França «moderniza» discurso neocolonial

Carlos Lopes Pereira

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Fran­çois Hol­lande anun­ciou na sexta-feira, em Dakar, pe­rante os de­pu­tados se­ne­ga­leses, que «o tempo da “Fran­ça­frique” acabou». E es­pe­ci­ficou que a partir de agora «há a França, há a África, há a par­ceria entre a França e a África com re­la­ções as­sentes no res­peito, na cla­reza e na so­li­da­ri­e­dade».

O pre­si­dente francês pro­meteu en­cerrar o longo pe­ríodo, desde os anos 60, em que se mis­tu­raram po­lí­tica, co­mércio e ne­gó­cios obs­curos nas re­la­ções entre Paris e as suas an­tigas co­ló­nias. Re­feria-se aos tempos áu­reos do ne­o­co­lo­ni­a­lismo gaulês, desde o ge­neral De Gaulle a Mit­ter­rand, pas­sando por Pom­pidou e Gis­card D’Es­taing, quando a França com­prava di­a­mantes, vendia armas e pro­movia golpes de Es­tado em di­versos países afri­canos – ao mesmo tempo que re­cebia no Eliseu di­ta­dores como Bo­kassa ou Mo­butu.

Nesta pri­meira vi­agem ao con­ti­nente afri­cano, Hol­lande co­meçou por vi­sitar o Se­negal, aliado francês pri­vi­le­giado desde os anos de Le­o­pold Senghor, o «pai» da in­de­pen­dência, em 1960. As boas re­la­ções franco-se­ne­ga­lesas, in­cluindo bases e fa­ci­li­dades mi­li­tares, man­ti­veram-se ao longo do úl­timo meio sé­culo, pro­lon­gando-se du­rante os man­datos dos pre­si­dentes Abdou Diouf e Ab­dou­laye Wade e, agora, com Macky Sall.

Fa­lando no par­la­mento se­ne­galês, o chefe do Es­tado francês con­tra­riou sem citar o «dis­curso de Dakar» pro­nun­ciado há cinco anos pelo seu an­te­cessor, Ni­colas Sar­kozy. Prin­ci­pi­ando também na ca­pital se­ne­ga­lesa a pri­meira vi­sita pre­si­den­cial a África, Sar­kozy es­can­da­li­zara então os seus an­fi­triões afir­mando que «o drama de África» era «o homem afri­cano não ter en­trado ainda to­tal­mente na His­tória»... Agora, Hol­lande saudou uma África que é «o berço da Hu­ma­ni­dade», pre­co­nizou que ela vai trans­formar-se num «grande con­ti­nente emer­gente», ma­ni­festou con­fi­ança na sua ju­ven­tude e na sua eco­nomia e pro­meteu re­la­ções de par­ceria «sem in­ge­rência mas com exi­gência».

O pé­riplo afri­cano de Fran­çois Hol­lande levou-o, no fim-de-se­mana, a Kinshasa, na Re­pú­blica De­mo­crá­tica do Congo, para as­sistir à 14.ª ci­meira da Or­ga­ni­zação In­ter­na­ci­onal da Fran­co­fonia (OIF).

Na ca­pital con­go­lesa, a or­ga­ni­zação alargou-se um pouco mais ao con­ceder o es­ta­tuto de membro à Ar­ménia e o de ob­ser­vador ao Uru­guai, ao mesmo tempo que ad­mitiu o Qatar como as­so­ciado. A OIF tem agora 57 países mem­bros, dos quais três as­so­ci­ados e 20 ob­ser­va­dores.

No con­ti­nente afri­cano, a or­ga­ni­zação da fran­co­fonia abrange países do Norte (como Mar­rocos, Tu­nísia e Egipto), do Oeste (a quase to­ta­li­dade dos es­tados da sub-re­gião), do Centro (como os dois Congos, a Re­pú­blica Centro Afri­cana, o Ru­anda, o Bu­rundi e o Chade) e da zona ori­ental (Mo­çam­bique e Ma­da­gáscar, além das ilhas Sey­chelles, Co­mores e Mau­rícia).

Vá­rios destes países não usam se­quer o francês como língua ofi­cial, como são os casos dos es­tados «lu­só­fonos» de Cabo Verde, da Guiné-Bissau, de S. Tomé e Prín­cipe e de Mo­çam­bique. Ou do Qatar, uma mo­nar­quia árabe – mais co­nhe­cida pela sua sub­misão ao im­pe­ri­a­lismo ame­ri­cano do que ao idioma de Victor Hugo – que não es­conde as am­bi­ções de au­mentar ainda mais a in­fluência na África Oci­dental, onde fi­nancia cen­tros re­li­gi­osos mu­çul­manos que con­correm com es­colas... de língua fran­cesa.

Ao Congo, Hol­lande foi «ce­le­brar» e «re­lançar a fran­co­fonia», con­forme afirmou. O pre­si­dente disse aos par­ti­ci­pantes da ci­meira da OIF que o «valor comum» é a língua fran­cesa. E foi claro: «A fran­co­fonia tem va­lores, prin­cí­pios, exi­gên­cias. É uma men­sagem de li­ber­dade. É um es­paço de in­fluência, de pro­moção de va­lores, de aber­tura, de trocas eco­nó­micas, so­ciais e cul­tu­rais».

Apesar das más re­la­ções que mantém com o pre­si­dente Jo­seph Ka­bila, Hol­lande não he­sitou em par­ti­cipar nesta ci­meira da OIF, em Kinshasa, já que a Re­pú­blica De­mo­crá­tica do Congo é o pri­meiro país fran­có­fono do mundo (70 mi­lhões de ha­bi­tantes) e um par­ceiro eco­nó­mico «pro­me­tedor» face às suas imensas ri­quezas mi­ne­rais, como es­creve Le Monde.

O jornal põe um di­plo­mata francês a jus­ti­ficar o «ca­rinho» de Paris pela fran­co­fonia em África: «A pre­sença eco­nó­mica e às vezes cul­tural da China, do Brasil ou da Índia em África é muito po­si­tiva, mas isso im­plica que nós de­fen­damos a nossa po­sição e os nossos in­te­resses».

In­te­resses, pois. Nada mudou, claro, para além dos dis­cursos.

Fran­çois Hol­lande não cum­prirá as ga­ran­tias de re­la­ções justas com a África assim como não cum­priu as pro­messas que fez aos fran­ceses de uma po­lí­tica di­fe­rente da de Sar­kozy e de Merkel... A França con­ti­nuará, assim, a agir contra os in­te­resses dos povos afri­canos, apesar da «mo­der­ni­zação» do seu dis­curso ne­o­co­lo­nial.



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