Defesa Nacional e Forças Armadas
Decidiu o ministro Aguiar-Branco lançar um ciclo de conferências a propósito do Conceito Estratégico de Defesa Nacional em elaboração. Até que poderia ser uma iniciativa com interesse, inserida num processo de auscultação mais largo, tendo presente a natureza do documento. Aliás, como é dito no apontamento assinado pelo punho do próprio ministro e que dá o mote para as referidas conferências «o sucesso de um processo desta natureza depende muito do envolvimento da sociedade civil e da participação dos sectores mais dinâmicos e qualificados do país». Acontece que a prática (e podia ser diferente?) desmente a propaganda e por isso, dificilmente se pode apelidar ao que vai ser efectuado outra coisa que não um ciclo de show mediático para português ver e ministro aparecer. Três razões de facto sustentam esta consideração.
A primeira, para referir que os tais sectores dinâmicos referidos estão afastados da comissão que o está a elaborar. Aliás, o ministro e o Governo nem sequer tiveram a lisura que enviar o trabalho prévio elaborado pelo Instituto de Defesa Nacional para os membros da comissão parlamentar respectiva.
A segunda, é que está anunciado que no fim de Setembro o projecto estará concluído e será aprovado para seguir a sua tramitação. Ora, o último debate realiza-se a 24 de Setembro e, portanto, o efeito útil será zero. Portanto, aquilo que o ministro e o Governo querem, não é a discussão de ideias, mas antes difundir a sua visão, as suas concepções, abrir caminho a uma mais fácil penetração ideológica do pensamento que enformará o conceito. É uma opção que é legítima e como tal devia ser assumida, ao invés de a procurarem mascarar. Esperemos ao menos que não tenham a tentação de, na apresentação do projecto, virem com o discurso da ampla auscultação.
A terceira, é que o conteúdo do documento, de cuja comissão fazem parte PSD, CDS e PS, não poderá deixar de reflectir a respectiva matriz ideológica e a consequente visão daí resultante para Portugal nos seus múltiplos aspectos (económico, social, diplomático, cultural, etc.) e da relação de Portugal com a União Europeia, a NATO e outras estruturas. Sem cair na tentação (grande, diga-se) de sair dos preliminares, teremos de ser levados a concluir que, para os partidos que estão a elaborar o Conceito Estratégico de Defesa Nacional (e sublinha-se Defesa Nacional), a privatização da TAP e outras áreas dos transportes, a privatização da RTP, as machadadas que estão a ser dadas ao ensino do português no estrangeiro e também cá, etc., são medidas que defendem o interesse nacional, que garantem melhores condições para Portugal afirmar a sua soberania e melhor enfrentar as tempestades actuais e futuras.
Como temos dito, elaboram o Conceito os que trouxeram Portugal até ao estado em que se encontra. E hoje, como ao longo da nossa história, foi sempre a arraia-miúda, o povo, que se levantou e tomou em mãos o seu destino.
Como disse Frei Heitor Pinto num momento particular da nossa história «El-rei Filipe bem poderá meter-me em Castela, mas Castela em mim é impossível».