A propósito do conceito de Segurança Nacional

Rui Fernandes

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O re­cente dis­curso de Passos Co­elho, na sua pri­meira vi­sita à GNR, sus­citou em al­guns sec­tores um sa­livar par­ti­cular e nou­tros fez au­mentar as pre­o­cu­pa­ções. A razão prende-se com uma maior ex­pli­ci­tação quanto ao apro­fun­da­mento da ori­en­tação vi­sando a con­sa­gração con­sis­tente da dou­trina de se­gu­rança na­ci­onal.

Um dis­curso em linha com tudo o que tem vindo a pú­blico com vista à ela­bo­ração do novo Con­ceito Es­tra­té­gico de Se­gu­rança e De­fesa Na­ci­onal (CESDN), com co­missão no­meada para efeito onde estão Pinto Bal­semão, Ângelo Cor­reia, An­tónio Vi­to­rino, Luís Amado, Adriano Mo­reira, Nuno Se­ve­riano Tei­xeira, Jaime Gama, Fi­guei­redo Lopes, Le­onor Be­leza, Gen. Lou­reiro dos Santos, Al­mi­rante Vi­eira Ma­tias, entre ou­tros, e que re­mete, desde logo, para uma cons­ta­tação: vão ela­borar o novo CESDN al­guns dos pro­ta­go­nistas que con­du­ziram, ao longo dos anos, Por­tugal à si­tu­ação em que se en­contra e, muito par­ti­cu­lar­mente, as pró­prias Forças Ar­madas. A isto, chama o Mi­nistro Aguiar Branco de co­missão alar­gada.

Para os sec­tores apo­lo­gistas do con­ceito de Se­gu­rança Na­ci­onal o dis­curso de Passos Co­elho foi como que «uma di­rec­tiva ope­ra­ci­onal»1, quase que res­tando, se­gundo o Co­ronel Branco, aos res­pon­sá­veis go­ver­na­men­tais pela De­fesa, Se­gu­rança e Jus­tiça, «es­tudar e enun­ciar a missão res­ta­be­le­cida para cada uma das res­pec­tivas áreas». Por­tanto, para o Co­ronel, dis­curso de pri­meiro-mi­nistro é Lei.

Para o mesmo Co­ronel, «es­tamos pe­rante uma al­te­ração subs­tan­cial da con­cep­tu­a­li­zação destas ma­té­rias que re­pre­senta um corte ra­dical com há­bitos ar­caicos ou ideias rí­gidas e pré-con­ce­bidas», adi­an­tando ainda que «a si­tu­ação de emer­gência na­ci­onal que vi­vemos veio pôr a nu a pre­mente ne­ces­si­dade da ra­ci­o­na­li­zação de re­cursos e da re­dução de custos». Um fa­la­cioso ar­gu­mento. Como qual­quer por­tu­guês sabe, e por mai­oria de razão o re­fe­rido autor, há muitos anos que o dis­curso da re­dução de custos é feito e com par­ti­cular in­ci­dência para as Forças Ar­madas. Por­tanto, não é a de­no­mi­nada si­tu­ação de emer­gência que jus­ti­fica essas me­didas. É exac­ta­mente o con­trário: é a si­tu­ação de agra­va­mento da si­tu­ação so­cial na­ci­onal que jus­ti­fica da parte do poder o pre­tender o re­forço dos me­ca­nismos de con­trole e uso dos meios co­er­civos, aliado ao facto de per­se­guir o ob­jec­tivo de pa­dro­nizar, im­por­tando, já não só con­ceito e dou­trina, mas também or­ga­ni­zação e es­tru­tura em vigor na ge­ne­ra­li­dade dos países NATO, com origem nos EUA, no­me­a­da­mente no pós 11 de Se­tembro. E isto não con­traria a ne­ces­si­dade e pos­si­bi­li­dade de ra­ci­o­na­lizar re­cursos, mas para a con­cre­ti­zação deste ob­jec­tivo não pode valer tudo.


Ataque à Cons­ti­tuição


Sa­bendo que o que está em curso sub­verte os prin­cí­pios cons­ti­tu­ci­o­nais, o Co­ronel faz um ataque re­lâm­pago contra «al­guns fun­da­men­ta­listas da Cons­ti­tuição “que virão dizer que esta não com­porta tal con­ceito de se­gu­rança na­ci­onal”, e os que também dirão que “as Forças Ar­madas não são po­lí­cias e que não podem ac­tuar como tal”». E anui, di­zendo que ambos têm razão, para logo a se­guir de­fender que « a Cons­ti­tuição deve ser re­vista e ac­tu­a­li­zada de acordo com o am­bi­ente es­tra­té­gico» e re­la­ti­va­mente aos se­gundos que são te­mores des­pro­vidos de sen­tido. Te­ríamos, por­tanto, se­gundo esta visão, uma Cons­ti­tuição trans­for­mada em por­taria que de­veria ser mo­di­fi­cada con­so­ante as cir­cuns­tân­cias. Ar­gu­menta o Co­ronel, para des­canso geral, que o em­prego das Forças Ar­madas no plano in­terno só deve ocorrer es­go­tadas todas as ou­tras pos­si­bi­li­dades. Mas para que isso ocorra, es­ta­remos pe­rante um gra­vís­simo pro­blema que o sis­tema legal con­templa, de­fi­nindo os me­ca­nismos a adoptar para esse efeito. Exem­pli­fica o Co­ronel com a par­ti­ci­pação dos fu­zi­leiros na vi­gi­lância das praias em re­forço à Po­lícia Ma­rí­tima. En­tramos no do­mínio do le­vantar po­eira para tapar o es­sen­cial. Sobre isto im­porta cla­ri­ficar: uma coisa é os mi­li­tares darem apoio no quadro das cha­madas mis­sões de in­te­resse pú­blico es­tando nessa cir­cuns­tância sob co­mando das forças de se­gu­rança, no caso as­si­na­lado, da Po­lícia Ma­rí­tima, a qual devem chamar em caso de qual­quer ocor­rência. O mesmo se passa na ajuda à vi­gi­lância das matas por causa dos fogos. Uma coisa é vi­gi­arem as matas, outra coisa é fa­zerem, por exemplo, ope­ra­ções de con­trolo de vi­a­turas nos acessos às matas. O mesmo se passa com ope­ra­ções de co­la­bo­ração com a Po­licia Ju­di­ciária, em ac­ções contra o trá­fico de droga no mar, onde im­por­tará es­cla­recer se os mi­li­tares (fu­zi­leiros) têm au­to­ri­dade e le­gi­ti­mação para to­marem de as­salto o res­pec­tivo navio. É que, se­guindo essa ló­gica, se têm no mar porque não têm em terra? Onde co­meça e onde acaba? Fica a cargo do bom senso? Do poder dis­cri­ci­o­nário de quem? Aquilo que ga­rante às Forças Ar­madas ser o úl­timo re­duto da uni­dade na­ci­onal, é exac­ta­mente o de terem como missão a de­fesa da in­de­pen­dência e so­be­rania na­ci­o­nais do ini­migo ex­terno. A partir do mo­mento em que as Forças Ar­madas in­ter­ve­nham no plano in­terno contra par­celas, sec­tores ou ca­madas da po­pu­lação per­derá ine­vi­ta­vel­mente esse ele­mento ful­cral. Por outro lado, os mi­li­tares dis­tin­guem-se dos po­li­cias porque «des­troem provas» e os po­li­cias são obri­gados a «re­co­lher e guardar provas» para apre­sentar em Tri­bunal.


Se­gu­rança é quase tudo


Para os que de­fendem o con­ceito de se­gu­rança na­ci­onal, a se­gu­rança é quase tudo a que a li­ber­dade, os di­reitos, li­ber­dades e ga­ran­tias se devem sub­meter. No quadro do de­bate ide­o­ló­gico, ar­gu­mentam que sem se­gu­rança não há as ou­tras coisas, usam o le­gí­timo an­seio e di­reito das po­pu­la­ções à se­gu­rança e tran­qui­li­dade pú­blicas como arma de ar­re­messo ar­gu­men­ta­tivo para jus­ti­ficar mais e mais me­didas de se­gu­rança, sempre a pensar, é claro, no in­te­resse dos ci­da­dãos.

E assim se vai trans­for­mando o Es­tado e a so­ci­e­dade numa ló­gica cres­cen­te­mente mi­li­ta­ri­zada que, como o mos­tram exem­plos de ou­tros países onde tal sis­tema está im­ple­men­tado em alto grau, como seja os EUA, em nada faz di­mi­nuir a prá­tica das mais ab­surdas aber­ra­ções cri­mi­nosas. Mas já faz e muito, para con­trolar a re­sis­tência e pro­testos po­pu­lares.

Para o re­fe­rido Co­ronel «a con­cre­ti­zação deste ob­jec­tivo es­tra­té­gico não será fácil, porque obriga a de­fi­ni­ções claras e a to­madas de de­cisão que não podem agradar a todos, mas que de­correm ex­pres­sa­mente do dis­curso do PM, tendo em vista, es­sen­ci­al­mente, acabar com con­flitos e con­cor­rên­cias in­de­se­já­veis e uma me­lhor ra­ci­o­na­li­zação dos re­cursos». E ter­mina o seu ar­tigo a «re­levar o re­co­nhe­ci­mento, ex­presso pelo PM, à na­tu­reza mi­litar da Guarda e ao seu ímpar po­si­ci­o­na­mento nos sub­sis­temas da de­fesa na­ci­onal, se­gu­rança in­terna e pro­tecção e so­corro, bem como o da sua dupla de­pen­dência, da se­gu­rança in­terna e da de­fesa…». Ou seja, re­a­firma a ideia de o dis­curso de Passos Co­elho ser di­rec­tiva, e tece loas ao ca­rácter mi­litar da GNR, esse sim, um ana­cro­nismo in­com­pre­en­sível que per­sista e cuja uni­fi­cação com a PSP per­mi­tiria poupar muitos re­cursos e meios.

Mas é justo dizer que numa coisa o Co­ronel tem razão: tal ca­minho não vai agradar a todos. Pela nossa parte e, com cer­teza, pela parte de muitos ou­tros de­mo­cratas, não agrada nada e tra­va­remos a ba­talha com as forças que es­ti­verem ao nosso al­cance para que esse ca­minho não seja per­cor­rido e a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica seja res­pei­tada.



1 Co­ronel An­tónio Branco, re­vista Ope­ra­ci­onal de 20 de Junho



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( Padre An­tónio Ri­vera, ex-je­suíta ).

 

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(Igreja Ca­tó­lica Re­no­vada do Brasil).