Preço do gás em Portugal é superior à média europeia

Eugénio Rosa

O Go­verno e a en­ti­dade re­gu­la­dora (ERSE) apro­varam um au­mento de 6,9% no preço do gás em 2012, quando a par­cela do preço do gás pago pelas fa­mí­lias em Por­tugal que re­verte para as em­presas, ou seja, o preço sem im­postos, já era, no fim de 2011, su­pe­rior aos preços mé­dios dos países da UE27 entre 11,4% e 28,8%, o que mostra bem a sub­missão do Go­verno e da troika ao poder eco­nó­mico.

Como está a ficar claro para muitos por­tu­gueses, mesmo para aqueles que antes de­fen­diam a vinda da troika e, con­se­quen­te­mente, as me­didas deste Go­verno, como Mi­guel Sousa Ta­vares ou muitos dos eco­no­mistas que têm por há­bito acon­che­garem-se ao poder e de­fender como ine­vi­tá­veis e ne­ces­sá­rias as suas de­ci­sões, a po­lí­tica de aus­te­ri­dade vi­o­lenta e re­ces­siva não está a criar con­di­ções que per­mitam a re­cu­pe­ração da eco­nomia como afirmam o Go­verno e a troika; pelo con­trário, está a des­truir a eco­nomia e a so­ci­e­dade por­tu­guesas, como sempre dis­semos.

O mesmo está a su­ceder em re­lação à li­be­ra­li­zação dos preços de­fen­dida pelo Go­verno e troika, que está a pro­vocar não a di­mi­nuição dos preços como pre­ten­diam fazer crer, mas sim o au­mento de preços até apro­vado pelo pró­prio Go­verno para ga­rantir lu­cros ainda mais ele­vados aos grupos eco­nó­micos que do­minam o sector. Mais uma vez, o Go­verno e a troika ou men­tiram ou mos­tram um ele­vado grau de in­com­pe­tência pois o que está a acon­tecer é pre­ci­sa­mente o con­trário da men­sagem que têm pro­cu­rado fazer passar junto à opi­nião pú­blica.

A prová-lo está o au­mento do preço do gás em 6,9% em 2012 às fa­mí­lias, um valor muito di­fe­rente do que acon­teceu com os sa­lá­rios e pen­sões que ou não au­men­taram ou até so­freram cortes que atin­giram 14% (con­fisco do sub­sídio de fé­rias e de Natal). E tudo isto quando os preços do gás na­tural em Por­tugal pago pelas fa­mí­lias é já dos mais ele­vados em toda a UE como mos­tram os dados do Quadro 1 di­vul­gados pela pró­pria Di­recção Geral de Energia do Mi­nis­tério da Eco­nomia.

Em todos es­ca­lões de con­sumo, por­tanto dos mais baixos até aos mais ele­vados, os preços do gás na­tural em Por­tugal pago pelas fa­mí­lias já eram su­pe­ri­ores aos preços mé­dios pra­ti­cados nos países da União Eu­ro­peia no fim de 2011. E isto quer se con­si­dere os preços com im­postos ou sem im­postos. Na es­ma­ga­dora mai­oria dos países da União Eu­ro­peia os preços do gás são in­fe­ri­ores aos preços co­brados às fa­mí­lias por­tu­guesas. E ainda por cima com uma agra­vante. É que a di­fe­rença é muito maior nos preços sem im­postos, que são aqueles que re­vertem na to­ta­li­dade para as em­presas, do que nos preços com im­postos.

Aqui a des­culpa dos im­postos não pode ser uti­li­zada para jus­ti­ficar as di­fe­renças de preços ve­ri­fi­cadas entre Por­tugal e os países da União Eu­ro­peia. E, apesar disso, ERSE e Go­verno de­ci­diram au­mentar ainda mais os preços. Como re­velam os dados da Di­recção Geral de Energia do Mi­nis­tério da Eco­nomia, nos con­sumos anuais até 200 gi­ga­joules o preço do gás com im­postos é su­pe­rior ao preço médio pra­ti­cado nos países da UE27 em 1,5%, e o preço sem im­postos é su­pe­rior em 11,4%; para os con­sumos anuais entre 20 e 200 gi­ga­joules, o preço com im­postos é su­pe­rior em 14,8%, e o preço do gás sem im­postos é su­pe­rior em 28,8%; fi­nal­mente, para os con­sumos anuais su­pe­ri­ores a 200 gi­ga­joules o preço com im­postos em Por­tugal é su­pe­rior ao preço médio dos países da UE27 em 7,6%, e o preço sem im­postos é su­pe­rior em 21% ao preço médio da EU. E re­pe­timos, apesar de tudo isto, ainda se au­menta o preço do gás na­tural em 6,9% em 2012.

 

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Dois grupos eco­nó­micos do­minam o mer­cado de gás na­tural

 

O mer­cado de gás na­tural em Por­tugal é do­mi­nado por dois grupos eco­nó­micos: a GALP e a EDP. Nos ór­gãos so­ciais da GALP estão quatro ex-mi­nistos ou ex-se­cre­tá­rios de Es­tado (Fer­nando Gomes, Da­niel Bessa, Costa Pinto e Pro­ença de Car­valho); nos da EDP estão seis ex-mi­nis­tros ou se­cre­tá­rios de Es­tado (An­tónio Luís Mexia, Edu­ardo Ca­troga, Braga de Ma­cedo, Maria Lopes Car­dona, Fer­nando Bar­bosa Oli­veira, Luis Fi­lipe Pe­reira). A pro­mis­cui­dade entre o poder eco­nó­mico e o poder po­lí­tico é clara na GALP e na EDP.

Em 2011, a GALP vendeu 5365 mi­lhões de me­tros cú­bicos de gás na­tural a 1305 mil cli­entes. Se­gundo o seu Re­la­tório e Contas, as vendas to­tais da GALP atin­giram 16 804 mi­lhões de euros em 2011, sendo 2253 mi­lhões de euros re­fe­rentes ao «Gás Na­tural e elec­tri­ci­dade» e 14 551 mi­lhões de euros re­la­tivos à «Re­fi­nação e dis­tri­buição de pro­dutos pe­tro­lí­feros»; por­tanto, a venda de gás e elec­tri­ci­dade con­tribui apenas com 13,4% para as vendas to­tais do grupo, en­quanto os pro­dutos pe­tro­lí­feros con­tri­buíram com cerca de 86,6% das vendas. No en­tanto, em re­lação à origem (fonte) dos lu­cros acon­teceu pre­ci­sa­mente o con­trário. A GALP ob­teve em 2011 com a venda de gás e elec­tri­ci­dade 193,4 mi­lhões de euros de lu­cros lí­quidos, en­quanto os lu­cros ob­tidos com a venda de pro­dutos pe­tro­lí­feros atin­giram 149,2 mi­lhões de euros, ou seja, menos do que os ob­tidos com o gás e elec­tri­ci­dade. Por­tanto, a venda de gás e elec­tri­ci­dade era já um ne­gócio al­ta­mente lu­cra­tivo.

O se­gundo grupo eco­nó­mico que do­mina o mer­cado de dis­tri­buição do gás na­tural em Por­tugal é a EDP. A EDP tem em Por­tugal 271 576 cli­entes. Se­gundo o seu Re­la­tório e Contas, o vo­lume de ne­gó­cios da EDP atingiu 15 120,8 mi­lhões de euros em 2011, sendo 2165,7 mi­lhões de euros pro­ve­ni­entes da venda de gás na Pe­nín­sula (Por­tugal e Es­panha), o que re­pre­senta 14,3% do total. Em 2011, os lu­cros lí­quidos da EDP atin­giram 1124,7 mi­lhões de euros. Só com a venda de gás a EDP ob­teve, em 2011, 150,2 mi­lhões de euros de lu­cros lí­quidos. No pe­ríodo 2007-2011, a EDP dis­tri­buiu aos seus ac­ci­o­nistas di­vi­dendos no valor de 2834 mi­lhões de euros. É um grupo também al­ta­mente lu­cra­tivo.

Estes dois grupos eco­nó­micos já são con­tro­lados por grupos es­tran­geiros. Para con­cluir isso basta ter pre­sente que as «par­ti­ci­pa­ções qua­li­fi­cadas», ou seja, iguais ou su­pe­ri­ores a 2% do seu ca­pital, são as que de facto con­trolam a em­presa pois votam e par­ti­cipam nos seus ór­gãos so­ciais.

Na GALP, as par­ti­ci­pa­ções qua­li­fi­cadas re­pre­sentam 74,6% do ca­pital e as par­ti­ci­pa­ções per­ten­centes a grupos eco­nó­micos es­tran­geiros (ENI, ita­liana; e SO­NANGOL, an­go­lana) cor­res­pondem a 48,34% do ca­pital da GALP. Isto sig­ni­fica que 64,73% das par­ti­ci­pa­ções qua­li­fi­cadas, por­tanto aquelas que têm poder na em­presa, são con­tro­ladas por grupos eco­nó­micos es­tran­geiros; por ou­tras pa­la­vras, a GALP é já um grupo do­mi­nado por in­te­resses es­tran­geiros.

Na EDP a si­tu­ação é ainda mais grave. As par­ti­ci­pa­ções qua­li­fi­cadas cor­res­pondem a 56,22% do ca­pital, e 41,71% do ca­pital da em­presa per­tence a grupos eco­nó­micos es­tran­geiros (China Three Gorges, Iber­drola, Li­ber­bank, SEN­FORA, So­na­trach e Qatar Hol­ding). Isto sig­ni­fica que 74,19% das par­ti­ci­pa­ções qua­li­fi­cadas per­tencem já a grupos eco­nó­micos es­tran­geiros. Em re­sumo, os dois prin­ci­pais grupos que do­minam o mer­cado da energia em Por­tugal, e também o do gás na­tural, já são de facto con­tro­lados por grupos eco­nó­micos es­tran­geiros (al­guns desses grupos per­tencem a es­tados es­tran­geiros) e, con­se­quen­te­mente, os seus ob­jec­tivos e es­tra­té­gias são os desses grupos.

Os lu­cros que esses grupos obtêm em Por­tugal são trans­fe­ridos na sua quase to­ta­li­dade para o es­tran­geiro, não be­ne­fi­ci­ando o nosso País (por exemplo, não criam em­prego), e a maior parte nem paga im­postos em Por­tugal. O Go­verno e troika, ao de­fen­derem e im­porem uma po­lí­tica de li­be­ra­li­zação de preços, que co­meça com au­mento tão ele­vado dos preços, acaba por as­se­gurar ainda mai­ores lu­cros a esses grupos, au­men­tando ainda mais as suas «rendas ex­ces­sivas», que di­ziam que iriam re­duzir, à custa do au­mento das di­fi­cul­dades das fa­mí­lias por­tu­guesas.

Mos­tram desta forma também a sua total sub­missão ao poder eco­nó­mico e aos in­te­resses es­tran­geiros. É mais um es­cân­dalo que irá agravar ainda mais a ex­plo­ração e as con­di­ções de vida dos por­tu­gueses a juntar a muitas ou­tros que é ur­gente e ne­ces­sário pôr cobro.



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