­e­rar­quias re­li­gi­osas e a sua in­vi­sível «teia de ocu­pação» verão as suas redes enor­me­mente am­pli­adas, quer em termos fi­nan­ceiros, quer no âm­bito da sua es­fera de poder ofi­cial. Os ser­viços so­ciais do Es­tado cair-lhes-ão nas mãos. As ins­ti­tui­ções sem fins lu­cra­tivos con­quis­tarão os mer­cados. Im­por­tan­tís­simas verbas or­ça­men­tais tran­si­tarão da gestão do Es­tado para o con­trolo da Igreja. O púl­pito, uma ver­da­deira «bolsa da pa­lavra», re­to­mará a sua an­te­rior he­ge­monia e con­ceitos como so­li­da­ri­e­dade e glo­ba­li­zação ca­pi­ta­lista da so­li­da­ri­e­dade, co­mu­ni­dade e al­deia global, ca­ri­dade fi­lan­tró­pica, de­sen­vol­vi­mento, jus­tiça so­cial, etc., re­gres­sarão à con­dição an­tiga de atri­butos de Deus e da Igreja, o que não é «pouco, muito pouco ou nada». É tudo, em termos de he­ge­monia cul­tural.

Seria o fim da es­trada, se o povo por­tu­guês cru­zasse os braços. Mas, de cer­teza, que assim não será! …

 

Gi­nás­tica verbal não re­solve tra­gé­dias

 

Em sen­tido fi­gu­rado, é tempo de «car­re­garmos as armas do nosso ar­senal». Basta de con­versa e boa edu­cação. De­nun­ci­emos os ban­didos onde quer que eles se acoitem. Quer es­tejam no «ninho das águias», na «ca­verna dos la­drões» ou na «arca da Ali­ança».

Estão em Lisboa os «olhos e ou­vidos do rei», Sua Ma­jes­tade o Ca­pi­ta­lismo. Vêm fingir que con­trolam os seus re­ge­dores lo­cais e que são ca­pazes de di­a­logar. Pura farsa. O que já de­ci­diram está de­ci­dido. Ao povo, àqueles que «nada têm a perder a não ser as suas al­gemas» é que cumpre fazer ouvir a sua voz.

Ao povo ca­tó­lico por­tu­guês im­porta en­viar-se exac­ta­mente a mesma men­sagem mas cir­cuns­crita ao go­verno da Igreja onde, por pleno di­reito, os ca­tó­licos se si­tuam. Toda a es­tru­tura ecle­siás­tica mun­dial está com­pro­me­tida nos es­quemas de ex­plo­ração ca­pi­ta­listas. É pre­ciso romper esse cir­cuito in­fernal. Im­porta falar-se claro e com sim­pli­ci­dade, re­cu­sando se­cu­lares «pa­leios de sa­cristia».

É im­pres­cin­dível lutar!



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