A noite dos investigadores falhados
Na passada segunda-feira, o título anunciado para a emissão do «Prós e Contras» era o de «Como chegámos aqui?». E mais: a frase introdutória proferida por Fátima Campos Ferreira antes mesmo que o programa propriamente dito começasse era também muito excitante: «Há ou não responsabilidades políticas?» Da justaposição destas duas perguntas resultou, como parece ser compreensível, que uma grande expectativa inundou a minha alma de telespectador ingénuo: daquela vez, sim, é que finalmente iria ser dado tempo de antena ao entendimento da Crise, suas raízes e condicionamentos. E lá estariam, no debate, economistas como Sérgio Ribeiro, Octávio Teixeira, Eugénio Rosa, outros assim. E não falo em Carlos Carvalhas porque ele estivera na anterior emissão do programa, o que para alguns já terá sido considerado como uma excessiva concessão ao pluralismo, e por isso não conviria abusar. Quando finalmente nos ecrãs do televisor surgiram o palco e os convidados que, decerto na sequência de sabedorias e investigações, dali esclareceriam os cidadãos acerca da Crise que nos aflige e dos autores do crime que ela consubstancia e, como se sabe, o povão vai ter de pagar, fiquei um poucochinho desapontado: não, entre aqueles seis decerto cuidadosamente seleccionados não estava nenhum comunista ou que com comunistas se parecesse. Mas não desanimei: a plateia estava cheia e entre tanta gente decerto haveria quem fosse chamado a depor num sentido que ampliaria, enfim, a compreensão das causas da Crise e dos motivos que levaram, já há um bom par de anos, a que se tivesse optado por caminhos que inevitavelmente nos condenariam a isto. Mas não, o tempo foi deslizando, acabou esgotado, e nunca Fátima convidou quem quer que fosse a intervir. Poderia ter havido, é certo, uma explicação para isso: a de que aqueles seis em palco, esses sim, tinham qualificação de investigadores das causas e autorias do crime, assim podendo dar resposta à pergunta em título e à interrogação inicial de Fátima. Infelizmente, porém, nada disso aconteceu, bem antes pelo contrário. Uma sobredose de optimismo poderá acreditar que ficou para outra vez, mas esse será um optimismo que dificilmente terá razão no futuro depois desta oportunidade perdida.
As duas dívidas
Dos seis convidados, um só deu sinal de estar muito empenhado em meter na prisão presumíveis responsáveis, adivinhando-se, com razão ou sem ela, que estes deveriam ser encontrados exclusivamente entre os que integraram o governo imediatamente anterior ao actual com exclusão de quaisquer outros: foi o dr. Pedro Lomba. Visivelmente excitado, tal e tanto que disparava olhares fuzilantes quer enquanto perorava quer quando ouvia as palavras alheias, dava mesmo sinais de desejar não apenas a prisão dos supostos responsáveis mas também, e talvez principalmente, do próprio regime político. Porque este se terá esgotado. Lamentavelmente, Lomba não explicitou para que regime preconizaria a mudança, e essa omissão pode ter-nos levado a pensar, suspeitosos. Como talvez fosse escusado dizê-lo, o eixo central da sua indignação era o da dívida, que agora talvez deva passar a grafar-se com D maiúsculo, dada a sua relevância. Mas acerca da Dívida, só André Freire se aplicou ao cuidado elementar mas raramente cultivado de distinguir entre a dívida pública e a dívida privada, sendo que a segunda é três vezes maior que a primeira. Ora, isto é importante porque a dívida pública é a que terá decorrido de gastos loucos do Estado, esse malvado, com a Saúde dos portugueses, a sua instrução, extravagâncias assim, e a dívida privada teve pelo menos o enorme mérito de proporcionar à Banca (também com maiúscula, naturalmente, agora em sinal de reverência), abundantes lucros. Quanto a este caso, terá sido determinante a obsessão dos portugueses em, na impossibilidade de arrendarem casas pela incontornável razão de não as haver para arrendar, se obstinarem em não irem dormir ao relento, com o consequente endividamento perante a Banca por sua vez endividada no estrangeiro mas a taxas baixinhas. Na abordagem aliás interessante deste e outros aspectos se esgotou o tempo do programa sem que tivessem sido apurados o erro fundamental e os seus responsáveis: a investigação falhara. E o nosso tempo de telespectadores esperançados fora mal investido.