A pedra angular

Luís Carapinha

Pe­rigos da guerra pesam como es­pada de Dâ­mo­cles sobre a ca­pa­ci­dade de so­bre­vi­vência da Hu­ma­ni­dade

Atente-se na ac­tu­a­li­dade subs­tan­cial destas li­nhas es­critas por Lé­nine há 90 anos: «A questão das guerras im­pe­ri­a­listas, da po­lí­tica in­ter­na­ci­onal do ca­pital fi­nan­ceiro, po­lí­tica que hoje do­mina em todo o mundo e que gera ine­vi­ta­vel­mente novas guerras im­pe­ri­a­listas (…), uma in­ten­si­dade sem pre­ce­dentes do jugo na­ci­onal, da pi­lhagem, da ex­plo­ração, do es­tran­gu­la­mento de pe­quenas na­ci­o­na­li­dades, fracas e atra­sadas, por um pu­nhado de po­tên­cias “avan­çadas”, é uma questão que desde 1914 se tornou a pedra an­gular de toda a po­lí­tica de todos os países do globo ter­restre.» (Para o quarto ani­ver­sário da re­vo­lução de Ou­tubro, 14 de Ou­tubro de 1921)

Hoje como então e, muito par­ti­cu­lar­mente, na se­mana em que se as­si­nalam os 66 anos da imor­re­doura gesta da União So­vié­tica, de­ter­mi­nante para a der­rota do nazi-fas­cismo, trata-se de saber, no­va­mente, quantos mi­lhões mais irão pe­recer e ficar mu­ti­lados nas guerras im­pe­ri­a­listas que se pre­param «di­ante dos nossos olhos». E, ao mesmo tempo, também, muito mais do que isso. Na era nu­clear e das mais apu­radas tec­no­lo­gias da morte os pe­rigos da guerra pesam como es­pada de Dâ­mo­cles sobre a pró­pria ca­pa­ci­dade de so­bre­vi­vência da Hu­ma­ni­dade.

 

O rei­te­rado foco im­pe­ri­a­lista nas guerras e in­ter­ven­ções desde as costas afri­canas ao Médio Ori­ente e desta re­gião no­dular aos con­fins asiá­ticos não podem fazer es­quecer as li­nhas de ac­tu­ação es­tra­té­gica e as ame­aças do grande ca­pital (fi­nan­ceiro, hoje mais do que nunca) nou­tras áreas do globo. Como é o caso do con­ti­nente la­tino-ame­ri­cano, palco nos anos re­centes de uma di­nâ­mica con­ti­nental de­ter­mi­nada pela emer­gência de di­fe­ren­ci­ados mas re­le­vantes pro­cessos de afir­mação so­be­rana, trans­for­mação pro­gres­sista e de en­sejo re­vo­lu­ci­o­nário.

 

Não é sem razão que vá­rios dos seus pro­ta­go­nistas usam o termo de «mu­dança his­tó­rica» para ca­rac­te­rizar os acon­te­ci­mentos trans­cen­dentes que têm mar­cado o re­levo po­lí­tico e so­cial do outro lado do Atlân­tico ao longo de mais de uma dé­cada e que no plano geral en­con­tram ex­pressão nas di­fe­rentes di­nâ­micas de co­o­pe­ração e in­te­gração, casos da ALBA e da UNASUR, cul­mi­nando na cons­ti­tuição da CELAC – Co­mu­ni­dade de Es­tados La­tino-Ame­ri­canos e das Ca­raíbas. Sim­bo­li­ca­mente, a fun­dação da or­ga­ni­zação que junta todos os es­tados do con­ti­nente ame­ri­cano à ex­cepção dos EUA e Ca­nadá, está apon­tada para a Ci­meira de Ca­racas de 5 de Julho pró­ximo, data de ce­le­bração dos 200 anos da con­quista da in­de­pen­dência da coroa es­pa­nhola.

O novo edi­fício ins­ti­tu­ci­onal la­tino-ame­ri­cano em cons­trução é, antes de mais, o re­sul­tado da re­sis­tência anti-im­pe­ri­a­lista e re­vo­lu­ci­o­nária que en­contra ex­po­ente má­ximo no exemplo da re­vo­lução cu­bana, dos múl­ti­plos pro­cessos de luta ao longo de dé­cadas e das trans­for­ma­ções po­lí­ticas, so­ciais e eco­nó­micas que hoje sulcam o seu ca­minho e en­saiam novas vias e me­ca­nismos de co­o­pe­ração e ar­ti­cu­lação.

 

O di­fícil e não rec­ti­líneo per­curso da con­so­li­dação da opção so­ci­a­lista em Cuba, assim como o apro­fun­da­mento dos ou­tros pro­cessos de eman­ci­pação e trans­for­mação mais re­le­vantes, e que com en­ten­di­mentos pró­prios co­locam o ho­ri­zonte do ob­jec­tivo do so­ci­a­lismo, como a Ve­ne­zuela, a Bo­lívia e o Equador; o for­ta­le­ci­mento dos rumos so­be­ranos e pro­gres­sistas que têm vindo a ser tri­lhados no Brasil e em vá­rios países centro e sul-ame­ri­canos são fac­tores crí­ticos para os des­tinos da mu­dança la­tino-ame­ri­cana, não des­li­gá­veis do con­texto de um mundo em pro­funda re­con­fi­gu­ração e re­ar­ru­mação de forças.

Tal não pres­supõe o des­co­nhe­ci­mento ou des­va­lo­ri­zação da sua com­ple­xi­dade e con­tra­di­ções in­ternas e, até, os di­lemas hoje en­fren­tados pelas novas ex­pe­ri­ên­cias de poder no con­ti­nente ame­ri­cano. Com a pers­pec­tiva de que o seu des­tino es­tará pen­dente da ca­pa­ci­dade com­bi­nada em de­sarmar a contra-ofen­siva im­pe­ri­a­lista e pros­se­guir a acu­mu­lação de forças com vista à con­cre­ti­zação e con­so­li­dação de pro­fundas trans­for­ma­ções, indo ao en­contro dos an­seios e in­te­resses das am­plas massas po­pu­lares e tra­ba­lha­dores.



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