Um Partido que não fica à espera

Vasco Cardoso (Membro da Comissão Política)

Ao con­trário da­quilo que os cen­tros de de­cisão do poder eco­nó­mico, e também po­lí­tico, pro­curam impor no plano ide­o­ló­gico, o pacto de agressão que está em curso não foi uma rup­tura com a po­lí­tica de di­reita que vinha de trás. Foi sim, a sua ace­le­ração e agra­va­mento vi­sando o au­mento da ex­plo­ração, o saque dos re­cursos na­ci­o­nais, o em­po­bre­ci­mento, a de­gra­dação do re­gime de­mo­crá­tico, a li­mi­tação da so­be­rania na­ci­onal.

A rup­tura com a po­lí­tica de di­reita é uma questão de fundo

Image 10182

O ritmo ver­ti­gi­noso que está a ser im­posto – com novas (ve­lhas?!) e gra­vosas me­didas a serem anun­ci­adas dia após dia – diz-nos como é que as classes do­mi­nantes en­caram esta fase da vida na­ci­onal e da pró­pria crise do ca­pi­ta­lismo: uma «opor­tu­ni­dade» para li­qui­darem o que não con­se­guiram li­quidar ao longo de mais de três dé­cadas de contra-re­vo­lução. Um ajuste de contas com tudo quanto de mais avan­çado foi al­can­çado com Abril.

O grande ca­pital conta com um go­verno PSD/​CDS-PP in­tei­ra­mente ao seu ser­viço. A sua com­po­sição – com gente vinda di­rec­ta­mente dos grupos eco­nó­micos, como é o caso do mi­nistro da Saúde – é um exemplo disso. Mas é so­bre­tudo a sua ac­tu­ação, seja em ques­tões trans­ver­sais como as al­te­ra­ções à le­gis­lação la­boral, seja em múl­ti­plos exem­plos con­cretos como o roubo dos sub­sí­dios de fé­rias e de Natal, que nos mostra a na­tu­reza de classe da sua po­lí­tica. Seria no en­tanto er­rado re­duzir tudo isto à acção do Go­verno.

 

Uma po­lí­tica à imagem do Pre­si­dente

 

Ca­vaco Silva, no seu já longo per­curso, ga­nhou o di­reito de fi­gurar entre os prin­ci­pais res­pon­sá­veis pela des­truição das con­di­ções de vida de mi­lhões de por­tu­gueses ao longo dos úl­timos 25 anos. Não há nódoa na vida na­ci­onal que não tenha o seu dedo, a sua ini­ci­a­tiva ou en­vol­vi­mento. Das cri­mi­nosas pri­va­ti­za­ções à ge­ne­ra­li­zação do tra­balho pre­cário. Da obe­di­ência servil às im­po­si­ções da União Eu­ro­peia à re­pressão sobre os tra­ba­lha­dores. Da ten­ta­tiva de des­truição do SNS e da es­cola pú­blica aos es­cân­dalos de cor­rupção como o do BPN. Ca­vaco es­teve em todas.

Ca­vaco foi en­quanto mi­nistro e pri­meiro-mi­nistro e, agora, como Pre­si­dente da Re­pú­blica, um homem de mão dos prin­ci­pais grupos mo­no­po­listas. Esse mesmo re­co­nhe­ci­mento teve-o na úl­tima cam­panha elei­toral na­quele sim­bó­lico abraço dado por Bel­miro de Aze­vedo.

Meses de­pois, Ca­vaco re­ce­beria os ban­queiros sob o olhar das câ­maras e as­so­ciava-se ao go­verno PS, ao PSD e ao CDS, no ac­ci­o­na­mento do pro­cesso de in­ter­venção ex­terna do FMI e da UE. De então para cá, apesar das vá­rias in­ter­ven­ções pú­blicas em que pro­cura sa­cudir res­pon­sa­bi­li­dades, Ca­vaco é a «voz dos mer­cados». Aquele que, em con­fronto com a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica, am­para e es­ti­mula tudo quanto o Go­verno quer impor. Hoje, como antes, Ca­vaco é parte do pro­blema e não da so­lução.

 

PS – apoiar a po­lí­tica do Go­verno fin­gindo-se opo­sição

 

O PS car­rega igual­mente a marca de quem serviu ao longo de dé­cadas os in­te­resses das classes do­mi­nantes. De So­ares a Só­crates o PS fez mais de que uns sim­ples «fretes» à di­reita. Foi autor ma­te­rial da po­lí­tica de re­cons­ti­tuição mo­no­po­lista, de su­ces­sivas re­vi­sões da Cons­ti­tuição, dos con­tratos a prazo, do en­cer­ra­mento de ser­viços pú­blicos, dos PEC, da sub­missão à UE e à NATO. As suas li­ga­ções ao grande ca­pital, numa teia de in­te­resses em que cada um destes par­tidos se mo­vi­menta, estão gra­vadas ao longo dos anos nos exem­plos de Jorge Co­elho/Mota-Engil, Ar­mando Vara/BCP, Luís Amado/Banif, etc.

Hoje, fora do go­verno, os «re­puxos de eloquência» da ac­tual di­recção não chegam para apagar res­pon­sa­bi­li­dades. Da «abs­tenção vi­o­lenta» ao Or­ça­mento do Es­tado, pas­sando pelas múl­ti­plas de­cla­ra­ções de voto nas al­te­ra­ções à le­gis­lação la­boral, até ao cha­mado «Pro­to­colo Adi­ci­onal» que pre­ten­diam aprovar para es­conder o voto a favor do «Pacto Or­ça­mental da UE», o PS faz o ca­minho da de­mar­cação re­tó­rica do Go­verno ao mesmo tempo que apoia o es­sen­cial da sua po­lí­tica.

O PS não está neste Go­verno, não porque es­teja contra a sua po­lí­tica, mas porque – nos in­te­resses do grande ca­pital – não foi pre­ciso.

 

As muitas exi­gên­cias que se co­locam ao nosso Par­tido

 

Tal como nou­tros mo­mentos, aos tra­ba­lha­dores e ao povo por­tu­guês não se co­loca apenas o ob­jec­tivo de der­rotar este Go­verno, mas o de der­rotar a sua po­lí­tica. A di­ver­si­fi­cação, alar­ga­mento e in­ten­si­fi­cação das lutas terão uma im­por­tância cada vez mais de­ci­siva, não só para atrasar, barrar e im­pedir a con­cre­ti­zação de muitas das me­didas do pacto de agressão, mas também para con­so­lidar um pro­cesso de acu­mu­lação de forças que seja capaz de impor a sua re­jeição.

A rup­tura com a po­lí­tica de di­reita que o PCP tem vindo a propor ao povo por­tu­guês, a rup­tura com os in­te­resses do grande ca­pital mo­no­po­lista, com o pro­cesso de in­te­gração ca­pi­ta­lista da União Eu­ro­peia, com o rumo de ex­plo­ração e em­po­bre­ci­mento que está a ser con­cre­ti­zado – e que abra ca­minho a uma po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda – é uma questão de fundo na vida po­lí­tica na­ci­onal.

O Par­tido não fi­cará à es­pera que essa com­pre­ensão se alargue entre os tra­ba­lha­dores e o povo por­tu­guês por si. Na res­posta à si­tu­ação ac­tual, as ne­ces­si­dades de re­forço do Par­tido e de de­sen­vol­vi­mento da luta de massas cruzam-se e in­te­ragem entre si, e exigem um grande es­forço dos qua­dros e das or­ga­ni­za­ções do PCP numa in­ter­venção diária sem pa­ra­lelo na vida na­ci­onal. Estas duas con­di­ções – luta de massas; re­forço do PCP – re­velam-se como as mais de­ci­sivas e de­ter­mi­nantes para impor outro rumo para o País. E por tudo isto, es­tarão no co­ração da pre­pa­ração do XIX Con­gresso do PCP e nas muitas lutas que tra­va­remos pela de­mo­cracia e pelo so­ci­a­lismo.



Mais artigos de: Opinião

Uma razão simples

Em múltiplas e diversificadas iniciativas levadas a cabo por todo o País, milhares de portugueses e portuguesas comemoram Abril, isto é: o Dia da Liberdade e a Revolução que se lhe seguiu e transformou profunda e positivamente Portugal. Porque Abril foi tudo isso: foi a conquista...

Para tentar meter medo

Os trabalhadores das três fábricas de Setúbal do Grupo Portucel – Soporcel têm estado em luta em defesa dos seus direitos contidos no Acordo de Empresa (AE) e por aumentos salariais. A administração do grupo, aproveitando o caminho aberto pela alteração da...

A mais velha técnica do mundo

O processo está inscrito nos anais da forma de agir de todos os governos ao serviço do capital. Decide-se primeiro que direitos é necessário cortar! Avança-se com a ameaça de malfeitorias muito piores (sempre com o apoio de tal ou tal fazedor de opinião) e dramatiza-se...

Os limites

Vai sendo tempo de pôr alguns pontos nos iis, na história da actual crise capitalista. Mesmo sem considerar o postulado marxista de que o capitalismo vive de crise em crise, se olharmos para a actual, duas coisas se impõem. Uma, que a «solução» encontrada consistiu em...

OEA: Cimeira do defunto

Da VI Cimeira das Américas da estafada Organização de Estados Americanos (OEA), realizada no fim-de-semana na Colômbia, o mínimo que se poderá dizer é que foi um fiasco. Efectivamente, talvez nunca como nestes dias em Cartagena das Índias tivesse sido tão...