O caminho da fome

Vasco Cardoso

Com tudo o que os nú­meros e a in­for­mação es­ta­tís­tica ocultam, mas também com aquilo que re­velam, os dados di­vul­gados pelo INE na se­mana pas­sada, re­fe­rentes às contas na­ci­o­nais do 4.º tri­mestre de 2011, devem ser co­nhe­cidos.

Se dú­vidas exis­tissem con­firma-se que com a apli­cação do pacto de agressão que PS, PSD e CDS as­su­miram com a União Eu­ro­peia e o FMI, em vez de uma qual­quer in­versão de po­lí­tica, de Julho para cá tudo se agravou. Do pri­meiro para o se­gundo se­mestre o PIB caiu de -0,8% para -2,4%, o con­sumo das fa­mí­lias caiu de -2,8% para -5,0%; o in­ves­ti­mento caiu de -9,2% para -18,9%; a pro­cura in­terna (que in­clui o con­sumo das fa­mí­lias, o con­sumo pú­blico e o in­ves­ti­mento) caiu de -4,2% para -7,2%; as ex­por­ta­ções de­sa­ce­le­raram e as im­por­ta­ções também re­cu­aram de -2,8% para -8,2%.

E po­de­ríamos ainda es­ten­dermo-nos por ou­tros nú­meros, de­sig­na­da­mente os que nos le­varam aos mais de um mi­lhão e du­zentos mil de­sem­pre­gados, mas fi­quemo-nos por este que se adi­anta: pela pri­meira vez desde 1996 – data em que se ini­ciou a ac­tual série es­ta­tís­tica do INE– a po­pu­lação por­tu­guesa re­duziu o seu con­sumo de bens ali­men­tares em -0,7%. A con­firmar-se esta ten­dência, trata-se de uma in­versão de fundo na­quilo que são avanços e aqui­si­ções do povo por­tu­guês. Dito de outro modo, o País está a comer menos e a comer pior. É o ca­minho da ex­plo­ração e do em­po­bre­ci­mento, que as troikas na­ci­o­nais e es­tran­geiras saúdam mas que está a em­purrar – como disse o Se­cre­tário-geral do PCP – muitos por­tu­gueses para a morte an­te­ci­pada.

Afinal, a tal «cura de ema­gre­ci­mento» que al­guns re­clamam para o País não an­dará assim tão longe do quo­ti­diano de uma parte im­por­tante do povo por­tu­guês. Mas quem con­tinua a en­gordar – e muito, e cada vez mais – são os grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros, in­cluindo aqueles que fazem da venda de bens ali­men­tares uma parte im­por­tante da sua fonte de pro­veitos como o Grupo Je­ró­nimo Mar­tins (Pingo Doce) que al­cançou os mai­ores lu­cros de sempre em 2011 com mais 21% do que no ano an­te­rior (340 mi­lhões de euros).

Ao ca­minho da pri­vação e da fome, da sub­ju­gação ao rolo com­pressor da ex­plo­ração ca­pi­ta­lista, con­tra­pomos o ca­minho da luta e da greve geral que se apro­xima.



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