E vice-versa

Anabela Fino

Os ins­pec­tores da troika vol­taram esta se­mana a Por­tugal para mais um «exame» ao cum­pri­mento ao acordo ce­le­brado com a troika na­ci­onal e por cá fi­carão du­rante 15 dias. Pre­vêem os sempre bem in­for­mados ana­listas destas ma­té­rias que o «bom aluno» por­tu­guês não tem mo­tivos para se pre­o­cupar com o re­sul­tado da prova, cujo só pode ser idên­tico aos an­te­ri­ores, ou seja, po­si­tivo – se não com dis­tinção pelo menos com muito bom. Pre­vi­dente, ou no mí­nimo com apu­rado sen­tido de opor­tu­ni­dade, o Go­verno es­co­lheu a vés­pera da che­gada de suas ex­ce­lên­cias os exa­mi­na­dores para en­viar aos sin­di­catos da Função Pú­blica o do­cu­mento – a que a Lusa teve acesso – com as suas pro­postas para a re­visão do Re­gime de Con­trato de Tra­balho em Fun­ções Pú­blicas (RCTFP). De acordo com a in­for­mação vei­cu­lada pela Agência o ob­jec­tivo do Exe­cu­tivo é har­mo­nizar o dito Re­gime com as al­te­ra­ções que vão ser feitas ao Có­digo do Tra­balho (CT). Trata-se, para quem não es­teja ainda fa­mi­li­a­ri­zado com a ma­téria, de aplicar aos fun­ci­o­ná­rios pú­blicos o «acordo» as­si­nado com pa­trões e UGT a 18 de Ja­neiro, o qual prevê, entre ou­tras coisas, o au­mento do tempo de tra­balho sem a cor­res­pon­dente re­mu­ne­ração, re­dução drás­tica no pa­ga­mento do tra­balho ex­tra­or­di­nário, li­qui­dação do des­canso com­pen­sa­tório, fle­xi­bi­li­zação na or­ga­ni­zação dos tempos de tra­balho com a im­po­sição do banco de horas in­di­vi­dual e grupal.

«O Pro­grama de As­sis­tência Eco­nó­mica e Fi­nan­ceira (PAEF) a Por­tugal de­ter­minou a im­ple­men­tação de um con­junto de me­didas com im­pacto sobre a le­gis­lação re­fe­rente ao em­prego. Tais me­didas não têm apenas im­pacto no setor pri­vado da eco­nomia, tendo também na­tu­ral­mente re­flexos no âm­bito do setor pú­blico ad­mi­nis­tra­tivo, área re­le­vante no total do em­prego em Por­tugal», re­fere a pro­posta do Go­verno.

É o que se pode clas­si­ficar de ar­gu­mento tipo «pes­ca­dinha de rabo na boca»: pri­meiro o go­verno con­gelou e de­pois re­duziu os sa­lá­rios dos tra­ba­lha­dores do sector em­pre­sa­rial do Es­tado (o termo certo é roubou, em­bora haja por aí quem se abes­pinhe com o termo, como se re­tirar parte do le­gal­mente con­tra­tado e cons­ti­tu­ci­o­nal­mente pro­te­gido dei­xasse de ser o que é, um roubo, por se lhe chamar outra coisa). Que ga­nhavam mais do que no pri­vado, dizia-se, e tra­ba­lhavam menos (al­guns che­garam mesmo a ques­ti­onar se tra­ba­lhavam...). De­pois, com a ajuda da sempre ser­viçal UGT, Go­verno e pa­trões fi­zeram a rá­bula da con­cer­tação so­cial para cortar a eito no tra­balho com di­reitos no sector pri­vado e pôr os tra­ba­lha­dores a tra­ba­lhar mais, com mais pe­no­si­dade e por menos sa­lário.

Con­se­guido o acordo que João Pro­ença con­si­derou «um mal menor», eis que o Go­verno se volta de novo para a Função Pú­blica, para ni­velar por baixo o que por baixo já fora ni­ve­lado, e mais uma vez en­ce­nando a farsa da ne­go­ci­ação: para além de mo­bi­li­dade for­çada, propõe «ne­go­ciar» a re­dução do pa­ga­mento das horas extra e o fim do des­canso com­pen­sa­tório, que por acaso já cons­tava na Lei do Or­ça­mento do Es­tado para 2012.

E porque isto anda tudo li­gado – ou não fosse o acaso um caso sério – cabe lem­brar que já na an­te­rior ins­pecção da troika suas ex­ce­lên­cias os ins­pec­tores ti­nham feito notar que «a fim de me­lhorar a com­pe­ti­ti­vi­dade dos custos de mão-de-obra, os sa­lá­rios do sector pri­vado de­verão se­guir o exemplo do sector pú­blico e aplicar re­du­ções do sus­ten­tadas». É o jogo a dois car­ri­nhos para roubar em dobro.

 



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