A causa e o efeito

José Casanova

Dizem os jor­nais que o Pre­si­dente da Re­pú­blica re­co­nhece e va­lo­riza os es­forços do Go­verno na apli­cação da po­lí­tica or­de­nada pela troika FMI/​UE/BCE mas mostra-se apre­en­sivo com os efeitos da aus­te­ri­dade.

Há neste elogio ao Go­verno pela go­ver­nação pro­du­zida e nesta pre­o­cu­pação pela des­graça que alastra por todo o País, uma pro­funda con­tra­dição.

Ca­vaco Silva sabe, cer­ta­mente, que as ra­zões da des­graça se si­tuam na po­lí­tica pra­ti­cada pelo Go­verno – uma po­lí­tica que não é por­tu­guesa, na me­dida em que foi de­ci­dida por uma troika ocu­pante, aceite de jo­e­lhos por uma troika co­la­bo­ra­ci­o­nista e efu­si­va­mente fes­te­jada pelo Pre­si­dente da Re­pú­blica, ele pró­prio.

E sabe, cer­ta­mente – não sabe ele outra coisa – que a apli­cação ames­trada de tal po­lí­tica não apenas não re­solve «crise» ne­nhuma como, pelo con­trário, agrava todos os graves pro­blemas já exis­tentes e afunda o País – veja-se o caso da Grécia, com um go­verno e uma po­lí­tica im­postos pela mesma troika e a cum­prir fi­el­mente as or­dens re­ce­bidas.

Sabe também – ó se sabe! – que os «efeitos da aus­te­ri­dade» se fazem sentir ex­clu­si­va­mente junto de quem tra­balha e vive do seu tra­balho; de quem já tra­ba­lhou e agora se vê rou­bado de parte das suas bai­xí­simas pen­sões e re­formas; de quem quer tra­ba­lhar e só vê à sua frente o de­sem­prego, ou seja, da imensa, da imen­sís­sima mai­oria dos por­tu­gueses – en­quanto uns poucos, muito poucos, vêem as suas fartas for­tunas crescer e crescer e crescer…

Sabe, por­tanto, que as causas da sua «apre­ensão» ra­dicam na po­lí­tica que ele apoia, aprova e elogia.

Então, sa­bendo o Pre­si­dente da Re­pú­blica tudo isso – e muito mais que aqui se não diz por falta de es­paço – as suas tão am­pla­mente di­fun­didas afir­ma­ções só podem ser en­ten­didas como um aplauso ex­plí­cito à po­lí­tica que o Go­verno do PSD está a levar à prá­tica e, no mí­nimo, um aplauso im­plí­cito às con­sequên­cias que isso tem nas con­di­ções de tra­balho e de vida da imensa mai­oria dos por­tu­gueses.

Isto porque, nesta re­lação entre causa e efeito, não se pode aplaudir a pri­meira e la­mentar o se­gundo, sob pena de o la­mento soar a falso e de a pre­si­den­cial de­cla­ração ser vista, apenas, como aquilo que é: o elogio à causa…



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