O frenesim

Henrique Custódio

As te­le­vi­sões – todas as te­le­vi­sões – andam num mesmo fre­nesim: não perdem pi­tada das an­danças da «troika do res­gate» pelo seu novo pro­tec­to­rado – o nosso País e nós pró­prios –, che­gando ao des­pau­tério de en­vi­arem equipas de re­por­tagem às portas do Mi­nis­tério das Fi­nanças para, em di­recto, in­for­marem Por­tugal e o mundo de que, «lá dentro», se en­con­tram a dita «troika» e o inol­vi­dável mi­nistro das Fi­nanças co­me­tendo... uma reu­nião.

Este des­velo no­ti­cioso para com os ex­pe­di­ci­o­ná­rios do FMI/​BCE/​UE não se es­gota aqui, nem neste apa­rente ataque agudo de pa­ro­lice: esta gente, que julga cons­truir a re­a­li­dade com as no­tí­cias que produz, nem quando se arma em pa­rola o faz por acaso e, muito menos, de graça.

Daí que esta pa­ro­lice com os «amigos do FMI» se pro­longue e ar­ti­cule em pa­ro­lices con­gé­neres, agora de­di­cadas aos «amigos do arco do poder».

Por isso também temos as­sis­tido nos úl­timos dias a ou­tros ina­cre­di­tá­veis «di­rectos» aos en­con­tros in­ternos (e por isso fe­chados à co­mu­ni­cação so­cial) do PS e do PSD, para a es­colha dos res­pec­tivos can­di­datos e listas às pró­ximas elei­ções. O ri­dí­culo da si­tu­ação até se es­pe­lhava nos re­pór­teres, ao va­gue­arem pe­no­sa­mente nas ca­fe­ta­rias dos bas­ti­dores em busca de um pingo de no­tícia que, ao menos, lhes jus­ti­fi­casse o «di­recto» e a tra­ba­lheira.

Esta in­só­lita pa­ro­lice também não surge por acaso e está em afi­nada sin­tonia com a pa­ro­lice an­te­rior, a de­di­cada aos «amigos do FMI».

Com ambas, os man­dantes nas te­le­vi­sões pro­curam ins­tilar no País duas ideias.

Uma, que os únicos pro­ta­go­nistas nesta «crise na­ci­onal» são os «amigos do FMI/​BCE/​UE» e os «par­tidos do arco do poder».

Outra – e de­cor­rente da an­te­rior –, que o País e o seu povo têm de aceitar, como ine­vi­tá­veis, os sa­cri­fí­cios que os pri­meiros querem impor e os se­gundos se sa­ra­co­teiam, ex­ci­ta­dís­simos, para con­cre­tizar, a partir de uma vi­tória nas pró­ximas elei­ções.

A con­firmar esta tese temos a ati­tude das mesmas te­le­vi­sões, e no mesmo pe­ríodo, para com ini­ci­a­tivas do PCP, no­me­a­da­mente o En­contro Na­ci­onal sobre as pró­ximas elei­ções, re­a­li­zado no pas­sado do­mingo.

Aí, onde houve de­nún­cias ob­jec­tivas do con­luio entre os «par­tidos do arco do poder» e a «troika do res­gate» para ajoujar o País sob uma canga de sa­cri­fí­cios e de perda de di­reitos, nem um único «di­recto» te­le­vi­sivo as­somou. Aí, onde foram apre­sen­tadas pro­postas con­cretas para ul­tra­passar a crise sem ceder aos di­tames do FMI/​BCE/​UE, nem um apon­ta­mento de re­por­tagem des­pontou. O má­ximo que mos­traram nos te­le­jor­nais foi uns es­cassos se­gundos da in­ter­venção final de Je­ró­nimo de Sousa, acres­cen­tado de um «di­recto» nos ca­nais por cabo, no dia se­guinte, co­brindo a de­cla­ração do Se­cre­tário-geral do Par­tido sobre a re­cusa do PCP em se reunir com a «troika» e, com isso, le­gi­timar a sua in­ge­rência.

Com isto, as te­le­vi­sões pre­ten­deram ter cum­prido o «dever in­for­ma­tivo» e evi­den­ciado a «ine­vi­ta­bi­li­dade» dos sa­cri­fí­cios que aí vêm.

Es­quecem que ig­norar tais pro­testos, e tal dis­cor­dância, nunca os anu­lará – só os am­plia... como hão-de ver. É só uma questão de tempo.



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