Revelações

Henrique Custódio

O XIX Go­verno cons­ti­tu­ci­onal de Passos Co­elho es­treou-se com o in­cum­pri­mento de uma pro­messa e duas de­ci­sões algo re­ve­la­doras.

A pro­messa con­sistiu em dar à posse um Exe­cu­tivo com 36 se­cre­tá­rios de Es­tado, contra os 20 e poucos ga­ran­tidos em cam­panha elei­toral, o que re­vela al­guma agi­li­dade a saltar das pro­messas em an­da­mento, tra­zendo-nos à me­mória os go­vernos an­te­ri­ores de José Só­crates.

As de­ci­sões che­garam de car­rei­rinha e também elu­ci­da­tivas.

A pri­meira, a de pôr todo o Go­verno a «vi­ajar em tu­rís­tica» sempre que al­guém se des­locar de avião para a Eu­ropa - no­vi­dade que Passos Co­elho pro­ta­go­nizou numa vi­agem inau­gural a Bru­xelas – pre­tendeu, se­gundo o pró­prio, dar um sinal «dis­creto» ao País sobre o em­penho deste Go­verno «em poupar», cum­prindo ainda «uma pro­messa elei­toral».

Não des­fa­zendo na opor­tu­ni­dade de mo­ra­lizar, pelo exemplo, os des­pe­sismos go­ver­na­men­tais, há que convir que este ori­ginal sis­tema de dar si­nais «dis­cretos» ao País em di­recto nas te­le­vi­sões pode poupar uns co­bres nos bi­lhetes de avião, mas acaba por es­banjar a cre­di­bi­li­dade im­pu­tável a qual­quer go­verno em início de fun­ções: con­ve­nhamos que im­pingir a tese da «pou­pança go­ver­na­mental» através de umas vi­a­gens em tu­rís­tica é um bo­ca­dito for­çado. Já agora, por que se fica a pou­pança pelos bi­lhetes de avião? Passos Co­elho pode con­tinuá-la, ins­ta­lando os seus mi­nis­tros em ho­téis menos dis­pen­di­osos ou ser­vindo-os em res­tau­rantes mais em conta...

A se­gunda de­cisão é um pouco mais séria: ale­gando sempre estar a cum­prir «pro­messas elei­to­rais», o Exe­cu­tivo de Passos Co­elho exo­nerou todos os go­ver­na­dores civis e en­tregou as res­pec­tivas com­pe­tên­cias aos se­cre­tá­rios do go­verno civil.

Acon­tece que os go­ver­na­dores civis não podem ser «ex­tintos» a não ser por re­visão cons­ti­tu­ci­onal, pelo que a de­cisão de Passos Co­elho, mesmo in­vo­cando o cum­pri­mento de pro­messas elei­to­rais, surge como algo pre­ci­pi­tada, re­sul­tando, na prá­tica e no ime­diato, que os lu­gares de go­ver­nador civil ficam vagos e des­ti­tuídos de com­pe­tên­cias, antes de cons­ti­tu­ci­o­nal­mente isso se poder con­cre­tizar.

Temos, por­tanto, aqui es­bo­çada uma es­tra­tégia e de­fi­nido um es­tilo de ac­tu­ação do pri­meiro-mi­nistro Passos Co­elho, no seu con­fes­sado pro­jecto de «mudar o pa­ra­digma» do re­gime de­mo­crá­tico por­tu­guês.

Como es­tilo, exibe um po­pu­lismo algo ba­coco ao en­cenar com­por­ta­menos aus­teros com epi­só­dios pu­eris, como o dos bi­lhetes de tu­rís­tica.

Como es­tra­tégia, pa­rece apostar no facto con­su­mado, onde toma as me­didas que en­tende sem atender a peias ou im­pe­di­mentos le­gais ou cons­ti­tu­ci­o­nais, pos­ter­gando para fu­turas in­da­ga­ções a le­gi­ti­mi­dade ou a le­ga­li­dade dos actos en­tre­tanto pra­ti­cados e já ins­ta­lados na re­a­li­dade na­ci­onal.

Di­ziam os la­tinos que «à mu­lher de César não basta ser séria, é pre­ciso pa­recê-lo».

Será que Passos Co­elho quer ali­terar a má­xima ro­mana, su­ge­rindo que «ao chan­celer basta pa­recer sério, nem é pre­ciso sê-lo»?



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