Jerónimo de Sousa alerta para agravamento do quadro social e económico

«Cada murro é um defunto»

«Quanto mais se aprofunda e concretiza o pacto de agressão, mais se agravam os problemas estruturais do País, com mais exploração, mais pobreza, mais desemprego». Este é o traço forte da evolução económica e social nos últimos meses, referiu Jerónimo de Sousa no debate quinzenal com o primeiro-ministro.

Desemprego atinge mais de um milhão

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«Como diz o nosso povo, com este Governo cada murro é um defunto», assinalou, justificando a asserção popular com o facto de as pessoas mal terem tempo para respirar: «estão a reagir a uma medida gravosa e logo o Governo anuncia outra».

Os dados do desemprego são um indicador que reflecte essa realidade dramática que bateu à porta de milhares de famílias – «mais de um milhão de portugueses sem emprego, 35 por cento dos quais são jovens», lembrou –, sendo no entender do Secretário-geral do PCP «demolidores da retórica do Governo e mesmo do último Conselho Europeu».

Rejeitou, a este propósito, a versão de que este é um problema conjuntural. «Isto é um problema estrutural», sublinhou, observando que não basta ao chefe do Governo vir dizer que é preciso mais crescimento, mais desenvolvimento económico.

É que das medidas adoptadas pelo Executivo no plano económico – corte no investimento público, corte no crédito às pequenas e médias empresas –, resultou «uma situação que em vez de melhorar piora e leva à destruição» do nosso aparelho produtivo e da produção nacional.

E por isso a acusação do líder comunista de que o discurso do primeiro-ministro «não acerta com a realidade». Desse desconcerto deu um exemplo concreto, que serviu de base ao repto: «Explique lá por que é que houve centenas de milhões de euros, muitos deles a fundo a perdido, para salvar o BPN – dos que andaram na falcatrua, na jogatana – e não há três milhões de euros para os Estaleiros de Viana do Castelo produzirem mais riqueza, defender o emprego e salvar e a economia regional?».

 

Opções erradas

 

Passos Coelho, sem resposta plausível para o problema do desemprego, enveredou por um palavroso e labiríntico raciocínio para repetir frases feitas: que o Governo tem uma «agenda de transformação estrutural» e que é ela que «deverá conduzir ao crescimento da economia». E justificou o agravar da situação com a existência de «dois empecilhos» (que disse estar «a resolver»), um dos quais (apenas referiu este) é «a dívida pública e privada» e sua «renegociação».

E recusando que haja «um problema de liquidez na economia» – houve liquidez e crédito nos últimos anos e nem por isso houve crescimento económico, alegou –, disse que o caminho a seguir não é o da «sobrealanvancagem financeira», não é o de «excesso de crédito na economia para projectos sem retorno», «mas o contrário».

Quanto ao BPN, inseriu-o no quadro do respeito «pelos compromissos assumidos», adiantando esperar concluir o processo de reprivatização. E disse que o fechar deste processo «não é rival nem substituto de todas as outras respostas que é preciso encontrar», numa alusão aos Estaleiros de Viana do Castelo, sobre os quais nada disse de concreto, limitando-se à informação vaga de que o Governo tomara uma decisão: «não fechar os Estaleiros de Viana do Castelo porque acredita ainda que é possível encontrar uma solução de participação em capital que possa habilitar os Estaleiros a cumprir a sua missão».

«Estamos a trabalhar nessa solução, não posso infelizmente ainda, como gostaria, de lha poder anunciar», afirmou Passos Coelho.

Palavras que Jerónimo de Sousa interpretou de forma clara: «Já percebemos senhor primeiro-ministro: para os Estaleiros não há dinheiro; para as sequelas do BPN, o Estado pagará, ou seja os contribuintes».

 

O esfumar da base social


O primeiro-ministro mostra-se incapaz de interpretar o significado da grandiosa manifestação no dia 11 em Lisboa. Acha que é uma «questão de fé» ver nela um sinal do plano inclinado em que entrou o Governo. Não é uma profecia mas uma «análise objectiva» da realidade, ripostou no debate Jerónimo de Sousa.

Esta alteração qualitativa nas dinâmicas sociais e no quadro político nacional foi um dos temas introduzidos no debate quinzenal de sexta-feira passada pelo Secretário-geral do PCP.

Depois de o primeiro-ministro há 15 dias o ter acusado de «falta de imaginação», por insistir em levantar os problemas das pessoas e do País, Jerónimo de Sousa, com apurada ironia, dirigiu-se-lhe para o informar que desta feita trazia uma «novidade»: «a realização da maior manifestação dos últimos 32 anos, numa demonstração de alargamento da luta e da consciência da política» quanto à acção deste Governo.

O que, na perspectiva do Secretário-geral do PCP, não é de somenos, permitindo «uma análise social mas também política». Em sua opinião, «vamos entrar numa nova fase, que significa o início, de forma irreversível, da redução da base social de apoio deste Governo».

 

Derrota anunciada

 

«E quanto mais se aprofundar a aplicação do pacto de agressão mais essa redução se acentuará», advertiu, «independentemente de termos um PS desaparecido em combate».

Nesse sentido, a manter-se a concretização das medidas gravosas anunciadas, bem pode Passos Coelho tirar o cavalinho da chuva. Essa foi a convicção expressa por Jerónimo de Sousa, dirigindo-se ao primeiro-ministro, a quem aconselhou a não ter «ilusões», deixando-lhe um aviso: «tal como os seus antecessores, responsáveis pela situação a que o País chegou (entre os quais também o PSD), quero dizer-lhe senhor primeiro-ministro que não é preciso ser profeta para verificar que a persistir este afundamento do País, este ataque a todas as camadas sociais antimonopolistas, o seu fim será a derrota».

Uma derrota, foi ainda Jerónimo de Sousa a sublinhar o facto, que é a forma de «impedir a derrota do nosso País, a perda da sua independência, da sua soberania, da justiça social e do progresso que queremos para a nossa pátria».

Passos Coelho, depois de desvalorizar a análise sobre a manifestação e seu significado, reduzindo tudo a uma «questão de fé» do dirigente comunista, defendeu a tese de que a política da equipa que dirige é para «resgatar a nossa independência, a nossa soberania, de modo a podermos fazer as nossas escolhas com mais liberdade».

 

Protesto em crescendo

 

Jerónimo da Sousa, na réplica, ainda admitiu que antes preferia estar enganado mas, «infelizmente, o que a vida está a confirmar é precisamente essa análise objectiva que o PCP fez e faz» quanto ao caminho do Governo e às suas «opções políticas de fundo».

E lembrou que aquilo que Passos Coelho considerara «pouca imaginação» há cerca de 15 dias foi exactamente o que as pessoas disseram na manifestação. «Em protesto, porque estavam desempregadas; em protesto, porque viram as suas reformas desvalorizadas; em protesto, por causa do SNS; em protesto, por causa das portagens, por causa da educação, enfim, por muitas razões, com muitos jovens, muitos deles a participar pela primeira vez numa manifestação», referenciou o líder comunista, sublinhando que é com base nesta realidade que o PCP elabora a «análise objectiva» que o leva a concluir que se «iniciou de facto a redução da base social de apoio do Governo e mais se reduzirá se não houver uma ruptura e uma mudança com este caminho para o desastre».

Jerónimo de Sousa convidou, por fim, o primeiro-ministro a não falar de independência. «Então vai à UE e admite novos condicionalismos, novos espartilhos à nossa soberania, nomeadamente no plano fiscal, e vem aqui dizer que está a defender a soberania?», inquiriu, pondo a nu a inconsistência da postura.

«Senhor primeiro-ministro, seja coerente com aquilo que faz e com aquilo que diz», rematou.

 

Ataque ao trabalho

 

Jerónimo de Sousa pegou ainda numa afirmação de Passos Coelho – as «más leis laborais que foram aprovadas durante anos» –, interpretando-a como uma autocrítica do chefe do Governo. Isto porque, frisou, o PSD tem uma «grossa fatia de responsabilidade nesta matéria».

Tendo em conta porém as «más propostas de legislação laboral que estão na AR» e as que agora foram também anunciadas pelo Governo para a administração pública, Jerónimo de Sousa quis saber se acaso tais palavras poderiam representar «um rebate de consciência».

«Significa que vai retirar essas más propostas que estão na AR e que o Governo anunciou?», inquiriu.

«Explique a contradição. Ou vai dizer que estas propostas são boas para os trabalhadores?», insistiu, sem resultado, com o chefe do Governo a fugir à questão como gato sobre brasas.



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