Comentário

Crise, desorientação e embustes

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Se­tembro chegou com no­tí­cias de agra­va­mento da si­tu­ação das eco­no­mias eu­ro­peias. As es­ta­tís­ticas ofi­ciais car­re­garam de negro as pers­pec­tivas, já de si som­brias, de há uns meses. A zona euro está pra­ti­ca­mente es­tag­nada. Con­firma-se a re­cessão em Por­tugal, em franco apro­fun­da­mento. Na Grécia, os juros dos em­prés­timos a curto prazo rondam os 100 por cento, no mer­cado se­cun­dário. O país afunda-se, re­ve­lando os ver­da­deiros re­sul­tados e con­sequên­cias do pro­grama de «sal­va­mento», de re­corte idên­tico ao apli­cado a Por­tugal. Itália e Es­panha, de­pois de emi­tirem dí­vida com juros re­corde, vêem apro­ximar-se o prazo de ven­ci­mento de dí­vidas de largas de­zenas de mi­lhares de mi­lhões de euros. E mesmo a Ale­manha e a França en­frentam o es­pectro duma es­tag­nação.

Nesta con­jun­tura é cada vez mais evi­dente a pro­funda de­so­ri­en­tação em que mer­gu­lharam os prin­ci­pais res­pon­sá­veis e ins­ti­tui­ções da UE. A in­ca­pa­ci­dade para re­sol­verem a crise das dí­vidas so­be­ranas é ma­ni­festa. De­ci­sões apre­sen­tadas como so­lu­ções úl­timas e de­fi­ni­tivas para a crise vão su­cum­bindo umas atrás das ou­tras, re­sis­tindo cada vez menos tempo até ao pró­ximo ataque dos es­pe­cu­la­dores. As so­lu­ções, no quadro do sis­tema, es­cas­seiam – o que vai ex­pondo, de forma cada vez mais evi­dente, os seus li­mites e con­tra­di­ções. A na­tu­reza re­ac­ci­o­nária e os ob­jec­tivos do pro­cesso de in­te­gração (ca­pi­ta­lista) emergem com maior cla­reza. En­tre­tanto, há quem pa­reça apos­tado em iludir uns e ou­tros...

Al­guns, as­su­mindo uma pos­tura crí­tica re­la­ti­va­mente à con­dução dos des­tinos da UE, de­nun­ci­ando he­si­ta­ções, ou mesmo erros, dos ac­tuais lí­deres eu­ro­peus, acenam com so­lu­ções ditas al­ter­na­tivas e ur­gentes. So­lu­ções que per­mi­ti­riam o re­gresso ao «pa­raíso eu­ropeu» dos pais fun­da­dores e dos ins­pi­rados lí­deres com ver­da­deira di­mensão eu­ro­peia. Pre­sume-se que se re­firam àqueles que, cer­ta­mente gui­ados pelo gran­di­lo­quente ideal da so­li­da­ri­e­dade eu­ro­peia, por exemplo, pro­ce­deram a su­ces­sivos alar­ga­mentos da CEE/​UE ao mesmo tempo que lhe re­du­ziam o or­ça­mento.

 

Os eu­ro­bonds e ou­tros em­bustes

 

Dos con­ser­va­dores e li­be­rais à so­cial-de­mo­cracia (em Por­tugal: do CDS ao BE, pas­sando pelo PSD e PS), de todos os lados vêm apelos à cri­ação dos cha­mados eu­ro­bonds ou euro-obri­ga­ções. Um co­nhe­cido ar­ti­cu­lista da praça, ex-blo­quista e ainda de­pu­tado no Par­la­mento Eu­ropeu, chegou a pro­clamar urbi et orbi que a cri­ação de eu­ro­bonds, só por si, aca­baria com a crise em poucas se­manas. A pró­pria Co­missão Eu­ro­peia (quem sabe se ou­vindo-o...) diz ter já pronta uma pro­posta nesse sen­tido.

Não ne­gando que, no ime­diato, a exis­tência deste ins­tru­mento po­deria per­mitir a certos es­tados, como Por­tugal, fi­nan­ci­arem-se a taxas de juro mais fa­vo­rá­veis do que as que lhes são ac­tu­al­mente im­postas (o que sempre se po­deria con­se­guir de ou­tras formas), a questão de fundo é outra. Por um lado, as dí­vidas têm causas es­tru­tu­rais – que os en­tu­si­astas dos eu­ro­bonds pa­recem es­quecer (e nas quais não querem tocar!). Causas in­dis­so­ciá­veis das as­si­me­trias e de­se­qui­lí­brios ine­rentes ao pro­cesso de in­te­gração (ca­pi­ta­lista) eu­ro­peia, entre as quais avulta a des­truição dos sis­temas pro­du­tivos mais dé­beis. Por outro lado, os eu­ro­bonds se­riam o pre­texto (as­su­mido) para novos avanços no fe­de­ra­lismo e para uma nova ca­val­gada sobre as so­be­ra­nias na­ci­o­nais. Um ca­minho que foi sendo con­sa­grado nos tra­tados e que, per­cor­rido nas úl­timas duas dé­cadas, sempre levou ao agravar das causas es­tru­tu­rais acima re­fe­ridas e dos seus efeitos.

No coro de apelos para uma maior in­te­gração eco­nó­mica e po­lí­tica, para uma maior har­mo­ni­zação de po­lí­ticas (fis­cais, or­ça­men­tais, etc.), en­tram auto-pro­cla­mados eu­ro­peístas de todos os ma­tizes.

A cha­mada go­ver­nação eco­nó­mica e a ideia da cri­ação de um mi­nistro das fi­nanças eu­ropeu são já ex­pressão con­creta (mas não aca­bada) desta pulsão fe­de­ra­lista, que visa re­duzir a quase nada as so­be­ra­nias na­ci­o­nais e, com elas, a pró­pria de­mo­cracia. Amar­rando de pés e mãos os países e os seus povos, alar­gando o poder e as es­feras de acção do di­rec­tório que co­manda os des­tinos da UE. Eter­ni­zando a in­ge­rência, a sub­missão e o saque.

Se dú­vidas res­tassem, Tri­chet, go­ver­nador do BCE, dizia há dias em Bru­xelas: «Os eu­ro­bonds re­du­zirão por certo sig­ni­fi­ca­ti­va­mente (ainda mais) a margem de ma­nobra dos es­tados em di­versos do­mí­nios». Dias de­pois, Oet­tinger, o gro­tesco co­mis­sário alemão, su­geria que os go­vernos na­ci­o­nais dos países fal­tosos fossem subs­ti­tuídos por téc­nicos com­pe­tentes das ins­ti­tui­ções eu­ro­peias. A afir­mação sus­citou jus­ti­fi­cada in­dig­nação. Mas entre os in­dig­nados estão al­guns dos que, pelo que vêm de­fen­dendo, pa­recem querer vi­a­bi­lizar esse ca­minho...



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