A Igreja Católica e a selva capitalista

Jorge Messias

«A pro­posta de Or­ça­mento do Es­tado para 2013 é um ter­ra­moto… um na­palm fiscal. Ar­rasa tudo. É de­vas­ta­dora» (An­tónio Bagão Félix, da área do CDS-PP, ex-mi­nistro das Fi­nanças e da So­li­da­ri­e­dade So­cial; membro do Opus Dei. Ou­tubro de 2012).

«Ma­ni­fes­ta­ções são uma cor­rosão da har­monia de­mo­crá­tica. As ma­ni­fes­ta­ções de rua não re­solvem nada con­tes­tando, vindo para grandes ma­ni­fes­ta­ções. Não se re­solve nada nem com uma re­vo­lução se re­sol­veria» (Car­deal-Pa­tri­arca, Fá­tima, 12 de Ou­tubro 2012).

«Um bispo tem de falar de tudo e é sua obri­gação in­ter­ceder pelos mais frá­geis... este Go­verno é pro­fun­da­mente cor­rupto» (D. Ja­nuário Torgal,

Bispo das Forças Ar­madas, em Julho de 2012).

«Onde os eco­no­mistas bur­gueses viam re­la­ções entre os ob­jectos (troca de umas mer­ca­do­rias pelas ou­tras), Marx des­co­briu re­la­ções entre pes­soas. A troca de mer­ca­do­rias ex­prime a li­gação que se es­ta­be­lece por meio do mer­cado entre os di­versos pro­du­tores. O di­nheiro, in­dica que essa li­gação se torna cada vez mais es­treita, unindo in­dis­so­lu­vel­mente, num todo, a vida eco­nó­mica dos di­fe­rentes in­ter­ve­ni­entes. O ca­pital sig­ni­fica um maior de­sen­vol­vi­mento desta li­gação. A força do tra­balho do homem torna-se, então, numa mer­ca­doria» (Lé­nine, «As três fontes ou as três partes cons­ti­tu­tivas do mar­xismo», 1913).

O pró­ximo Or­ça­mento do Es­tado por­tu­guês é a mi­se­rável ex­pressão do de­ses­pero de uma ca­mada di­mi­nuta de «il­lu­mi­natti» presos à mais re­tró­grada visão do mundo e de­fi­ni­ti­va­mente co­lada à noção do poder di­ta­to­rial. Mas o poder é do Povo, não é deles. Acom­pa­nhemos e in­ter­ve­nhamos no que está a acon­tecer. Cedo ou tarde, os «as­sas­sinos po­lí­ticos e eco­nó­micos» que hoje es­car­necem os hu­mildes e os tra­ba­lha­dores virão a ter de re­co­nhecer esta lição.

Até lá, os cri­mi­nosos vão agir à von­tade.

As re­centes pa­la­vras pro­fe­ridas pelo res­pon­sável má­ximo da Igreja por­tu­guesa fi­carão também nos anais da hi­e­rar­quia ca­tó­lica por vá­rias ra­zões, cada qual a mais la­men­tável.

Em pri­meiro lugar, porque tanto D. Po­li­carpo como vá­rios bispos têm ten­tado «ex­plicar» os si­lên­cios da Igreja pe­rante actos so­ciais es­can­da­losos, in­vo­cando a sua pre­tensa missão na Terra: ser a Igreja apenas con­du­tora de almas e trans­mis­sora da Boa Nova. Em­bora cul­ti­vando, como se sabe, po­de­rosas ami­zades no mundo laico dos ricos e po­de­rosos. Por isso, quando o povo se co­meça a le­vantar e o pro­duto do saque entra em fase crí­tica, o Car­deal Po­li­carpo e os seus acó­litos não he­sitam, rompem o si­lêncio e falam. Saltam para a arena e mos­tram aquilo que são: fun­da­men­ta­listas e «santas almas» ao ser­viço da con­cen­tração da ri­queza. Como nos tempos da Santa In­qui­sição.

Note-se que o car­deal-pa­tri­arca de Lisboa não se en­contra iso­lado numa linha de pen­sa­mento ar­caico. Ainda há poucos dias, en­quanto o povo ita­liano mer­gu­lhava em claros epi­só­dios de luta de classes, Bento XVI fez o se­guinte apelo: «Voltai para casa, dai um beijo às cri­anças e dizei-lhes que foi o Papa que lho mandou!».

De facto, a hi­po­crisia dos que co­mandam a Igreja ca­tó­lica não co­nhece li­mites. Veja-se como os cin­quenta anos do con­cílio Va­ti­cano II estão agora a ser ce­le­brados pelas mesmas forças que lhe cor­taram as asas a voos mais largos de li­ber­tação da Igreja.

O Va­ti­cano II foi o berço da Te­o­logia da Li­ber­tação que teve no car­deal Jo­seph Rat­zinger (agora Bento XVI) um dos seus mais te­mí­veis ad­ver­sá­rios.

O recém-nado pa­rece ter mor­rido à nas­cença e a Te­o­logia da Li­ber­tação ficou en­volta na teia de in­trigas e chi­canas te­cidas pelo clero tra­di­ci­o­na­lista. É este re­sul­tado final que o Va­ti­cano agora ce­lebra ao in­vocar o Con­cílio.

José Po­li­carpo, em Por­tugal, re­pre­senta a ala de Rat­zinger tal como Passos Co­elho presta vas­sa­lagem a Ângela Merkl. Um e outro co­nhecem os crimes da troika mas ambos lhe obe­decem.

Va­lham os brados, por en­quanto dis­persos, de ho­mens ca­tó­licos e li­vres, como os de Torgal Fer­reira. Entre as massas du­ra­mente atin­gidas pelo pacto de agressão há mi­lhões de ca­tó­licos que aos bispos cumpre de­fender. Se é certo que falar assim equi­vale a re­co­nhecer que existem na Igreja fortes di­vi­sões so­ciais, o que está em causa é muito mais do que isso. São pa­ra­digmas e va­lores. É a Jus­tiça e a Ver­dade.

Em toda a Eu­ropa se de­nuncia e luta. Há pro­blemas tão pro­fundos que só na rua, pela ex­pressão di­recta da von­tade do povo, se po­derão de­cidir. D. José Po­li­carpo fala de uma Eu­ropa «de ga­bi­nete» e não de uma Eu­ropa real. E tem cons­ci­ência do que diz.

Pior para ele.



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