A verdade sobre os «prejuízos» da banca

Ao con­trário do que os re­sul­tados ob­tidos pelos prin­ci­pais bancos pri­vados até ao final do 3.º tri­mestre fa­ziam prever – um lucro su­pe­rior a 1,5 mi­lhões de euros/​dia –, BCP, BES e BPI apre­sen­taram os re­sul­tados de 2011 com um pre­juízo su­pe­rior a mil mi­lhões de euros, no quadro de uma gi­gan­tesca ope­ração ide­o­ló­gica que visa, entre ou­tros ob­jec­tivos, dar su­porte po­lí­tico ao fi­nan­ci­a­mento por parte do Es­tado à banca pri­vada em Por­tugal. O PCP de­nun­ciou esta re­a­li­dade an­te­ontem, numa con­fe­rência de im­prensa em que par­ti­cipou Jorge Pires, da Co­missão Po­lí­tica.

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Chegou a ser co­mo­vente a forma como os três ban­queiros apre­sen­taram pu­bli­ca­mente os re­sul­tados, atri­buindo os pre­juízos a um con­junto de ad­ver­si­dades e mal­fei­to­rias a que foram su­jeitos. Só faltou dizer que os prin­ci­pais res­pon­sá­veis foram os ci­da­dãos, aqueles que são as prin­ci­pais ví­timas da gestão agiota dos bancos. Mas o que levou estes bancos que ti­veram em tempo de crise re­sul­tados ope­ra­ci­o­nais de 2642,9 mi­lhões de euros a apre­sen­tarem re­sul­tados ne­ga­tivos de cerca de mil mi­lhões de euros e si­mul­ta­ne­a­mente os ban­queiros a con­si­de­rarem os seus bancos mais fortes?

A res­posta a esta e ou­tras per­guntas está ver­tida na po­lí­tica de di­reita que tem vindo a ser con­cre­ti­zada no nosso País e que tem na sua ma­triz uma total su­bor­di­nação do poder po­lí­tico aos in­te­resses do ca­pital fi­nan­ceiro, con­subs­tan­ciada na trans­fe­rência de im­por­tantes re­cursos pú­blicos para que possam con­ti­nuar a sua ac­ti­vi­dade es­pe­cu­la­tiva e obter o má­ximo lucro.

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O Banco de Por­tugal, que devia fun­ci­onar como en­ti­dade de su­per­visão, con­tinua numa linha de pro­tecção ao sector ban­cário pri­vado e o Go­ver­nador apa­rece cada vez mais com­pro­me­tido com a gestão dos bancos.

Sus­ten­tados num pro­cesso con­ta­bi­lís­tico muito cri­a­tivo, em que fi­zeram re­per­cutir nos re­sul­tados do ano um con­junto muito vasto de im­pa­ri­dades que há muito vêm con­ta­mi­nando os ac­tivos, sendo que a sua con­ta­bi­li­zação foi ge­rida ano após ano, tal como se diz à boca fe­chada nos bancos «pas­sando de uma al­gi­beira para a outra», em função dos in­te­resses dos ac­ci­o­nistas, pro­curam em pri­meiro lugar jus­ti­ficar todos os apoios que a banca já re­cebeu e vai re­ceber nos pró­ximos meses e em se­gundo lugar ilibar os ac­ci­o­nistas de qual­quer res­pon­sa­bi­li­dade, no­me­a­da­mente a de não as­su­mirem os au­mentos de ca­pital que estes bancos têm ne­ces­si­dade de re­a­lizar tal como se pode ve­ri­ficar na re­dução sig­ni­fi­ca­tiva dos ca­pi­tais pró­prios (menos 24% de ca­pi­tais pró­prios no úl­timo ano).


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Tal como o PCP já tinha de­nun­ciado em No­vembro, a banca na­ci­onal dis­tri­buiu pelos ac­ci­o­nistas, ao longo da úl­tima dé­cada, mais de 6 mil mi­lhões de euros em di­vi­dendos. O PCP re­cusa qual­quer so­lução que não passe por serem os pró­prios ac­ci­o­nistas a as­su­mirem os custos do au­mento de ca­pital e não aceita que, mais uma vez, sejam as ví­timas de uma gestão agiota a pa­garem os custos da re­ca­pi­ta­li­zação.

Os ban­queiros in­vocam, para jus­ti­ficar os pre­juízos, acon­te­ci­mentos ex­tra­or­di­ná­rios e não re­cor­rentes, as­so­ci­ados às im­pa­ri­dades de cré­dito e em es­pe­cial às im­pa­ri­dades as­so­ci­adas à di­vida so­be­rana grega, às pro­vi­sões adi­ci­o­nais exi­gidas pelas ins­pec­ções da troika, à qua­li­dade das car­teiras de cré­dito e ao im­posto criado em 2011 e que in­cide sobre a banca. Atri­buem os re­sul­tados igual­mente aos ditos pre­juízos cau­sados pela trans­fe­rência dos fundos de pen­sões para a Se­gu­rança So­cial mas nunca à gestão ir­res­pon­sável e pau­tada pelos ga­nhos com a es­pe­cu­lação fi­nan­ceira.

Mas não é ver­dade que a ex­po­sição à dí­vida grega já tem al­guns anos, com muitos ga­nhos para quem es­pe­culou ad­qui­rindo este pro­duto fi­nan­ceiro, com fi­nan­ci­a­mento que foi buscar ao BCE a 1%, co­brando em se­guida ao Es­tado grego juros de 7 e 8%?

E quando re­ferem pre­juízos de cen­tenas de mi­lhões de euros com a trans­fe­rência dos fundos de pen­sões, não pro­curam, mais uma vez, es­conder que as res­pon­sa­bi­li­dades que ti­nham as­su­midas com o pa­ga­mento das re­formas e ou­tras pres­ta­ções so­ciais não es­tavam de­vi­da­mente pro­vi­si­o­nadas?

 

Há duas ques­tões a de­nun­ciar

 

– A pri­meira re­side no facto destes bancos não terem con­si­de­rado um con­junto muito sig­ni­fi­ca­tivo de im­pa­ri­dades, o que lhes per­mitiu apre­sentar lu­cros muito sig­ni­fi­ca­tivos. Assim jus­ti­fi­caram a dis­tri­buição de mi­lhares de mi­lhões de euros em di­vi­dendos pelos ac­ci­o­nistas e de mi­lhões de euros de pré­mios para as suas ad­mi­nis­tra­ções, numa al­tura em que já era evi­dente a di­mensão da crise, em vez de re­for­çarem os fundos pró­prios dos bancos. Agora apre­sentam-se como ví­timas para ace­derem às ajudas do Es­tado: acesso ao fundo de re­ca­pi­ta­li­zação de 12 mil mi­lhões de euros, com custos in­sig­ni­fi­cantes para os bancos; com­pro­misso do Es­tado de fazer re­gressar aos bancos 50% da verba dos fundos de pen­sões trans­fe­ridos no final de 2011; aqui­sição an­te­ci­pada de cré­ditos da dí­vida das em­presas pú­blicas e, tal como já foi de­nun­ciado, o acesso a um con­junto de cré­ditos fis­cais nos pró­ximos 10 a 20 anos como con­tra­par­tida, mais uma, do ne­gócio com os fundos de pen­sões. No global e no que se re­fere a estes três bancos, es­tamos a falar de um valor entre 6 a 8 mil mi­lhões de euros.

– A se­gunda questão é que estes bancos estão hoje mais de­pen­dentes de fi­nan­ci­a­mento no BCE (tudo in­dica que a banca irá fi­nan­ciar-se no BCE no final do mês, em cerca de 10 mil mi­lhões de euros por três anos com uma taxa de juro de 1%), os ba­lanços não estão to­tal­mente limpos, antes pelo con­trário, con­ti­nuam a existir nos ac­tivos mi­lhares de mi­lhões de euros em lixo tó­xico e apesar de vol­tarem a ter li­quidez com todos estes apoios, os bancos pri­vados não vão in­jectar di­nheiro na eco­nomia na­ci­onal. A di­mi­nuição do rácio entre o mon­tante de cré­dito con­ce­dido por cada um destes bancos e os de­pó­sitos ob­tidos de cli­entes, tem sido ob­tida, não em re­sul­tado de uma boa gestão, mas à custa da re­dução do cré­dito con­ce­dido a em­presas não fi­nan­ceiras e a par­ti­cu­lares.

Com estes re­sul­tados, os bancos pro­curam ainda jus­ti­ficar a in­ten­si­fi­cação das me­didas de re­es­tru­tu­ração ini­ci­adas em 2011, res­pon­sá­veis pelo des­pe­di­mento de cerca de mil tra­ba­lha­dores e o en­cer­ra­mento de mais de 150 bal­cões.

 

O caso da Caixa

 

Também a Caixa Geral de De­pó­sitos apre­sentou pre­juízos de 488,4 mi­lhões de euros, re­sul­tantes de in­ves­ti­mentos rui­nosos, de fi­nan­ci­a­mentos sem ga­ran­tias mí­nimas a fi­guras pú­blicas para fi­carem com as pri­va­ti­za­ções de im­por­tantes em­presas pú­blicas e bancos (Cimpor, BCP) num con­texto de au­mento do fi­nan­ci­a­mento à eco­nomia e com custos, não ex­pli­cados neste ba­lanço, da in­ter­venção na ope­ração BPN que obri­garam a um en­di­vi­da­mento adi­ci­onal de 5400 mi­lhões de euros, numa dí­vida total de 14 000 mi­lhões de euros que o Grupo Caixa tem neste mo­mento. A acres­centar a este valor existem mais 922 mi­lhões em­pres­tados pela Caixa às três so­ci­e­dades veí­culo cri­adas no âm­bito do pro­cesso de re­pri­va­ti­zação do banco, para o limpar dos cha­mados ac­tivos stres­sados, sem ne­nhuma ga­rantia de re­torno.

Para a banca pri­vada existem apoios pú­blicos. Já o banco pú­blico, que apesar de todas as di­fi­cul­dades tem man­tido o fi­nan­ci­a­mento à ac­ti­vi­dade eco­nó­mica, não pode re­correr a esses apoios. E sendo assim, aí está o Go­verno a re­a­firmar a fu­tura pri­va­ti­zação da ac­ti­vi­dade se­gu­ra­dora e da saúde do grupo Caixa como ins­tru­mento de re­fi­nan­ci­a­mento do banco.

O PCP re­a­firma que a so­lução para a crise passa por uma po­lí­tica as­sente em ins­tru­mentos de apoio à eco­nomia real, uma po­lí­tica de ce­dência de cré­dito, não es­pe­cu­la­tiva, mas de apoio ver­da­deiro par­ti­cu­lar­mente aos sec­tores pro­du­tivos, só pos­sível co­lo­cando nas mãos do Es­tado o con­trolo pú­blico dos sec­tores es­tra­té­gicos da eco­nomia.



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