Comentário

As crises e a União Europeia

Ilda Figueiredo

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Es­tamos em vés­peras de mais um Con­selho Eu­ropeu, o úl­timo du­rante a Pre­si­dência que a Hun­gria as­sumiu, nessa par­tilha com um pre­si­dente criado pelo tra­tado de Lisboa, mas de que ra­ra­mente se ouve falar. Quem co­nhece o belga Van Rumpoy, além dos pró­prios belgas? Cada vez mais, quem fala em nome da União Eu­ro­peia é An­gela Merkel, a chan­celer da Ale­manha, seja porque os jor­na­listas já não re­co­nhecem outro líder de facto, seja porque os lí­deres ins­ti­tu­ci­o­nais (Pre­si­dente do Con­selho e Pre­si­dente da Co­missão Eu­ro­peia) não se as­sumem como tal, re­ve­lando a sua fra­queza e, cer­ta­mente, o re­ceio de per­derem o lugar por, even­tu­al­mente, de­sa­gra­darem à se­nhora Merkel e aos grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros que re­pre­senta.

Este é um se­mestre que não deixa sau­dades. Em di­fe­rentes países vi­veram-se crises po­lí­ticas sé­rias. E são crises que per­sistem. Mesmo que pa­reçam ador­me­cidas, nal­guns casos apenas se ar­rastam sem fim à vista e, nou­tros, tra­ba­lha­dores e po­pu­la­ções pros­se­guem em lutas que são pouco di­vul­gadas. Só as ins­ti­tui­ções eu­ro­peias pa­recem con­ti­nuar cegas e surdas pe­rante o agra­va­mento de si­tu­a­ções que já não se curam com os pa­li­a­tivos do cos­tume. Mais cedo do que tarde, impõe-se ir ao fundo das ques­tões, ana­lisar as suas causas mais pro­fundas e al­terar as po­lí­ticas que lhe estão na origem.

En­quanto os res­pon­sá­veis eu­ro­peus não re­co­nhe­cerem que as suas po­lí­ticas são a causa fun­da­mental das crises que per­sistem, vamos as­sistir a uma de­gra­dação da si­tu­ação eco­nó­mica, so­cial e po­lí­tica, a qual, ine­vi­ta­vel­mente, há-de pro­vocar mais ten­sões so­ciais e novos con­flitos de con­sequên­cias im­pre­vi­sí­veis.

En­quanto Con­selho, Co­missão e a mai­oria do Par­la­mento Eu­ropeu não re­co­nhe­cerem que a cri­ação da moeda única, à imagem do marco alemão, as­sentou em pres­su­postos er­rados, que apenas ser­viram in­te­resses de grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros fortes, in­cluindo as suas apostas no co­mércio in­ter­na­ci­onal, so­bre­tudo de ale­mães e fran­ceses, estão a con­tri­buir para o agra­va­mento das de­si­gual­dades so­ciais, dos de­se­qui­lí­brios eco­nó­micos e fi­nan­ceiros, por se re­cu­saram a su­portar o outro lado da moeda de uma in­te­gração mo­ne­tária de eco­no­mias com graus de de­sen­vol­vi­mento tão di­fe­rentes, que só é pos­sível im­pedir que os mais fortes des­truam os mais fracos, se houver grande so­li­da­ri­e­dade, com trans­fe­rên­cias de meios fi­nan­ceiros para apoiar um mais rá­pido de­sen­vol­vi­mento dos Es­tados mais frá­geis.

Só que, como sa­bemos, não foi isso que se passou. Quando a crise do ca­pi­ta­lismo in­ter­na­ci­onal se in­ten­si­ficou, na Zona Euro já cres­ciam as di­ver­gên­cias eco­nó­micas e as de­si­gual­dades so­ciais, in­ten­si­fi­cadas por po­lí­ticas co­mu­ni­tá­rias cada vez mais ne­o­li­be­rais, in­cluindo as po­lí­ticas co­muns para a agri­cul­tura, as pescas e o co­mércio ex­terno, fa­vo­rá­veis à es­pe­cu­lação fi­nan­ceira e aos lu­cros cres­centes e es­can­da­losos dos seus grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros, mas sem os ne­ces­sá­rios in­cen­tivos à pro­dução, so­bre­tudo nos países mais de­pen­dentes, onde, em geral, os seus go­ver­nantes se es­que­ceram dos povos que os ele­geram, pre­o­cu­pando-se apenas em ficar bem na fo­to­grafia com os lí­deres das po­tên­cias do­mi­nantes, de que Por­tugal é triste exemplo.

Pe­rante os pro­blemas que foram sur­gindo, os res­pon­sá­veis da União Eu­ro­peia dei­xaram que a des­re­gu­la­men­tação fi­nan­ceira con­ti­nu­asse, que as agên­cias de no­tação de cré­dito pros­se­guissem no seu ataque às dí­vidas so­be­ranas de países de eco­no­mias mais frá­geis, apesar da falta de cre­di­bi­li­dade de agên­cias que não pre­viram as fa­lên­cias de gi­gantes fi­nan­ceiros ame­ri­canos e eu­ro­peus. Mas con­ti­nuam a servir in­te­resses dos grupos fi­nan­ceiros eu­ro­peus e ame­ri­canos, que mul­ti­plicam ga­nhos es­pe­cu­la­tivos à custa do au­tên­tico roubo ins­ti­tu­ci­o­na­li­zado que pros­segue na Grécia, em Por­tugal e na Ir­landa, ame­a­çando cada vez mais ou­tros países, como Es­panha, Itália e Bél­gica.

E somam-se as de­zenas de mi­lhares de mi­lhões que FMI e BCE en­volvem na ope­ração para re­co­lherem ou­tros mi­lhares de mi­lhões su­gados aos tra­ba­lha­dores e aos povos, onde o cres­ci­mento do de­sem­prego se torna o exér­cito de re­serva para o tra­balho pre­cário e mal pago, para jus­ti­ficar o au­mento da ex­plo­ração por toda a Eu­ropa, in­cluindo dos emi­grantes por­tu­gueses, como pude cons­tatar também na Suíça, no pas­sado fim-de-se­mana, na Festa do PCP, em que ali par­ti­cipei, or­ga­ni­zada pelos emi­grantes co­mu­nistas por­tu­gueses.

Mais do que nunca, é es­sen­cial o re­forço e a mo­bi­li­zação da luta dos tra­ba­lha­dores e dos povos para a rup­tura e a mu­dança po­lí­tica que se impõe com a maior ur­gência.



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