Defesa Nacional e Forças Armadas

Smart Defense, Pool and Sharing e oc nine-nine

Rui Fernandes

De quando em vez surgem umas novas ex­pres­sões e a ime­diata ten­dência do poder do­mi­nante de as in­tro­duzir no nosso lé­xico e, com isso, apa­rentar uma certa mo­der­ni­dade e pro­curar de­mons­trar como Por­tugal, também nestas coisas, lá vai no «pe­lotão da frente».

Falar em re­es­tru­turar e ra­ci­o­na­lizar sem pri­meiro in­vestir é uma fa­lácia, já an­tiga, e o Go­verno não ten­ciona fazer in­ves­ti­mento nas Forças Ar­madas

O mi­nistro Aguiar Branco não faltou à regra e na sua re­cente ida à Co­missão Par­la­mentar de De­fesa lá re­feriu a Smart De­fense (de­fesa in­te­li­gente) e o Pool and Sha­ring (junta e par­tilha) no quadro jus­ti­fi­ca­tivo da afir­mação por si pro­du­zida da in­sus­ten­ta­bi­li­dade das Forças Ar­madas e para fugir a duas ques­tões cen­trais:

por um lado, saber quem con­duziu as Forças Ar­madas à si­tu­ação em que se en­con­tram e com que pro­pó­sito, e quem apro­veita essa si­tu­ação para jus­ti­ficar novas e mais gra­vosas me­didas contra a ins­ti­tuição e os mi­li­tares;

por outro, tentar fugir a ex­plicar que, pelo facto de chegar ao go­verno com novos fi­gu­rantes, o PSD não pode querer pôr o conta-qui­ló­me­tros a zero e apagar a sua res­pon­sa­bi­li­dade du­rante os úl­timos trinta anos, nos go­vernos e na As­sem­bleia da Re­pú­blica, no­me­a­da­mente nas leis de pro­gra­mação mi­litar, nos sis­temas re­tri­bu­tivos, na gestão de pes­soal e nas leis or­gâ­nicas que con­du­ziram as Forças Ar­madas a esta si­tu­ação, tão in­sus­ten­tável….

Mas já que o mi­nistro in­tro­duziu essa ma­téria teria sido opor­tuno ter per­gun­tado ao mi­nistro: o que é a Smart De­fense para Por­tugal? Per­mitir a ins­ta­lação no es­paço na­ci­onal de sis­temas de armas ou ins­talar em Por­tugal uma em­presa de fa­brico tec­no­ló­gico avan­çado com ga­nhos para a I&D na­ci­onal e o de­sen­vol­vi­mento da eco­nomia? É que uma ou outra coisa não é o mesmo.

É opor­tuno dizer que a Smart De­fense e o Pool and Sha­ring se des­tinam a in­cen­tivar a co­o­pe­ração, o de­sen­vol­vi­mento e a ma­nu­tenção de ca­pa­ci­dades mi­li­tares, e a par­tilha de meios. Ao ser­viço de quem? Dos do cos­tume e das suas guerras pelo con­trolo das ri­quezas – pe­tróleo e etc. – usando a tra­di­ci­onal más­cara dos «di­reitos hu­manos». Aliás, não deixa de ser cu­rioso que os ideó­logos e os ven­di­lhões da so­be­rania que por cá de­fendem a re­dução ao mí­nimo das nossas Forças Ar­madas, sob o pre­texto de que Por­tugal não tem «ini­migos», são os mesmos que nos di­versos fó­runs de­fendem estes novos con­ceitos. Per­guntar-se-à: afinal temos ou não «ini­migos»? E se não temos para quê par­ti­lhar os «ini­migos» dos EUA e da NATO, e os res­pec­tivos custos?

 

Ceder mais so­be­rania


Seja como for, a re­a­li­dade que está em cima da mesa é a de a NATO ar­rastar um con­junto de países, e a pró­pria UE, para o in­ves­ti­mento tec­no­ló­gico mi­litar, através do lan­ça­mento de um con­junto de pro­jectos no qual in­ves­tirão grupos de países, através de um sis­tema de con­juntos que se in­ter­ceptam. Fa­lamos da Ci­ber­guerra, da ro­bo­ti­zação (por exemplo, os VASP – veí­culos aé­reos sem pi­loto, de Drones, de aviões de pa­tru­lha­mento ma­rí­timo sem pi­loto), etc., e fa­lamos também da de­fi­nição do quem faz o quê no plano das mis­sões. Daqui de­corre o Pool and Sha­ring, ou seja, a junção e par­tilha dessa «bolsa» de equi­pa­mentos/​armas con­cor­rendo para o pro­duto ope­ra­ci­onal da NATO/​UE. Cor­rendo o risco da sim­pli­fi­cação, trata-se de aplicar também aqui o con­ceito de forças se­pa­rá­veis mas não se­pa­radas. Im­porta re­ferir que para os EUA a De­fesa An­ti­míssil é parte cons­ti­tu­tiva dessa de­fesa in­te­li­gente.

É neste con­texto que surgem os anún­cios de re­dução de tropas dos EUA na Eu­ropa. Nos dias de hoje, com o per­ma­nente de­sen­vol­vi­mento tec­no­ló­gico, re­dução de tropas não sig­ni­fica re­dução da pre­sença mi­litar e muito menos do do­mínio mi­litar. Aliás, ten­den­ci­al­mente, os com­ba­tentes passam a ser civis que operam con­solas a mi­lhares de qui­ló­me­tros de dis­tância.

Che­gados aqui, vol­temos ao mi­nistro Aguiar Branco, o mesmo é dizer, a Por­tugal e olhemos para a co­nhe­cida si­tu­ação dos Es­ta­leiros Na­vais de Viana do Cas­telo e do Ar­senal do Al­feite: a par de uma Ma­rinha em que vá­rios na­vios há muito ne­ces­sitam de grandes ou in­ter­mé­dias re­vi­sões, lá vai ata­man­cando para res­ponder às so­li­ci­ta­ções até chegar o mo­mento em que já só não dá, como a des­pesa a fazer para elevar os pa­drões ope­ra­ci­o­nais será mui­tís­simo ele­vada. Uma Ma­rinha que se vê li­mi­tada na­quilo que es­tava a fazer, e bem, como, por exemplo, o le­van­ta­mento da pla­ta­forma con­ti­nental, o qual lhe foi re­ti­rado para, no âm­bito de um con­curso in­ter­na­ci­onal, o en­tregar em mãos pri­vadas. Sem dú­vida, uma pa­trió­tica e smart de­cisão do Go­verno Co­elho e Portas.

Olhemos também para o pro­jecto das Pandur (um exemplo das po­lí­ticas PSD/​CDS que con­tri­buíram para a dita in­sus­ten­ta­bi­li­dade) que, se não ti­vesse dado com os bur­ri­nhos na água, não te­ríamos mi­li­tares para tanta Pandur... Aliás, como está am­pla­mente de­mons­trado, os pro­jectos de re­e­qui­pa­mento, e res­pec­tivas con­tra­par­tidas, estão en­char­cados em lama e em in­cum­pri­mentos le­sivos para o Es­tado por­tu­guês. Olhemos ainda para a Força Aérea, onde se pa­rece es­fumar a pers­pec­tiva da sua par­ti­ci­pação no com­bate a fogos e no apoio ao INEM, com apro­vei­ta­mento de meios e pou­pança de re­cursos.

A ver­dade é que falar em re­es­tru­turar e ra­ci­o­na­lizar sem pri­meiro in­vestir é uma fa­lácia, já an­tiga, e o Go­verno não ten­ciona fazer in­ves­ti­mento nas Forças Ar­madas. Cada um que tire as suas con­clu­sões.

Por fim, cremos que nin­guém tem dú­vidas que no anun­ciado fu­turo Con­ceito Es­tra­té­gico de De­fesa lá apa­re­cerá a Smart De­fense e o Pool and Sha­ring, porque se há coisa em que quem tem es­tado nos go­vernos é bom, é a cum­prir a de­ter­mi­nação de ou­tros – NATO, troika, apro­vação dos tra­tados eu­ro­peus, etc. Aliás, as re­centes no­tí­cias sobre os es­tudos em curso para a re­es­tru­tu­ração (mais uma) das Forças Ar­madas já disso dão conta, ao mesmo tempo que sus­citam algum tipo de op­ções pas­sí­veis de criar novos pro­blemas, desde logo o da ad­missão de que Por­tugal pode/​deve deixar cair al­gumas das va­lên­cias que tem no quadro da tal «par­tilha» global. Parte assim o mi­nistro e o Go­verno do pri­mado de que Por­tugal não tem in­te­resses pró­prios a de­fender, bem como ig­nora as li­ções da his­tória em que os amigos de hoje são os ini­migos de amanhã, como muito bem sabem os mi­li­tares. Ir por este ca­minho não é re­es­tru­turar, é ceder mais so­be­rania e en­fra­quecer as ca­pa­ci­dades na­ci­o­nais.

Para isto não lhes tem fal­tado smart­ness (es­per­teza). Quanto ao resto, talvez nos te­nhamos de ama­nhar com o co­nhe­cido es­pião nine-nine.



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