Televisão, défice e rodas

Correia da Fonseca

Há os que, legítima e sabiamente, aproveitam a chegada dos blocos publicitários para irem a outros lugares de suas casas para tratarem de assuntos muito pessoais. E há os que ficam diante dos televisores à espera de que passe aquele mau quarto de hora. Esses têm então oportunidade de assistir, entre outros mas com merecido destaque, aos spots publicitários de novos carros. Todos excelentes, todos sedutores, todos caríssimos para a esmagadora maioria dos portugueses. O telespectador minimamente assíduo a esses momentos já decerto terá notado que eles se têm multiplicado em número e diversidade, o que aliás tem uma conhecida explicação: a venda de carros novos diminuiu nos meses mais recentes em cerca de 30%, o que pode ameaçar a resistência do sector da comercialização de automóveis e por consequência, infelizmente, mais um punhado de postos de trabalho. Isto mesmo também pode ser aprendido graças aos televisores, ainda que noutros momentos. O que a televisão nunca nos lembrou foi que os milhares de automóveis anualmente importados, maioritariamente da Europa e sobretudo dessa Alemanha que nos leva tão a mal que vivamos «acima das nossas possibilidades» e com cuja venda aliás arrecadou uns bons milhares de euros, têm um certo peso na nossa balança comercial e, por consequência, nas nossas contas externas, no défice dos nossos pesadelos quotidianos. Dir-se-á talvez que é um valor relativamente irrelevante e eu, que o desconheço e que talvez pouco ganhasse em conhecê-lo no conjunto das minhas muitas ignorâncias, não deva extrair deste caso exorbitantes conclusões. Pois sim, mas a este caso dos automóveis importados, enorme parte deles de marcas e modelos cujos preços são proibitivos para a maioria, atribuo com razão ou sem ela um significado como que simbólico. Porque suspeito de que o seu valor ilustra o facto de estarmos a importar bens de que as condições concretas da nossa economia aconselhariam a coibirmo-nos. Mas que, por força de tratados que não devíamos ter assinado, de compromissos internacionais que não devíamos ter assumido, se tornaram impositivos, inadiáveis, e de facto tendencialmente fatais.

 

 

A fábula das duas panelas

 

Percorre-se as ruas e estradas do nosso País e o que mais acontece é depararmo-nos com Mercedes, Porsches, BMW’s, Audis, Volvos. É claro que, por mim, fico a roer-me de inveja, mas no plano do significado nacional a questão não é essa: a questão é que a estrutura económica do nosso País nunca foi compatível com a importação massiva e legalmente imparável de automóveis de luxo ou meio-luxo de que aqueles carros de algum modo podem ser símbolo. É claro que quem fala em carros poderia falar de muitos outros produtos apetecíveis, até simpáticos, mas cuja totalidade onera a nossa balança comercial para lá das «nossas capacidades». Acontece, porém, que o quadro legislativo internacional que Portugal subscreveu (por sempre ocultas motivações político-ideológicas, não o esqueçamos) impede que se estanque ou sequer modere a hemorragia: as importações são livres, estamos impedidos de sustê-las, é a liberdade de comércio sem peias. Recordo os anos em que o PCP, argumentando contra a entrada de Portugal num mercado europeu sem barreiras alfandegárias ou outras, invocava a estória tradicional da panela de ferro e da panela de barro lançadas conjuntamente ao mesmo caudal de água corrente, com a panela de barro a esmigalhar-se no choque com a sua companheira de ferro. Pois bem: o que está a suceder é que a economia portuguesa e a balança de pagamentos com o exterior estão a ser esmigalhadas em consequência de um choque de certo modo comparável, isto é, o que acontece é a prova de que o PCP mais uma vez tinha razão. Não me atrevo a tentar fazer aqui um sequer sumário inventário das ocasiões em que os comunistas tiveram razão nas suas advertências e por isso foram chamados de «velhos do Restelo» por quem aliás leu «Os Lusíadas» sem comparar o poema com a subsequente História de Portugal. Atrevo-me, sim, a registar aqui um sinal de que o desvario continua. E a fazê-lo a partir do que vejo na televisão.



Mais artigos de: Argumentos

Os monges-guerreiros da Nova Cruzada (7)

«Por detrás da Nova Ordem Mundial existe uma rede de sociedades e organizações secretas de carácter ocultista que vêm trabalhando incessante e incansavelmente pela concretização dos ideais do anjo caído: dominar o mundo» (Jan...