PCP evocou em Grândola
luta pelas oito horas

Uma conquista imposta pelos trabalhadores

O PCP evocou, no dia 4, o cin­quen­te­nário da con­quista pelo pro­le­ta­riado agrí­cola do Alen­tejo e Ri­ba­tejo da jor­nada de oito horas de tra­balho no campo, numa sessão re­a­li­zada em Grân­dola, onde esta luta as­sumiu uma grande di­mensão. Para além da ho­me­nagem aos pro­ta­go­nistas desta vi­tória, os co­mu­nistas re­al­çaram o seu exemplo para as duras lutas que, também hoje, há que travar.

Os tra­ba­lha­dores não re­cla­maram o novo ho­rário: im­pu­seram-no

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O salão do Clube Re­cre­a­tivo Gran­do­lense é amplo, mas não o foi su­fi­ci­en­te­mente para aco­lher todos quantos fi­zeram questão de as­si­nalar o cin­quen­te­nário de tão re­le­vante con­quista, em tempos em que ela se en­contra se­ri­a­mente ame­a­çada. Muitos foram os que não ti­veram outra es­colha senão as­sistir de pé a toda a sessão. Dos que ali es­ti­veram, vá­rios foram par­ti­ci­pantes ac­tivos dessa me­mo­rável jor­nada, ao passo que ou­tros fi­zeram questão de prestar tri­buto aos com­ba­tentes de há meio sé­culo e re­a­firmar a sua de­ter­mi­nação em travar as muitas e duras lutas que es­peram os tra­ba­lha­dores e o povo por­tu­guês nos pró­ximos tempos.

Na mesa, para além de Je­ró­nimo de Sousa e An­tónio Ger­vásio, es­tavam di­ri­gentes do Par­tido com res­pon­sa­bi­li­dades no Alen­tejo: Luísa Araújo, do Se­cre­ta­riado; João Dias Co­elho, da Co­missão Po­lí­tica; e os mem­bros do Co­mité Cen­tral Ma­nuel Va­lente, João Pau­zinho e Mi­guel Ma­deira.

Na sua in­ter­venção, que en­cerrou a sessão, o Se­cre­tário-geral do PCP lem­brou que a rei­vin­di­cação da jor­nada de oito horas nos campos do Alen­tejo e do Ri­ba­tejo não co­meçou na dé­cada de 60 do sé­culo pas­sado. Já no I Con­gresso do PCP, em 1923, ela tinha sido co­lo­cada pela pri­meira vez, e não mais deixou de estar pre­sente nos ob­jec­tivos da luta dos as­sa­la­ri­ados ru­rais ao longo das dé­cadas que se se­guiram. Nesses anos, su­bli­nhou, as lutas tra­vadas ti­veram as oito horas como re­fe­rência, «mesmo quando ti­nham como ob­jec­tivo ime­diato o au­mento das jornas e ou­tras rei­vin­di­ca­ções», acres­centou Je­ró­nimo de Sousa, lem­brando que muitos pa­garam a sua par­ti­ci­pação nessas lutas com a prisão, es­pan­ca­mentos, tor­turas, às vezes a morte.

Assim, re­alçou o Se­cre­tário-geral do PCP, tratou-se de «uma luta longa e di­fícil» da qual os tra­ba­lha­dores nunca de­sis­tiram pois em­bora tendo a cons­ci­ência dos «muitos e po­de­rosos obs­tá­culos que ti­nham à sua frente, sa­biam também que só com a luta con­se­gui­riam al­cançar o seu ob­jec­tivo e que se es­ti­vessem unidos e con­fi­antes aca­ba­riam por vencer». Num mo­mento em que tantos e tão di­fí­ceis de­sa­fios estão co­lo­cados aos tra­ba­lha­dores e ao povo, é fun­da­mental ter pre­sente esta he­róica luta dos ope­rá­rios agrí­colas do Alen­tejo e do Ri­ba­tejo.

 

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Uni­dade, fir­meza, or­ga­ni­zação

 

Em 1962, cons­tatou Je­ró­nimo de Sousa, «es­tavam cri­adas as con­di­ções ob­jec­tivas e sub­jec­tivas para a vi­tória» de­pois de, no ano an­te­rior, a rei­vin­di­cação das oito horas de tra­balho nos campos ter sur­gido como ob­jec­tivo comum a vastas ca­madas dos as­sa­la­ri­ados ru­rais e a luta pela sua con­sa­gração ter-se alar­gado e ganho nova «di­mensão e força».

No dia 2 de Maio de 1962, pre­ci­sa­mente em Grân­dola, vi­veram-se «mo­mentos ines­que­cí­veis», re­cordou o Se­cre­tário-geral do Par­tido: «os as­sa­la­ri­ados ru­rais con­quis­tavam as oito horas de uma forma exem­plar. Não as re­cla­maram de nin­guém, nem dos agrá­rios nem do go­verno – unidos, con­fi­antes, firmes, or­ga­ni­zados, pu­seram em prá­tica o novo ho­rário, im­pondo-o.»

Se­gundo um «re­la­tório da luta» es­crito por um mi­li­tante do Par­tido e ci­tado no Rumo à Vi­tória, na­quele dia os tra­ba­lha­dores apre­sen­taram-se ao tra­balho e, sem fa­zerem caso dos ca­pa­tazes, «às oito horas, mar­cadas no re­lógio de um dos tra­ba­lha­dores, pe­garam no tra­balho. Às 10h30, hora an­tiga do al­moço, as si­netas to­caram o seu ha­bi­tual sinal. Os tra­ba­lha­dores não li­garam. Às 12 horas foram al­moçar. Às 13 pe­garam e às 17 foram para casa, im­pondo assim o seu ver­da­deiro ho­rário».

Por todo o Alen­tejo Li­toral as oito horas foram con­quis­tadas nessa al­tura: em Al­cácer do Sal, Torrão, Santa Ca­ta­rina, S. Romão, Águas de Moura, Er­midas, Sines, Al­va­lade, Ode­mira, S. Do­mingos, Abela, Al­deia dos Rins, Barros, Vila Nova de Mil Fontes, Lousal, etc. O mesmo su­cedeu, nas se­manas se­guintes, por todo o Alen­tejo e no Ri­ba­tejo, nal­guns casos as­su­mindo a luta formas di­fe­rentes como o re­curso à greve.

 

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Vi­tória dos tra­ba­lha­dores e do Par­tido

 

Como é evi­dente, lem­brou Je­ró­nimo de Sousa, os agrá­rios e o fas­cismo não fi­caram de braços cru­zados pe­rante esta imensa luta dos ope­rá­rios agrí­colas do Alen­tejo e do Ri­ba­tejo. A re­acção foi mesmo «brutal» e as duas re­giões es­ti­veram pra­ti­ca­mente em es­tado de sítio, com «agres­sões, es­pan­ca­mentos e pri­sões em massa à velha ma­neira fas­cista tão co­nhe­cida e so­frida pelo povo alen­te­jano ao longo de dé­cadas».

Mas na­quela ba­talha con­creta, va­lo­rizou o di­ri­gente co­mu­nista, o fas­cismo «foi obri­gado a ceder, foi der­ro­tado e os tra­ba­lha­dores, unidos, or­ga­ni­zados e com uma de­ter­mi­nação ina­ba­lável, foram os ven­ce­dores». Por de­trás desta vi­tória, sa­li­entou Je­ró­nimo de Sousa, es­teve um «in­tenso tra­balho pre­pa­ra­tório, tra­du­zido na re­a­li­zação, du­rante todo o mês de Abril, de mi­lhares de con­tactos, de reu­niões e ple­ná­rios, de greves, de con­cen­tra­ções», con­fir­mando assim a «im­por­tância de­ci­siva da or­ga­ni­zação».

Lem­brando que estas foram as «mai­ores lutas de sempre tra­vadas pelos pro­le­tá­rios ru­rais da zona do la­ti­fúndio nos tempos do fas­cismo», en­vol­vendo mais de 200 mil tra­ba­lha­dores, o Se­cre­tário-geral do PCP re­alçou que esta con­quista só foi pos­sível «graças à sua ele­vada cons­ci­ência de classe, à sua só­lida e ampla uni­dade, à sua or­ga­ni­zação, à sua ex­trema com­ba­ti­vi­dade». A di­rigir esta luta es­teve, desde o início, «um par­tido ex­pe­ri­ente, or­ga­ni­zado, pro­fun­da­mente li­gado às massas», re­alçou Je­ró­nimo de Sousa, que citou Álvaro Cu­nhal: «O Par­tido Co­mu­nista, que di­rigiu desde o início a luta, pode or­gu­lhar-se desta vi­tória his­tó­rica dos as­sa­la­ri­ados ru­rais como de uma vi­tória sua.»

 

An­tónio Ger­vásio foi um des­ta­cado
pro­ta­go­nista desta luta

Um le­van­ta­mento «geral e or­ga­ni­zado»

 

Na sessão de Grân­dola par­ti­cipou também An­tónio Ger­vásio, que teve na or­ga­ni­zação e di­recção da luta pelas oito horas um papel des­ta­cado. Na sua in­ter­venção re­alçou que esta rei­vin­di­cação «não era uma sim­ples ilusão», mas, como se viu, a «as­pi­ração mais sen­tida dos tra­ba­lha­dores agrí­colas do sul».

À me­dida que esta luta se foi de­sen­vol­vendo, acres­centou, «ama­du­receu a ideia, a von­tade, a de­ter­mi­nação, de pôr fim ao odioso ho­rário de sol a sol e ar­rancar aos agrá­rios e ao fas­cismo as oito horas de tra­balho». A vi­tória desta «mag­ní­fica luta provou essa re­a­li­dade».

Sa­li­en­tando que esta luta «não caiu de pára-quedas» nem foi uma luta «es­po­rá­dica, nas­cida nesta ou na­quela lo­ca­li­dade», An­tónio Ger­vásio re­alçou ter-se tra­tado de um com­bate de anos, so­bre­tudo entre 1957 e 1962, que en­volveu «vá­rios fun­ci­o­ná­rios e de­zenas de qua­dros lo­cais, ca­pazes e in­flu­entes» e nasceu de uma «longa dis­cussão, com cen­tenas de reu­niões e ple­ná­rios com 20, 30, 50, 80, 200 e mais par­ti­ci­pantes, uns de noite e ou­tros de dia». Na sua pre­pa­ração, foram for­madas «de­zenas de co­mis­sões de uni­dade, fre­guesia, con­celho, dis­trito e uma re­gi­onal – Alen­tejo/​Ri­ba­tejo».

Como é evi­dente, uma luta com esta en­ver­ga­dura ne­ces­sitou de muita dis­cussão. Como lem­brou An­tónio Ger­vásio, «vá­rios ca­ma­radas apon­tavam que não se devia deixar “cansar” a luta; que se devia es­co­lher uma data coin­ci­dente com o maior aperto dos tra­ba­lhos agrí­colas – as ceifas, de­bu­lhas, cor­tiça, car­vo­a­rias e ou­tros. Havia uma dis­cussão feita. Havia or­ga­ni­zação. Foi apon­tado o 1.º de Maio de 1962». No mês de Março, o jornal O Cam­ponês lançou um forte apelo ao pro­le­ta­riado agrí­cola do sul – No 1.º de Maio nin­guém tra­balhe mais que as oito horas! Lá onde os pa­trões se opo­nham, serem os tra­ba­lha­dores e impor a oito horas. – que teve uma adesão mas­siva da parte dos tra­ba­lha­dores.

Assim, e no dia pre­visto, «grandes grupos de tra­ba­lha­dores des­locam-se de rancho em rancho, de lo­ca­li­dade em lo­ca­li­dade para falar com os ran­chos de fora e com ou­tros que não sa­biam da luta. Ga­nhar todos a não tra­ba­lhar mais de sol a sol». Muitos ran­chos de fora ade­riram à luta e ou­tros foram em­bora para a terra, re­cordou An­tónio Ger­vásio, sa­li­en­tando que a adesão às oito horas foi mas­siva: «o con­tágio de terra para terra, de vi­tória para vi­tória foi rá­pido» e a luta as­sumiu um ca­rácter de «le­van­ta­mento geral e or­ga­ni­zado, a re­cusa de tra­ba­lhar mais de sol a sol foi geral e de­ter­mi­nante».

 

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Uma classe re­vo­lu­ci­o­nária

 

Por esta luta, como por tantas ou­tras tra­vadas antes e de­pois de 1962 nos campos do Sul de Por­tugal, An­tónio Ger­vásio re­alça que o pro­le­ta­riado agrí­cola foi «um dos ba­lu­artes mais ac­tivos da re­sis­tência an­ti­fas­cista» e que «a partir dos anos 40, ano após ano, o PCP viu crescer a sua in­fluência e a sua or­ga­ni­zação nas fi­leiras nos dos as­sa­la­ri­ados agrí­colas do Sul». E se nos anos 50 o PCP era já um «grande par­tido» com pro­fundas raízes nesta classe, na dé­cada se­guinte «não havia na zona do la­ti­fúndio lo­ca­li­dade im­por­tante sem or­ga­ni­zação ou li­gação do Par­tido».

Para An­tónio Ger­vásio, o pro­le­ta­riado agrí­cola é uma «classe re­vo­lu­ci­o­nária com ele­vada cons­ci­ência po­lí­tica». O ope­rário rural, por tra­ba­lhar a terra, não passa a ser um cam­ponês – é um ope­rário. «Não quer a terra para ser um agri­cultor, quer a terra para a tra­ba­lhar co­lec­ti­va­mente. A sua única fonte de ren­di­mento é a venda da sua força de tra­balho, como um ope­rário da in­dús­tria». A luta pelas oito horas e a re­forma agrária cla­ri­ficam estas ques­tões, es­cla­receu An­tónio Ger­vásio.



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