Dura luta em condições adversas

Direitos ameaçados nos seguros

Luís Gomes (texto)
Inês Seixas (fotos)

Ape­lando à luta sec­to­rial para im­pedir a ca­du­ci­dade do Con­trato Co­lec­tivo de Tra­balho e em plena fase ne­go­cial, o Sin­di­cato Na­ci­onal dos Pro­fis­si­o­nais de Se­guros e Afins (Si­napsa) trava uma dura luta, en­quanto sin­di­cato in­de­pen­dente, num sector mar­cado por uma pro­gres­siva perda de di­reitos e au­mento da pre­ca­ri­e­dade.

«Nada subs­titui o con­tacto in­di­vi­dual com os tra­ba­lha­dores»

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Ex­pli­cando os obstáculos que têm sido ul­tra­pas­sados, num pa­ci­ente e in­sis­tente tra­balho sin­dical de es­cla­re­ci­mento sobre as graves con­sequên­cias dos acordos pa­tro­nais com os sin­di­catos da UGT, e apre­sen­tando pro­postas para in­verter os acen­tu­ados re­tro­cessos, no plano dos di­reitos la­bo­rais, daí de­cor­rente, os di­ri­gentes do Si­napsa José Mar­tins, Luís Ma­tias e José Ma­nuel Jorge ex­pli­caram ao Avante! como en­frentam as di­fi­cul­dades no tra­balho quo­ti­diano junto dos tra­ba­lha­dores.

 

Desde Julho, já ti­veram sete reuniões ne­go­ciais com o pa­tro­nato sobre a revisão do Con­trato Co­lec­tivo de Tra­balho (CCT) num sector sob forte influência dos sin­di­catos da UGT. Nos seus mais re­centes do­cu­mentos, o Si­napsa alerta para o pe­rigo de pa­tro­nato, STAS e Sisep virem a acordar a ca­du­ci­dade. Que di­reitos estão ameaçados e que con­sequências para os tra­ba­lha­dores teria a des­truição do CCT?

José Ma­nuel Jorge (JMJ): Con­si­de­ramos fun­da­mental que o ac­tual CCT só deixe de estar em vigor quando for acor­dado o que está em ne­gociação. Es­tamos con­fron­tados com a ati­tude da As­sociação Por­tu­guesa de Se­gu­ra­dores (APS), que re­quereu a ca­du­ci­dade do CCT e apre­sentou aos sin­di­catos uma pro­posta onde pouco res­taria do ac­tual clau­su­lado. É uma es­tratégia e um jogo com­ple­ta­mente vi­ciado. As con­fe­derações pa­tro­nais rei­vin­dicam a des­truição de di­reitos la­bo­rais a tal ponto que es­tamos pe­rante um ajuste de contas com tudo o que foi con­quis­tado com o 25 de Abril de 1974.

A in­trodução do banco de horas e da mo­bi­li­dade geográfica, o fim das promoções obrigatórias, dos prémios de an­ti­gui­dade e da vigência do CCT são intenções da APS que nós re­jei­tamos em ab­so­luto, pois toda esta lógica de revisão do CCT as­senta no ob­jec­tivo de des­va­lo­rizar o tra­balho.

Jorge Mar­tins (JM): Foi neste con­texto que os sin­di­catos da UGT acei­taram trocar a aceitação do banco de horas por uma ac­tu­a­lização da ta­bela sa­la­rial. O Si­napsa sempre re­cusará qual­quer revisão de con­trato que com­pro­meta di­reitos ad­qui­ridos, mais ainda tra­tando-se da re­gulação dos horários de tra­balho.

Fomos para o ter­reno e ex­plicámos aos tra­ba­lha­dores o que es­tava a acon­tecer, quais eram as intenções da UGT. Não acei­tamos nem o banco de horas nem cortes nos su­ple­mentos, nem no prémio de an­ti­gui­dade. É um prémio que existe desde 1938 e que a APS pre­tende al­terar. Quem cumpre dez anos de serviço, inicia a com­pensação em dez por cento, so­mando mais um ponto per­cen­tual, a cada ano que passe. É um di­reito ao qual não têm acesso os novos tra­ba­lha­dores, num sector que tem tido um grande re­ju­ve­nes­ci­mento.

JMJ: A as­sociação pa­tronal propõe, em sua subs­tituição, um Plano Poupança Re­forma, in­di­vi­dual, e um prémio de permanência. É uma ba­tota. O tra­ba­lhador re­ce­beria mais, a cada quinquénio, mas isso fi­caria de­pen­dente de uma avaliação de de­sem­penho que teria de ser po­si­tiva du­rante o mesmo período. Também apre­sentam, como su­posta com­pensação, um au­mento no des­conto nos se­guros dos tra­ba­lha­dores.

 

Em que con­siste esse plano in­di­vi­dual de re­forma que subs­ti­tuiria o prémio de an­ti­gui­dade, em vigor, e quais se­riam as suas con­sequências?

JM: Se­gundo dados do próprio pa­tro­nato, o plano re­sul­taria numa poupança, para as se­gu­ra­doras, na ordem dos 5,8 milhões de euros anuais, num sector que de­clarou 420 milhões de euros de re­sul­tados de ex­ploração, em 2010. Para os tra­ba­lha­dores, trata-se de di­nheiro que deixa de estar, como até aqui, disponível na re­mu­neração mensal.

JMJ: As en­ti­dades pa­tro­nais des­con­ta­riam 3,27 por cento das re­mu­nerações para esse plano, e o tra­ba­lhador, se chegar à re­forma, terá di­reito àquele di­nheiro. Além de se tratar de uma retenção forçada, o tra­ba­lhador dei­xaria de poder contar, men­sal­mente, com esse valor, além de perder o prémio de an­ti­gui­dade, com uma con­tradição de fundo que é o ac­tual agra­va­mento da pre­ca­ri­e­dade dos vín­culos la­bo­rais.

Luís Mi­guel Ma­tias (LML): Tendo em conta a pre­ca­ri­e­dade a au­mentar, trata-se de um fundo de des­pe­di­mento, con­subs­tan­ciado neste plano in­di­vi­dual de re­forma. No fundo, estão a an­te­cipar-se ao que as con­fe­deração pa­tro­nais pre­tendem obter na con­certação so­cial.

 

Que con­sequências teria o fim das promoções obrigatórias?

JMJ: Re­sul­taria em graves in­justiças re­mu­neratórias. Os tra­ba­lha­dores fi­ca­riam longos anos re­tidos no mesmo escalão re­mu­neratório. De­corre da lógica pa­tronal, nesta revisão, que é me­ra­mente a redução do valor do factor tra­balho.

 

Ou­vimos falar muito no re­gime da «mo­bi­li­dade es­pe­cial» que o Go­verno pre­tende impor na Ad­mi­nistração Pública. Terá se­me­lhanças com esta pro­posta pa­tronal de mo­bi­li­dade geográfica?

JM: Al­gumas. Neste sector, até agora, um tra­ba­lhador não pode ser des­lo­cado para postos de tra­balho lo­ca­li­zados a mais de cin­quenta quilóme­tros da sua área de residência, sendo com­pen­sado com um subsídio de trans­porte. Pre­tendem subs­ti­tuir essa distância pela noção de «área me­tro­po­li­tana» que, como sa­bemos, em Lisboa e no Porto tem uma ex­tensão de cem quilóme­tros. Além dos trans­tornos para a vida fa­mi­liar, sig­ni­fi­caria mais um en­cargo mensal para os tra­ba­lha­dores e acres­cidas di­fi­cul­dades e tempo per­dido nessas longas distân­cias, di­a­ri­a­mente. Os sin­di­catos da UGT acei­taram esta nova cláu­sula.

 

O que sig­ni­fi­ca­riam, em termos de cortes re­mu­neratórios e de di­reitos, estas intenções pa­tro­nais, face aos salários pra­ti­cados no sector?

LMM: Há um factor fun­da­mental a ter em conta nesta pro­posta. A pre­ca­ri­e­dade tem au­men­tado muito na ac­ti­vi­dade, prin­ci­pal­mente nas se­gu­ra­doras de se­guros de Saúde e nas em­presas de as­sistência, para onde tem sido ca­na­li­zado o tra­balho que era da re­gu­la­rização e tra­ta­mento de si­nis­tros. Ac­tu­al­mente, as quatro em­presas de as­sistência en­volvem cerca de 1300 tra­ba­lha­dores. Além disso, cada se­gu­ra­dora tem os seus call-cen­ters. Só o de Évora, do Grupo Caixa-Se­guros, tem 43 tra­ba­lha­dores. Todo o tra­balho ad­mi­nis­tra­tivo, como a emissão de apólices de se­guros ou a aber­tura de pro­cessos por si­nistro está a ser ca­na­li­zado para serviços com tra­balho precário. Nas em­presas de as­sistência que re­co­nhecem o CCT, a média sa­la­rial ronda os 700 euros. Mas já não é assim nas re­gu­la­ri­za­doras da Saúde. Cada re­gu­la­rização de um se­guro de Saúde tem um pro­cesso de si­nistro. As em­presas de Saúde que gerem esses pro­cessos não cum­prem o CCT, e os tra­ba­lha­dores têm salários de 500 euros.

JM: Se en­trasse em vigor o con­trato do pa­tro­nato e dos sin­di­catos da UGT, do ac­tual CCT res­ta­riam oito cláu­sulas: di­reito de férias; dis­pensas no Natal e na Páscoa; subsídio de refeição; com­ple­mento de subsídio de doença; prémio de permanência; se­guros de Saúde e vida; o plano in­di­vi­dual de re­forma; e os efeitos das promoções. Tudo o resto seria eli­mi­nado. E ainda pre­tendem per­mitir al­terações ao CCT, sempre que ocorram al­terações le­gis­la­tivas, per­mi­tindo uma aplicação ime­diata de tudo o que em sede de con­certação so­cial seja apro­vado, des­le­gi­ti­mando a cre­di­bi­li­dade das ne­gociações sec­to­riais e os seus re­sul­tados.

 

Como é que essas posições dos sin­di­catos mai­oritários têm in­fli­en­ciado as ne­gociações com a APS?

JMJ: À ter­ceira reunião, a APS pres­si­onou-nos, avi­sando que havia um con­senso com os sin­di­catos da UGT. O Si­napsa po­deria propor, dis­cutir, mas sa­bendo, de antemão, que o con­senso exis­tente é que ia vingar. Sempre que invocámos que a forma de condução dos tra­ba­lhos es­tava a ser ma­ni­pu­lada, im­pu­seram-nos as mesmas opções: ou as­si­namos o que pre­tendem, ou verão, de­pois de acor­darem com os sin­di­catos da UGT, se reúnem ou não, à parte, com o Si­napsa.

Por duas vezes convidámos o STAS e o Sisep a reu­nirem con­nosco, para pro­cu­rarmos con­se­guir al­guma uni­dade nas pro­postas, mas os con­vites foram logo re­cu­sados. Ao fim da 5.ª reunião, voltámos a for­mular o pe­dido, tendo em conta as evi­dentes perdas que estão em causa com a ac­tual revisão do con­trato, e o con­vite voltou a ser de­cli­nado.

JM: Este sector tem ob­tido cen­tenas de milhões de euros em lu­cros, os ges­tores de topo estão re­mu­ne­rados ao nível das grandes em­presas eu­ro­peias, mas os tra­ba­lha­dores estão muito abaixo do que ga­nham os seus congéneres eu­ro­peus. O Si­napsa não está dis­posto a vender os di­reitos dos tra­ba­lha­dores em troca de qual­quer mi­galha sa­la­rial.

LMM: Desde que o ac­tual CCT en­trou em vigor, em 1995, os sin­di­catos da UGT têm tro­cado di­reitos por mi­ga­lhas sa­la­riais. Na­quele ano, ven­deram um com­ple­mento de re­forma que era com­ple­tado pela en­ti­dade pa­tronal para todos, ha­vendo agora tra­ba­lha­dores, com con­tratos precários, sem di­reito a esse com­ple­mento.

 

Há casos de re­pressão pa­tronal a as­so­ci­ados ou di­ri­gentes do Si­napsa?

LMM: Temos um caso re­cente, na fran­cesa Macif, an­tiga Sa­gres. Por ter di­fun­dido, através de e-mail, um dos nossos co­mu­ni­cados, so­freu um pro­cesso dis­ci­plinar, sem nota de culpa, foi pu­nido com sus­pensão por dois dias, mudou de funções e perdeu o prémio de an­ti­gui­dade. Re­clamámos junto da inspecção do tra­balho e a ACT foi ao local, há duas se­manas, tendo le­van­tado um auto à em­presa.

  

Crescer in­ter­vindo

Num con­texto de tanta ad­ver­si­dade, como in­tervém o Si­napsa para au­mentar a sua influência e força?

LMM: Po­demos afirmar que o Si­napsa é o único sin­di­cato com uma in­tervenção quo­ti­diana nos lo­cais de tra­balho. Ob­vi­a­mente que os ou­tros dois sin­di­catos não querem mos­trar aos tra­ba­lha­dores o que propõem nas ne­gociações. Uma vez por se­mana, desde que iniciámos estas ne­gociações, emi­timos um do­cu­mento que é dis­tribuído pelos de­le­gados sin­di­cais, nos lo­cais de tra­balho, se­cretária a se­cretária. É com­ple­men­tado com o envio electrónico para as mo­radas que temos, mas nada subs­titui o con­tacto pes­soal com os tra­ba­lha­dores e o es­cla­re­ci­mento. De­pois de termos emi­tido os três pri­meiros do­cu­mentos, os tra­ba­lha­dores começaram a des­pertar para os pro­blemas e agora já nos in­ter­pelam e pedem es­cla­re­ci­mentos. Assim temos con­se­guido mais sin­di­ca­lizações.

Temos de­le­gados em todas as mai­ores em­presas do ramo e são muitos os tra­ba­lha­dores e mem­bros de co­missões de tra­ba­lha­dores que co­la­boram com os nossos re­pre­sen­tantes, di­vul­gando as nossas pro­postas, dando um con­tri­buto muito im­por­tante para o au­mento da nossa influência.

Os ou­tros sin­di­catos, mesmo quando têm de­le­gados sin­di­cais, são des­co­nhe­cidos dos tra­ba­lha­dores por não tra­ba­lharem no ter­reno. Ten­tamos de­mons­trar aos as­so­ci­ados da­queles sin­di­catos que estão a ali­mentar quem pre­tende des­truir-lhes os di­reitos, e é esse o tra­balho que con­ti­nu­a­remos a de­sen­volver, cha­mando a atenção para o que podem perder e ape­lando para que se unam no Si­napsa. Temos au­men­tado os sócios entre as novas gerações, que vão to­mando consciência do ataque aos seus di­reitos, vítimas da pre­ca­ri­e­dade la­boral e dos baixos salários. Esse é o grosso da sin­di­ca­lização no nosso sin­di­cato.

JMJ: A in­ten­si­ficação da di­vulgação das nossas posições, en­tre­gando os co­mu­ni­cados em mão, tem con­tribuído de­veras para um maior es­cla­re­ci­mento dos tra­ba­lha­dores. No dia 18, numa as­sem­bleia de de­le­gados com a presença de mem­bros de co­missões de tra­ba­lha­dores, de­ci­dimos marcar plenários, com con­centrações di­ante das grandes e médias em­presas do sector, em datas a anun­ciar bre­ve­mente.

Con­ti­nu­a­remos este com­bate que, com a de­gradação das condições de vida e de tra­balho da ge­ne­ra­li­dade dos tra­ba­lha­dores, vai sendo cada vez mais apoiado e com­pre­en­dido.

JM: Quem luta pode não ga­nhar mas quem não luta perde sempre. Esta é a men­sagem cen­tral que ten­tamos trans­mitir, num am­bi­ente difícil, onde os ritmos de tra­balho e as metas de pro­du­ti­vi­dade im­postas são bru­tais e im­possíveis de cum­prir; onde a avaliação de de­sem­penho é um co­lete de forças e onde os tra­ba­lha­dores sentem ter muito pouco tempo e condições para re­flec­tirem sobre a im­portância de co­nhe­cerem os seus di­reitos e in­ter­virem em sua de­fesa. Mas não têm al­ter­na­tiva que não seja a luta em uni­dade. Para isso, poderão sempre contar com o Si­napsa.