Comentário

Direitos económicos, sociais e políticos na UE?

Inês Zuber

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1. Se os povos, numa so­ci­e­dade de­mo­crá­tica, devem ter o di­reito ao con­trolo po­lí­tico do poder eco­nó­mico, as po­lí­ticas ne­o­li­be­rais, apro­fun­dadas na re­visão dos tra­tados da UE têm, pelo con­trário, pro­mo­vido a livre e des­re­gu­lada cir­cu­lação de ca­pi­tais, a li­be­ra­li­zação dos mer­cados, a cres­cente fi­nan­cei­ri­zação da eco­nomia e a pro­moção dos mo­no­pó­lios eco­nó­micos, ao mesmo tempo que con­di­ci­onam se­ve­ra­mente o in­ves­ti­mento pú­blico, por meio dos cri­té­rios de con­ver­gência no­minal e pela ob­sessão do con­trolo do dé­fice, cujo tecto má­ximo passou dos já «su­fo­cantes» três por cento no PEC para os 0,5 por cento, es­ta­be­le­cidos no tra­tado or­ça­mental, ins­tru­mento de «co­lo­ni­zação» dos países eco­no­mi­ca­mente mais de­pen­dentes, e de­ci­dido à margem dos povos e das pró­prias re­gras de fun­ci­o­na­mento da UE. Não é pos­sível existir de­mo­cracia eco­nó­mica em países, como o nosso, pe­ri­fe­ri­zados, e nos quais o sis­tema pro­du­tivo na­ci­onal foi ar­rui­nado para dar es­paço aos mo­no­pó­lios es­tran­geiros. Não é pos­sível existir de­mo­cracia eco­nó­mica num país, como o nosso, cujas de­pen­dên­cias ali­mentar, de pro­dução e ener­gé­tica au­mentam para en­gordar os grandes grupos eco­nó­micos es­tran­geiros, e num país cuja dí­vida pú­blica se prevê que chegue a 120 por cento do PIB em 2013. Será pos­sível falar de de­mo­cracia eco­nó­mica na UE quando esta impõe, por meio dos acordos das troikas, a trans­fe­rência dos meios fi­nan­ceiros da ac­ti­vi­dade pro­du­tiva dos tra­ba­lha­dores, da eco­nomia real, da vida de todos nós para o sis­tema fi­nan­ceiro e es­pe­cu­la­tivo?

2. Não é também pos­sível existir de­mo­cracia so­cial com po­lí­ticas que res­tringem o in­ves­ti­mento pú­blico, es­ti­mulam a pri­va­ti­zação e con­se­quente eli­ti­zação dos ser­viços pú­blicos, que im­põem o con­ge­la­mento e di­mi­nuição real de sa­lá­rios, pen­sões, re­formas e ou­tras pres­ta­ções so­ciais. Seria pre­vi­sível que po­lí­ticas im­pe­ri­a­listas, as po­lí­ticas de classe da União Eu­ro­peia, de con­cen­tração do poder eco­nó­mico e po­lí­tico con­du­zissem a uma Eu­ropa mais in­justa, mais de­si­gual e mais pobre. O PCP foi, em Por­tugal, o único par­tido que teve e man­teve uma ori­en­tação clara e de­ter­mi­nada acerca dos ma­le­fí­cios para o povo e para os tra­ba­lha­dores por­tu­gueses da en­trada na então CEE e na União Eco­nó­mica e Mo­ne­tária. A evo­lução da UE – desde o Tra­tado de Roma, ao Acto Único, pas­sando por Ma­as­tricht, pela Moeda Única, pela ten­ta­tiva de impor uma Cons­ti­tuição Eu­ro­peia e pelo Tra­tado de Lisboa – ca­mi­nhou no sen­tido de re­forçar o ne­o­li­be­ra­lismo, o mi­li­ta­rismo e o fe­de­ra­lismo.

3. Mas, hoje, os pe­rigos que a UE com­porta para a de­mo­cracia po­lí­tica são as­sus­ta­dores. O Tra­tado Or­ça­mental, com a im­po­sição de po­lí­ticas or­ça­men­tais aos es­tados-mem­bros, re­tira poder so­be­rano aos povos e às suas ins­ti­tui­ções de­mo­crá­ticas para de­ci­direm sobre tão de­ci­siva ma­téria po­lí­tica. Hoje, as ins­ti­tui­ções eu­ro­peias tentam uti­lizar uma lin­guagem ilu­so­ri­a­mente tec­ni­cista para impor su­pra­na­ci­o­nal­mente aos povos e aos tra­ba­lha­dores con­di­ções e ori­en­ta­ções es­tri­ta­mente po­lí­ticas e que são con­trá­rias aos seus in­te­resses. A pro­posta da Co­missão Eu­ro­peia de cri­ação de uma Fe­de­ração de es­tados cons­ti­tuiria um salto fe­de­ra­lista e an­ti­de­mo­crá­tico sem pre­ce­dentes. Entre as mu­danças anun­ci­adas, conta-se a al­te­ração do es­ta­tuto dos par­tidos po­lí­ticos eu­ro­peus – sig­ni­fi­cando isso a in­ter­fe­rência nos sis­temas po­lí­tico-par­ti­dá­rios na­ci­o­nais – a al­te­ração do mé­todo de eleição do Par­la­mento Eu­ropeu e do pre­si­dente da Co­missão Eu­ro­peia. Durão Bar­roso, ao anun­ciar este pro­jecto, não se con­teve na des­crição sobre o que con­si­dera ser o apro­fun­da­mento da «de­mo­cracia eu­ro­peia». Mas o que é ver­dade é que a Co­missão Eu­ro­peia, ao mesmo tempo que pre­tende impor aquilo a que chama «de­mo­cracia» de uma forma su­pra­na­ci­onal e dis­tante das de­ci­sões dos povos, envia os seus «téc­nicos» aos países para im­porem pactos de agressão, or­de­nando o des­man­te­la­mento das formas de de­mo­cracia po­lí­tica mais pró­ximas das po­pu­la­ções e que em Por­tugal têm ex­pressão no poder local de­mo­crá­tico, con­quista da Re­vo­lução de Abril.

É por tudo isto que é cada vez mais evi­dente que a con­quista dos di­reitos eco­nó­micos, so­ciais e po­lí­ticos é uma ta­refa dos povos e dos tra­ba­lha­dores de cada País, no nosso caso, dos tra­ba­lha­dores por­tu­gueses, e que acre­ditar numa UE «re­for­mável» é uma ilusão que ig­nora os seus prin­cí­pios ori­gi­ná­rios, de classe, contra os povos da Eu­ropa.



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