Protestos duram há quase três semanas

Indignação alastra nos EUA

Cresce o nú­mero de norte-ame­ri­canos em pro­testo contra as in­jus­tiças e de­si­gual­dades so­ciais. Os «in­dig­nados», que desde 17 de Se­tembro se ma­ni­festam em Nova Iorque e nou­tras ci­dades do país, pro­metem unir e fazer avançar o mo­vi­mento.

«”Nós nada re­ce­bemos. O res­tante um por cento re­cebe tudo”, lem­bram os ma­ni­fes­tantes»

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No sá­bado, 1 de Ou­tubro, apesar da re­a­li­zação de con­cen­tra­ções e mar­chas rei­vin­di­ca­tivas, entre ou­tras ci­dades, em Fi­la­délfia, Se­attle, Chi­cago ou Los An­geles, a mais ex­pres­siva acção do mo­vi­mento «Ocupa Wall Street» ocorreu junto à ponte de Bro­o­klyn.

Mi­lhares de pes­soas ten­taram uma vez mais trans­ferir o acam­pa­mento per­ma­nente si­tuado no Parque Zu­cotti para junto do co­ração fi­nan­ceiro do maior e mais po­de­roso país ca­pi­ta­lista do mundo. O forte dis­po­si­tivo po­li­cial e as mais de 700 de­ten­ções re­a­li­zadas pelas au­to­ri­dades em pouco mais de duas horas, sob o pre­texto de de­so­be­di­ência e ocu­pação da via pú­blica, aca­baram por gorar o ob­jec­tivo ini­cial, mas, pode-se afirmar, ti­veram o condão de am­pli­ficar o pro­testo nos meios de co­mu­ni­cação so­cial, e, so­bre­tudo, es­pi­caçar a in­dig­nação de um cada vez maior nú­mero de norte-ame­ri­canos.

Já no do­mingo, uma mul­tidão – in­cluindo muitos dos de­tidos no dia an­te­rior, en­tre­tanto li­ber­tados, que re­gres­saram para junto dos seus com­pa­nheiros de luta –, voltou a juntar-se nas ruas de Nova Iorque para mos­trar in­dig­nação face às con­sequên­cias da crise ca­pi­ta­lista e os in­te­resses de classe que o sis­tema serve, face às in­jus­tiças so­ciais e a co­lossal de­si­gual­dade entre ricos e po­bres.

No centro da re­volta vol­taram a estar ainda os mi­lhões con­ce­didos ao ca­pital fi­nan­ceiro e aos grupos eco­nó­micos ca­pi­ta­listas desde 2008, e a exe­cução das hi­po­tecas por parte dos bancos; a de­fesa do di­reito à Edu­cação, à Saúde e ao em­prego com di­reitos, e a viva ex­pressão do re­púdio contra o do­mínio da po­lí­tica go­ver­na­mental por parte do ca­pital.

Também no sá­bado, em Boston, foram presos 24 ac­ti­vistas du­rante uma marcha de cerca de três mil pes­soas em di­recção ao Bank of Ame­rica, adi­anta a Reu­ters. A en­ti­dade anun­ciou re­cen­te­mente a in­tenção de des­pedir 30 mil tra­ba­lha­dores.

A de­tenção, ainda que pro­vi­sória de par­ti­ci­pantes nas ac­ções dos «in­dig­nados», mo­vi­mento que já re­cebeu o apoio pú­blico de per­so­na­li­dades como o ci­ne­asta Mi­chael Moore, do aca­dé­mico Noam Chomsky e da ac­triz Susan Sa­randon, se­gundo a agência no­ti­ciosa supra ci­tada, tem sido, aliás prá­tica ha­bi­tual na nação que re­clama o es­ta­tuto de mo­delo de de­mo­cracia.

Na sexta-feira, 30 de Se­tembro, já cerca de duas mil pes­soas se ha­viam di­ri­gido à sede da po­lícia de Nova Iorque para con­tes­tarem pre­ci­sa­mente a prisão de 80 ac­ti­vistas du­rante os pro­testos de 25 de Se­tembro.

 

Contra as guerras im­pe­ri­a­listas

 

Por outro lado, numa nação en­vol­vida em per­ma­nentes guerras de agressão im­pe­ri­a­lista, res­surge com pu­jança a exi­gência do fim dos con­flitos mi­li­tares pro­mo­vidos pelos EUA.

Se­gunda-feira, dia 24, o ex-se­cre­tário da de­fesa dos EUA foi re­ce­bido em Boston por cerca de 300 ve­te­ranos de guerra que ten­taram efec­tuar a de­tenção civil do ex-membro da ad­mi­nis­tração Bush. Do­nald Rums­feld des­locou-se à ci­dade para pro­mover o seu novo livro e não se li­vrou da ira po­pular.

Alvo da re­volta contra o be­li­cismo norte-ame­ri­cano foi, igual­mente, a má­quina de­mo­crata que sus­tenta o pre­si­dente Ba­rack Obama. De acordo com a pá­gina ofi­cial do Par­tido para o So­ci­a­lismo e a Li­ber­tação (PSL), du­rante a se­gunda se­mana de pro­testos de «in­dig­nados» no país, a pla­ta­forma de acção contra a guerra mo­bi­lizou cen­tenas de pes­soas para uma acção de pro­testo junto a uma ini­ci­a­tiva de re­colha de fundos para a cam­panha pre­si­den­cial de Obama.

Re­corde-se que o ac­tual pre­si­dente dos EUA ga­rantiu mi­lhares de votos en­ga­nando os elei­tores norte-ame­ri­canos com a pro­messa da re­ti­rada das tropas do Iraque e Afe­ga­nistão, pelo que o re­sur­gi­mento das ini­ci­a­tivas pela paz e o re­gresso ime­diato dos sol­dados são, no pre­sente con­texto, muito in­có­modas para o poder.

 

Unir e co­or­denar a acção

 

Agora, a pa­lavra de ordem entre os vá­rios grupos de con­tes­ta­tá­rios pa­rece ser a de unir e co­or­denar o mo­vi­mento. Em fase de pre­pa­ração en­contra-se uma as­sem­bleia que, nos pró­ximos dias, prevê reunir em Washington todas as pla­ta­formas sob os sim­bó­licos nomes de «Sonho Ame­ri­cano» ou «Nós somos os 99 por cento [da po­pu­lação]».

Esta úl­tima con­signa con­tava já com uma pá­gina na In­ternet onde se pre­ci­sava que «vemo-nos obri­gados a es­co­lher entre a co­mida e a pres­tação da casa. É-nos ne­gada a as­sis­tência mé­dica. So­fremos as con­sequên­cias da con­ta­mi­nação do meio am­bi­ente. Tra­ba­lhamos largas horas por pouco di­nheiro e ne­nhuns di­reitos. Nós nada re­ce­bemos, ao passo que o res­tante um por cento re­cebe tudo».

No do­mingo, ficou ainda a saber-se que, em Washington, está já re­bap­ti­zada uma outra Praça da Li­ber­dade (à se­me­lhança do que acon­teceu no Cairo), passo em­ble­má­tico para os pro­testos que, no dia 6 de Ou­tubro, devem ter um dos mo­mentos altos com a con­cen­tração na­ci­onal contra as guerras de ocu­pação e saque.

Parte do mo­vi­mento sin­dical, par­ti­cu­lar­mente os sin­di­catos dos Trans­portes e dos Tra­ba­lha­dores do Sector Au­to­móvel, ex­pressa von­tade de se juntar aos in­dig­nados, na sua mai­oria jo­vens de­sem­pre­gados com ele­vadas qua­li­fi­ca­ções aca­dé­micas e com­pe­tên­cias téc­nicas, muitos dos quais a braços com pe­sadas dí­vidas re­sul­tantes dos em­prés­timos ban­cá­rios con­traídos para con­cluírem a res­pec­tiva for­mação.


Ra­zões para pro­testar

No centro da maior crise ca­pi­ta­lista mun­dial, os EUA são o es­pelho das pro­fundas con­tra­di­ções do sis­tema. Al­guns dados ofi­ciais di­vul­gados nos úl­timos dias pela Te­lesur, Press TV, PSL News e agên­ciais de no­tí­cias ilus­tram a exis­tência de con­di­ções ob­jec­tivas con­cretas para a eclosão de pro­testos e re­voltas so­ciais no ter­ri­tório.

 

  •  Mais de 40 mi­lhões de norte-ame­ri­canos en­con­tram-se de­sem­pre­gados e é o pró­prio pre­si­dente da Re­serva Fe­deral, Ben Ber­nake, quem ad­mite que o nú­mero de de­sem­pre­gados há mais de 6 meses é muito pre­o­cu­pante.
  •  41 por cento do total dos em­pregos são clas­si­fi­cados como de baixos ren­di­mentos.
  •  O sa­lário médio nos EUA tem vindo a cair pro­gres­si­va­mente desde 2006. Quando os tra­ba­lha­dores a tempo par­cial são in­cluídos, o ce­nário piora com uma queda no ren­di­mento médio na ordem dos 28 por cento face ao valor real pra­ti­cado em 1970.
  • 15 exe­cu­tivos de grandes em­presas fi­nan­ceiras e imo­bi­liá­rias dos EUA ar­re­ca­daram, cada um, mais de 100 mi­lhões de dó­lares em com­pen­sa­ções e di­vi­dendos em 2010.
  •  No ano pas­sado, um gestor numa em­presa ga­nhava em média 343 vezes mais do que um tra­ba­lhador.

   Me­tade dos norte-ame­ri­canos mais po­bres dis­põem de apenas 2,5 por cento da ri­queza.

  • Um terço das fa­mí­lias jo­vens com fi­lhos são po­bres.
  • A po­breza nos EUA atinge ní­veis re­corde. Em 2010, 15,1 por cento da po­pu­lação ou 46,2 mi­lhões de pes­soas eram con­si­de­radas po­bres, o valor mais alto desde que se ini­ciou a re­colha es­ta­tís­tica. Ou­tros 8,6 mi­lhões de pes­soas só se mantêm acima do li­miar da po­breza de­vido ao re­ce­bi­mento de pres­ta­ções so­ciais, isto con­si­de­rando que, de acordo com os es­tritos pa­drões ofi­ciais, uma fa­mília de quatro pes­soas com um ren­di­mento anual de 22 351 dó­lares (cerca de 15 mil euros/​ano, ou seja, 1250 euros/​mês) não é con­si­de­rada pobre.
  •  700 mil norte-ame­ri­canos são sem-abrigo, nú­mero que não está in­cluído nas es­ta­tís­ticas da po­breza, as quais também não co­tejam os dados com o custo de vida real para cada ci­dade.
  • Em 2010, pelo menos 45 mil pes­soas mor­reram nos EUA por in­ca­pa­ci­dade de acesso a as­sis­tência mé­dica.
  •  A má­quina de guerra im­pe­ri­a­lista ab­sorve anu­al­mente 700 mil mi­lhões de dó­lares, a maior cifra na his­tória do país. No auge da Guerra do Vi­et­name, o or­ça­mento da De­fesa gastou na­quele con­flito 390 mil mi­lhões. As Na­ções Unidas es­timam em 200 mil mi­lhões de dó­lares o custo anual dos pro­gramas que per­mi­ti­riam ali­mentar fa­mintos de todo o pla­neta.


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