De malas aviadas

Henrique Custódio

Ber­lus­coni anun­ciou esta se­mana que se vai de­mitir e o di­rec­tório franco-ger­mâ­nico que manda na União Eu­ro­peia deixou, re­pen­ti­na­mente, de se pre­o­cupar com o drama da Grécia e até se es­queceu de Por­tugal, que en­tregou dis­pli­cen­te­mente à vi­gi­lância da co­missão li­qui­da­tária que, pela ter­ceira vez, por aqui anda a contar-nos as pratas.

Esta queda anun­ciada do «ca­va­lieri» tem o seu quê de bur­lesco.

O homem fez trinta por uma linha desde que em 1994 en­trou na po­lí­tica para, dois anos de­pois, ser de­mi­tido, jul­gado e con­de­nado por cor­romper fis­cais de im­postos, re­gres­sando triun­fal­mente em 2001 para su­ces­sivos man­datos, cada um mais ei­vado de cor­rup­ções e es­cân­dalos.

Nada der­ru­baria Ber­lus­coni e a União Eu­ro­peia até lhe deu a pre­si­dência ro­ta­tiva da agre­mi­ação, en­quanto sorria aos des­mandos im­pe­riais da cri­a­tura. Foi pre­ciso chegar o dé­fice das contas pú­blicas, fer­re­a­mente po­li­ciado pelo di­rec­tório, para a Itália de Ber­lus­coni ser fi­nal­mente posta em causa, dado que tinha con­du­zido o país a «ní­veis de en­di­vi­da­mento» alar­mantes.

To­davia, a Itália é muito maior do que qual­quer Ber­lus­coni e isso é que as­susta, ver­da­dei­ra­mente, o di­rec­tório. Para sermos pre­cisos, o ta­manho da Itália é o da ter­ceira eco­nomia da «zona euro», logo a se­guir à da Ale­manha e à da França, o que torna o dé­fice local num ber­bi­cacho do ta­manho de 20 e tal por cento do PIB da União.

Mas isso não im­pediu os fa­mosos «mer­cados» de co­me­çarem a morder às ca­nelas do país de Vir­gílio com a mesma des­fa­çatez com que ata­caram as da Grécia, da Ir­landa, de Por­tugal ou da Es­panha. E o des­ca­ra­mento é tal, que as obri­ga­ções dos em­prés­timos con­traídos a 10 anos pela Itália já vão em juros a rasar os não menos co­nhe­cidos 7%, os tais que sig­ni­ficam, para os en­ten­didos nestas coisas, que a dí­vida pú­blica ul­tra­passou os «li­mites to­le­rá­veis».

To­davia, a União Eu­ro­peia quase as­sobia para o ar com estes factos e, se não fora uma leve «pre­o­cu­pação» ma­ni­fes­tada por um co­mis­sário acerca da si­tu­ação em Itália, pa­re­ceria que «a Oeste nada de novo».

Ora quem não se lembra das dra­ma­ti­za­ções que atro­aram no nosso País à volta dos tais 7%? E a con­chada da nata cá do burgo a cas­quinar da Grécia por esta já ir nos 30 e tal por cento de juros (agora já ul­tra­passou os 150%, ima­gine-se!), como se este irmão de des­graça fosse um mi­se­rável a me­recer es­cárnio?

Tudo isso acon­teceu neste burgo do­mi­nado por fa­ri­seus, cada qual pronto a vender pro­ge­ni­turas a troco do fatal prato de len­ti­lhas, mas todos ir­ma­nados no pro­jecto comum de servir os in­te­resses dos grandes se­nhores. Os de dentro e os de fora.

Mas se o di­rec­tório da União tem an­dado de ci­meira em ci­meira, com al­guma dis­pli­cência, a in­sistir na cri­mi­nosa san­gria da Grécia, com a Itália en­trou em alarme. A vo­ra­ci­dade do bicho pede-lhe nova san­gria, mas drenar um corpo com a en­ver­ga­dura da Itália pode ser fatal.

Haja o que houver, o euro e a União Eu­ro­peia estão a ca­minho das malas avi­adas.



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