A gestão do silêncio e a Igreja dos mercados...

Jorge Messias

Em nome de Deus, o Va­ti­cano con­se­guiu ame­a­lhar a maior for­tuna da His­tória e hoje é dono do he­mis­fério oci­dental... Ul­ti­ma­mente só se ouve falar em glo­ba­li­zação e, no en­tanto, nin­guém atenta no facto de que há um poder re­li­gioso, po­lí­tico, eco­nó­mico e fi­nan­ceiro, por de­trás desse fe­nó­meno, o qual mu­dará com­ple­ta­mente a vida dos ha­bi­tantes da Terra e fará res­surgir um novo Im­pério Ro­mano!» (Avro Ma­nhattan, «The Va­tican Bil­lions»).

«Como es­crevi fre­quen­te­mente… per­ma­necer em si­lêncio é uma qua­li­dade es­sen­cial quando se está no poder; as dú­vidas podem ser ocul­tadas, im­pres­si­onar com os re­sul­tados, atrair as con­fi­dên­cias; mas também devem guardar para si o mo­mento da de­cisão po­lí­tica e se­mear o medo! Um prín­cipe nunca teve de se ar­re­pender do seu si­lêncio, en­quanto ou­tros foram traídos por uma só pa­lavra a mais!» (Ni­colau Ma­qui­avel, «O Prín­cipe», 1532).

«En­quanto não apren­derem a dis­tin­guir, por de­trás das frases, das de­cla­ra­ções e das pro­messas mo­rais, re­li­gi­osas, po­lí­ticas e so­ciais, os in­te­resses de tais ou tais classes, os ho­mens serão sempre em po­lí­tica in­gé­nuos, ilu­didos pelos ou­tros e por si pró­prios» (V.I.Le­nine, «Karl Marx e o de­sen­vol­vi­mento his­tó­rico do Mar­xismo»).

Um dos se­gredos mais fe­roz­mente guar­dados pelo Va­ti­cano e pelas igrejas ca­tó­licas na­ci­o­nais diz res­peito ao «deve e haver» ecle­siás­tico. A Igreja não pu­blica ba­lanços anuais de­vi­da­mente vi­sados por au­di­tores in­de­pen­dentes. Os va­lores que são re­ve­lados nesta área passam apenas por um or­ga­nismo da Cúria Ro­mana – a Pre­fei­tura para os As­suntos Eco­nó­micos – es­tru­tura cons­ti­tuída por sete car­deais com for­mação es­pe­ci­a­li­zada, pre­si­didos por outro car­deal. Todos estes pre­lados são di­rec­ta­mente no­me­ados pelo Papa e só pe­rante ele res­pondem.

De tempos a tempos, sem ca­len­dário certo, os car­deais di­vulgam um curto bo­letim que men­ciona sem mais ex­pli­ca­ções os re­sul­tados fi­nan­ceiros ob­tidos pelo Va­ti­cano no ano an­te­rior. Em 2009, por exemplo, o exer­cício terá en­cer­rado com um saldo po­si­tivo de nove mi­lhões e 800 mil euros, pro­ve­ni­entes da gestão do pa­tri­mónio, das ini­ci­a­tivas ca­tó­licas, das do­a­ções e he­ranças dos crentes, das con­tri­bui­ções fi­nan­ceiras das fun­da­ções, dos sub­sí­dios ofi­ciais, do tu­rismo re­li­gioso, do ne­gócio do ouro e das velas, etc. Nada que, a ser ver­dade, pu­desse pa­recer sus­peito ou im­plicar dú­vidas quanto à pro­ve­ni­ência das verbas di­vul­gadas.

Mas os nú­meros apon­tados eram exa­ge­ra­da­mente mo­destos. Que são, afinal, nove mi­lhões de euros numa Igreja uni­versal com um bi­lião de crentes? Se olharmos, apenas, para os re­sul­tados do San­tuário de Fá­tima nesse mesmo ano ve­remos que os lu­cros anuais das «apa­ri­ções» as­cen­diam a quase quatro mi­lhões em moeda cor­rente...

Tudo isto num só dia de «mi­lagre» anual!

Estas con­tra­di­ções são en­co­bertas pela «regra do si­lêncio». A Igreja ca­tó­lica é toda ela cons­truída em pi­râ­mide, por es­tru­turas so­bre­postas que re­duzem su­ces­si­va­mente a sua ge­o­me­tria e dão lugar a que, fi­nal­mente, todo o poder se acu­mule nas mãos de um só homem – o Papa. Com­ple­men­tar­mente, a regra da obe­di­ência ou sub­si­da­ri­e­dade (do es­calão mais baixo àquele que o do­mina logo acima, na es­cala dos va­lores) tem sido a ar­ga­massa his­tó­rica dessa cons­trução mi­lenar. So­bre­tudo quando, como é fre­quente, a obe­di­ência cega se en­quadra no si­lêncio dou­trinal que pro­tege, através do ador­me­ci­mento con­tro­lado das massas po­pu­lares, a ex­plo­ração ca­pi­ta­lista e os ne­gó­cios cor­ruptos da Igreja.

Quando se fala em «es­cân­dalos da Igreja» a ima­gi­nação foge, quase sempre, para os re­cal­ca­mentos dos pa­dres ce­li­ba­tá­rios à força. Para os pa­dres ho­mo­se­xuais, pe­dó­filos ou vi­o­la­dores de mu­lheres in­de­fesas. Porque também nessa área, como se sabe, a hi­e­rar­quia da Igreja só fala quando a forçam a fazê-lo. De­pois, tudo volta ao es­que­ci­mento.

No mundo da alta fi­nança os es­cân­dalos da Igreja são em ca­ta­dupa em­bora, como é óbvio, uma es­ponja in­vi­sível logo se apresse a apagá-los. Ainda que apenas para me­mória re­corde-se as in­ves­ti­ga­ções ino­fen­sivas em torno de casos como os do Banco Am­bro­siano, do IOR, da Fun­dação Spellman, do Eni­mont, da cor­rupção imo­bi­liária da Cúria Ro­mana, dos offshores ca­tó­licos, das la­va­gens de di­nheiro, da in­dús­tria por­no­grá­fica, dos in­ves­ti­mentos na área dos ar­ma­mentos, do trá­fico de in­fluên­cias, das re­la­ções com as má­fias, etc., etc.

A Igreja con­ven­ci­onal é ca­pi­ta­lista. E tudo o mais é fol­clore em torno da ca­deira de S. Pedro...



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