«Don’t disturb»

Correia da Fonseca

O chamado Caso dos Submarinos anda desde há muito como que a vogar por aí, meio submerso. Sabe-se do que se trata: no tempo em que o dr. Paulo Portas mandava no Ministério da Defesa foi decidido comprar dois submarinos a uma empresa alemã que, soube-se mais tarde, também fornecera um cardume deles à Grécia já então arruinada. A notícia da compra surpreendeu um pouco: nem sequer se pressentia que submarinos pudessem contar-se entre as mais imperiosas necessidades nacionais, e a justificação mais tarde apresentada e que tinha a ver com a defesa das nossas águas territoriais e a vigilância da nossa costa seria tudo menos convincente. Mas talvez por já estarmos habituados a que as estradas portuguesas se enchessem de produtos alemães, BMW’s, Audi’s e similares (o que só mais tarde contribuiria para que os alemães, depois de no-los venderem, nos acusassem de vivermos todos, mesmo os utentes dos transportes públicos, acima das nossas possibilidades), houve quem admitisse a vantagem da aquisição, pois os novos submarinos eram giros e conferiam um ar de modernidade à vertente militar do País, pouco habituada a luxos. Só mais tarde se soube que o fecho do contrato coincidiu no tempo com um chorudo depósito na conta do CDS-PP, feito em parcelas ou por uma só vez, associado a um depositante com nome de anedota obscena, mas é claro que isto de coincidências, e também de obscenidades, são o que há mais nesta vida em geral e na vida política portuguesa em particular, pelo que a coisa acabou mais ou menos esquecida. Até porque a comunicação social em geral e designadamente a televisão não se mostraram demasiadamente empenhadas em abordar o caso, se caso havia. E tudo se ficou em maré baixa, excepto quanto à memória dos que já estão cansados de assistirem a que se esqueçam escandaleiras, pistas prometedoras, pretéritos mais que suspeitos, quando certas figuras públicas podem estar envolvidas.

Em sacratíssimo descanso

Eis, porém, que num certo dia chegaram notícias. Da Alemanha. Afinal, como aliás se suspeitara, houvera suborno, sim: a fim de lubrificarem o sector decisório do negócio dos submarinos, os vendedores alemães haviam pago «luvas» na área dos compradores portugueses, e as autoridades alemãs já tinham identificado, levado a tribunal e condenado os autores do suborno. A notícia circulou por cá sem excessivo destaque, mas houve quem desse pela informação e se pusesse a pensar: onde há quem suborna há quem aceite o suborno; tratando-se de submarinos, será decerto assunto do Ministério da Defesa. E haveria indícios, sinais, vestígios, aquilo do depositante com nome obsceno e porventura outras minúcias interessantes. Além de que negócios importantes geram inevitavelmente papéis, pareceres formais, processos mais ou menos volumosos. Tudo isto, no quadro do suborno confirmado pela Alemanha, não apenas justificava como impunha uma investigação severa e suas naturais consequências. E estávamos nisto quando se soube que os papéis, ou alguns deles, se sumiram para parte incerta. Presume-se que deveriam estar no Ministério da Defesa ou em lugar dele dependente, mas não se sabe mais nada, excepto que o ministro dessa pasta era então o dr. Paulo Portas. De onde a iniciativa jornalística de procurá-lo para lhe fazer uma ou outra pergunta. Estando o dr. Portas nos Açores, para lá se deslocou uma equipa de reportagem: lá o encontrou, manifestamente de férias, de calções, despenteado pela aragem açoriana, decerto bem disposto. Acontece, porém, que o ex e também actual ministro se recusou a responder. Porque está em férias. É como se, na porta do quarto de um dos excelentes hotéis que seguramente frequenta durante as suas deslocações diplomáticas, tivesse dependurado o habitual letreiro «Don’t disturb», «Não incomode». Está em curso uma grave e já confirmada situação de suborno que pode afectar o Ministério e o ex-ministro? Não importa, «Don’t disturb»!, o senhor ministro está a descansar. Poderia haver uma grave crise internacional? Seria decerto o mesmo, «Don’t disturb»! Os marcianos aterraram em Cenourins de Baixo? O senhor ministro recupera fôlego em S. Miguel, «Don’t disturb»! O senhor ministro Portas é um exemplo. O Estado «c’est lui».



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