Contas do Vaticano são uma história suja

Jorge Messias

«O Va­ti­cano de­sen­volve os seus ne­gó­cios na ab­so­luta dis­crição, pro­te­gendo a de­li­cada re­lação entre a te­o­cracia que re­pre­senta e o di­nheiro. As in­tensas ac­ti­vi­dades dos grupos fi­nan­ceiros da Santa Sé re­velam-se como um dos se­gredos mais bem guar­dados do mundo… O si­lêncio pro­tege toda a sua eco­nomia e, por­tanto, também, os ne­gó­cios mais sus­peitos que ca­rac­te­rizam a vida fi­nan­ceira da Igreja Ro­mana» (Va­ti­cano, S.A., Luigi Nuzzi).

«Ofi­ci­al­mente, o papel do IOR é gerir as contas de or­dens re­li­gi­osas e as­so­ci­a­ções ca­tó­licas. Tem ac­tivos cal­cu­lados em cerca de 5 bi­liões de euros e os seus cli­entes são, so­bre­tudo, pa­dres, freiras, con­fe­rên­cias epis­co­pais, fun­da­ções e mi­nis­té­rios, dis­tri­buídos pelo mundo in­teiro. As suas ac­ti­vi­dades são ga­ran­tidas por um total si­gilo» (Jornal Le Monde, 24.5.2012 ).

«Cresce a anar­quia da pro­dução: crises, cor­rida doida à pro­cura de mer­cados

e, assim, em­prego in­se­guro para a grande massa da po­pu­lação. Porém, au­men­tando a de­pen­dência dos ope­rá­rios em re­lação ao ca­pital, o re­gime ca­pi­ta­lista cria a grande força do tra­balho uni­fi­cado. O ca­pi­ta­lismo venceu em todo o mundo mas a sua vi­tória não é mais que o pre­lúdio da vi­tória do Tra­balho sobre o Ca­pital.» Karl Marx e o De­sen­vol­vi­mento His­tó­rico do Mar­xismo», V.I. Le­nine).

Hoje em dia di­fi­cil­mente al­guém po­derá in­vocar ig­no­rância acerca da su­cessão dos crimes que en­la­meiam as mais in­to­cá­veis ins­ti­tui­ções re­li­gi­osas. Mesmo quando elas pro­clamam aos quatro ventos que são santas. Por isso, em plena crise do sis­tema ca­pi­ta­lista, os es­cân­dalos da Santa Sé dei­xaram de ser co­nhe­cidos gota a gota e a lama es­corre em bica pelas fendas que o tempo abriu nas mu­ra­lhas de S. Pedro. Basta re­cordar, por exemplo, a fa­lência do Am­bro­siano, o banco em­ble­má­tico que servia a Igreja, a Máfia e a Ma­ço­naria, de­cre­tada em 1982. As acu­sa­ções fi­caram pro­vadas em jus­tiça mas o banco cujo maior ac­ci­o­nista era e é – o Va­ti­cano – in­cor­porou-se no IOR e con­tinua com a mesma po­lí­tica cri­mi­nosa na pri­meira linha do bran­que­a­mento de ca­pi­tais, dos ne­gó­cios offshore, do con­tra­bando de di­visas ou da luta im­pla­cável pela con­quista dos mer­cados e das isen­ções fis­cais. Ainda que, em termos de imagem, a corda tanto tenha es­ti­cado que a ficção da es­pi­ri­tu­a­li­dade do papa e da Igreja se vai par­tindo em mil pe­daços.

É claro que ao fim e ao cabo pouco im­porta a trans­cen­dência da imagem. A Terra con­tinua a ser dos fortes e dos atre­vidos, dos po­de­rosos, e dos de­sa­ver­go­nhados; por­tanto, dê por onde der, o Va­ti­cano de­verá con­servar a li­de­rança da in­ter­na­ci­onal ca­pi­ta­lista e dos «ilu­mi­natti». Con­sagra-se, pois, a Igreja dos ricos e sagra--se o grande ca­pital. A moeda cor­rente entre estes dois grandes in­ves­ti­dores dos mer­cados é a des­fa­çatez do dis­curso e a imo­ra­li­dade da acção.

Aliás, quase toda a co­mu­ni­cação so­cial in­ter­na­ci­onal (à ex­cepção da mai­oria dos jor­nais por­tu­gueses) vai se­guindo com grande in­te­resse os de­sen­vol­vi­mentos da anun­ciada Nova Ordem Mun­dial. So­bre­tudo agora, na fase em que as pe­dras do xa­drez pro­curam a me­lhor co­lo­cação no ta­bu­leiro, in­te­ressa ser pro­feta e acertar na pro­fecia. Quem ven­cerá na der­ra­deira jo­gada e dará o «cheque-mate» final ?

Para muitos ci­da­dãos ca­tó­licos a si­tu­ação ac­tual é, no mí­nimo, con­fusa.

O Va­ti­cano diz apoiar a paz e o pro­gresso mas alia-se às forças que ins­tigam as guerras e a fome (tal como acon­tece no Médio Ori­ente, éden do tão de­can­tado pe­tróleo). E o grande ne­gócio de risco con­tinua. Quanto terá lu­crado a Santa Sé desde o início desta imensa crise fi­nan­ceira mun­dial?

As úl­timas no­tí­cias dão conta do imenso ves­peiro em que se vai afun­dando a Cúria Ro­mana. Foi de­mi­tido o sa­cer­dote que pre­sidia ao IOR, o pes­soal ín­timo do papa roubou do­cu­mentos se­cretos, o banco norte-ame­ri­cano J. P. Morgan cortou os cré­ditos ao IOR e acusou-o de mais «la­va­gens de di­nheiro», há mais casos de cor­rupção co­nhe­cidos, acu­sa­ções de des­fal­ques, provas de que o Va­ti­cano fun­ciona como um offshore, lutas pelo poder entre car­deais, des­vios no imo­bi­liário e na cons­trução civil, ajustes de contas, verbas ocultas no San­tander, li­ga­ções com a Ma­ço­naria, re­la­ções com a CIA e com a MAFIA, com as «se­cretas», etc.

Se os pa­dres se queixam deste es­tado de coisas, é cer­ta­mente por mo­déstia quando dizem: «Fomos con­ta­gi­ados pelo mundo mo­derno. Nele apren­demos a pecar e a mentir...».

Mas não foi assim. A Igreja é grande mestra em todas estas ma­té­rias. Foi ela que en­sinou os ho­mens a serem aquilo que agora são!...



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