Os limites

Henrique Custódio

Vai sendo tempo de pôr al­guns pontos nos iis, na his­tória da ac­tual crise ca­pi­ta­lista.

Mesmo sem con­si­derar o pos­tu­lado mar­xista de que o ca­pi­ta­lismo vive de crise em crise, se olharmos para a ac­tual, duas coisas se im­põem.

Uma, que a «so­lução» en­con­trada con­sistiu em des­pejar rios de di­nheiros pú­blicos no dan­tesco «bu­raco» fi­nan­ceiro aberto pela es­pe­cu­lação de­sen­freada do pas­sado re­cente.

Outra, que essa re­pen­tina trans­fe­rência de di­visas pú­blicas salvou, por um lado, o sector ban­cário da fa­lência e, por outro, deixou os es­tados com dí­vidas pú­blicas crí­ticas.

Se­guiu-se a de­cla­ração de uma «crise» sem ori­gens nem res­pon­sá­veis (pro­va­vel­mente caída do céu, como os me­te­o­ritos), cuja «so­lução» as­sentou no «ataque às dí­vidas pú­blicas».

Um pre­texto ade­quado: de facto, o des­pejar de rios de di­nheiros pú­blicos no «bu­raco» da burla es­pe­cu­la­tiva des­ca­pi­ta­li­zara os es­tados e agra­vara as dí­vidas pú­blicas. Só para se ter uma ideia, os 34 países da OCDE – os mais de­sen­vol­vidos – atin­giram, após o de­fla­grar da cha­mada «crise», uma média de mais de 100% de dí­vida pú­blica...

Mas a grande burla das dí­vidas pú­blicas está no que não foi as­su­mido: que a ac­tual «crise» não é ne­nhuma no­vi­dade, pois o sis­tema ca­pi­ta­lista vive in­trin­se­ca­mente dela e com ela.

Porquê? Sem nos alon­garmos em ar­gu­men­ta­ções, basta re­cordar que o ca­pi­ta­lismo vive ex­clu­si­va­mente do lucro e para o lucro, que a acu­mu­lação de lu­cros conduz ine­vi­ta­vel­mente à «so­bre­a­cu­mu­lação ab­so­luta do ca­pital» (ver Livro III, Ca­pí­tulo XV de O Ca­pital... mas de Marx), o que conduz o ca­pi­ta­lismo à ten­dência ir­re­pri­mível para a es­pe­cu­lação bol­sista e ou­tras fugas, para «ren­ta­bi­lizar» os lu­cros ex­ce­den­tá­rios, com os re­sul­tados de sempre: às tantas, as «bo­lhas» es­pe­cu­la­tivas re­bentam e a mi­séria alastra, sem me­dida.

Quando o de­sastre acon­tece (como o ac­tual), a bur­guesia no poder, mesmo que for­mal­mente de­mo­crá­tica, faz como sempre fez, para en­frentar a des­ca­pi­ta­li­zação em que mer­gu­lhou o Es­tado com a trans­fe­rência de di­nheiros pú­blicos às car­radas para o sis­tema fi­nan­ceiro: de­sata a cortar nos di­reitos so­ciais dos povos «para com­bater o dé­fice», li­qui­dando esses di­reitos sem pi­e­dade e para es­panto de quem os jul­gava ad­qui­ridos e uma con­quista ci­vi­li­za­ci­onal da Hu­ma­ni­dade, con­so­li­dada du­rante o sé­culo XX.

Mas a crua re­a­li­dade é que o ca­pi­ta­lismo não se in­te­ressa pela ci­vi­li­zação nem, se­quer, pela Hu­ma­ni­dade, cujas ne­ces­si­dades in­di­vi­duais e co­lec­tivas devem ser sa­tis­feitas «pelo mer­cado», como apre­goam as lu­mi­ná­rias do sis­tema.

O dito «mer­cado» está a sa­tis­fazer as ne­ces­si­dades in­di­vi­duais e co­lec­tivas dos povos com uma no­tável efi­cácia. Que o digam os 60 mi­lhões de norte-ame­ri­canos a viver abaixo do li­miar da po­breza na «me­lhor de­mo­cracia do mundo», ou os 23% dos es­pa­nhóis de­sem­pre­gados em plena vida ac­tiva, mais os 22% na Grécia, os 15% em Por­tugal e por aí fora, numa média na UE que já ronda os 10%, e sempre a crescer.

O que conduz a outra evi­dência: a dos li­mites his­tó­ricos do ca­pi­ta­lismo, con­fir­mados pelas in­con­tro­lá­veis in­jus­tiças e mi­sé­rias que está a es­pa­lhar pelo mundo. E essa é que é essa.



Mais artigos de: Opinião

Um Partido que não fica à espera

Ao con­trário da­quilo que os cen­tros de de­cisão do poder eco­nó­mico, e também po­lí­tico, pro­curam impor no plano ide­o­ló­gico, o pacto de agressão que está em curso não foi uma rup­tura com a po­lí­tica de di­reita que vinha de trás. Foi sim, a sua ace­le­ração e agra­va­mento vi­sando o au­mento da ex­plo­ração, o saque dos re­cursos na­ci­o­nais, o em­po­bre­ci­mento, a de­gra­dação do re­gime de­mo­crá­tico, a li­mi­tação da so­be­rania na­ci­onal.

Uma razão simples

Em múltiplas e diversificadas iniciativas levadas a cabo por todo o País, milhares de portugueses e portuguesas comemoram Abril, isto é: o Dia da Liberdade e a Revolução que se lhe seguiu e transformou profunda e positivamente Portugal. Porque Abril foi tudo isso: foi a conquista...

Para tentar meter medo

Os trabalhadores das três fábricas de Setúbal do Grupo Portucel – Soporcel têm estado em luta em defesa dos seus direitos contidos no Acordo de Empresa (AE) e por aumentos salariais. A administração do grupo, aproveitando o caminho aberto pela alteração da...

A mais velha técnica do mundo

O processo está inscrito nos anais da forma de agir de todos os governos ao serviço do capital. Decide-se primeiro que direitos é necessário cortar! Avança-se com a ameaça de malfeitorias muito piores (sempre com o apoio de tal ou tal fazedor de opinião) e dramatiza-se...

OEA: Cimeira do defunto

Da VI Cimeira das Américas da estafada Organização de Estados Americanos (OEA), realizada no fim-de-semana na Colômbia, o mínimo que se poderá dizer é que foi um fiasco. Efectivamente, talvez nunca como nestes dias em Cartagena das Índias tivesse sido tão...