No OE para 2013

Subversão do princípio da progressividade do IRS

Anselmo Dias

O Avante!, na sua edição de 27/​9/​2012, chamou atenção para o Ar­tigo 104.º da Cons­ti­tuição, o qual es­ta­be­lece o prin­cípio da pro­gres­si­vi­dade do IRS. A sub­versão desta norma cons­titui um aten­tado ao nor­ma­tivo cons­ti­tu­ci­onal, facto que deve levar os por­tu­gueses a lu­tarem pela re­po­sição da le­ga­li­dade.

O im­posto sobre o ren­di­mento pes­soal visa a di­mi­nuição das de­si­gual­dades e será único e pro­gres­sivo, tendo em conta as ne­ces­si­dades e os ren­di­mentos do agre­gado fa­mi­liar (Ar­tigo 104.º da Cons­ti­tuição)

Pos­te­ri­or­mente à data atrás re­fe­rida, e ainda bem, vá­rios cons­ti­tu­ci­o­na­listas e vá­rias or­ga­ni­za­ções de ín­dole di­versa têm con­ver­gido na exi­gência do cum­pri­mento da lei fun­da­mental do País, indo al­gumas delas ao ponto de re­clamar do Pre­si­dente da Re­pú­blica que após a re­cepção do Or­ça­mento do Es­tado – a ser apro­vado na As­sem­bleia da Re­pú­blica –, o envie de ime­diato para o Tri­bunal Cons­ti­tu­ci­onal, cuja com­po­sição, a ter em conta as de­cla­ra­ções de Mar­celo Re­belo de Sousa na TVI, no pas­sado dia 21 de Ou­tubro, é mai­o­ri­ta­ri­a­mente de di­reita.

Esta afir­mação não su­bal­ter­niza o óbvio, ou seja, o já re­fe­rido Ar­tigo 104.º existe, está em vigor, está es­crito em bom por­tu­guês e em lin­guagem cor­rente e não sus­cita qual­quer dú­vida, salvo para aqueles que pre­tendem es­magar o povo, em nome dos in­te­resses oli­gár­quicos e da sub­versão as leis.

A Cons­ti­tuição deve ser res­pei­tada e tudo deve ser feito nesse sen­tido.

Nessa luta o lugar da in­for­mação tem um papel des­ta­cado. Co­nhecer para trans­formar tem, como sempre teve, toda a ac­tu­a­li­dade.


Di­mensão dos im­postos e das con­tri­bui­ções

 

A pri­meira per­gunta que se impõe é esta: a carga fiscal em Por­tugal, com­pa­ra­ti­va­mente aos 27 países da União Eu­ro­peia é muito ele­vada? A res­posta é a se­guinte: não é.

De facto, se cor­re­la­ci­o­narmos a carga fiscal ao valor do PIB (ri­queza criada) ve­ri­fi­camos que a mesma, em Por­tugal, cor­res­ponde a 31,5 por cento do PIB, valor re­por­tado a 2010.

Nos 27 países da UE a média cor­res­ponde a cerca de 38,5 por cento, valor in­flu­en­ciado por fortes as­si­me­trias.

Com efeito, na UE há três grandes grupos.

O grupo com carga fiscal mais baixo é cons­ti­tuído por cinco países do Leste eu­ropeu – Li­tuânia, Le­tónia, Bul­gária, Ro­ménia e Es­lo­vá­quia –, a que se junta a Ir­landa, todos eles com per­cen­ta­gens in­fe­ri­ores a 30 por cento do PIB.

Em sen­tido oposto, ou seja, países com carga fiscal su­pe­rior a 40 por cento, temos a Áus­tria, Itália, França, Fin­lândia, Bél­gica, Suécia e Di­na­marca, sendo este úl­timo aquele com maior carga fiscal, cerca de 47,6 por cento do PIB.

Entre um e outro grupo, onde se in­clui Por­tugal, há 14 países com uma carga fiscal ba­li­zada entre os 30 por cento e os 40 por cento.

Por­tugal, no ran­king dos 27 países, apa­rece em oi­tavo lugar, muito pró­ximo dos va­lores da Grécia, da Po­lónia e da Es­panha e mui­tís­simo longe dos re­gimes apli­cados nos países da Es­can­di­návia.

O facto de, em termos in­ter­na­ci­o­nais e tendo com re­fe­rência o PIB, Por­tugal não ter, nesses pa­râ­me­tros, va­lores muito ele­vados não sig­ni­fica que não haja im­postos ele­vados no nosso País.

Há im­postos muito ele­vados e esses dizem res­peito à carga fiscal im­posta aos tra­ba­lha­dores e aos re­for­mados, não apenas em sede de IRS mas também por via dos im­postos apli­cados ao con­sumo.

Em con­tra­par­tida Por­tugal é um pa­raíso fiscal para o ca­pital, de­sig­na­da­mente para a banca e para as grandes em­presas exí­mias na fuga aos im­postos por via do cha­mado «pla­ne­a­mento fiscal».

Es­tru­tura da carga fiscal em Por­tugal

Em Por­tugal a carga fiscal está ali­cer­çada em três grandes grupos.

    os im­postos di­rectos: IRS (im­posto sobre o ren­di­mento das pes­soas sin­gu­lares); IRC (im­posto sobre o ren­di­mento das pes­soas co­lec­tivas) e ou­tros im­postos cuja ex­pressão cor­res­ponde apenas a 2,1 por cento do total da carga fiscal;

    os im­postos in­di­rectos: IVA, ISP, Im­posto sobre o ta­baco, Im­posto de selo, Con­tri­buição Au­tár­quica/​IMI, Im­posto sobre o re­gisto de au­to­mó­veis, SISA/​IMT, e ou­tros im­postos in­di­rectos cuja ex­pressão não re­pre­senta mais do 2,8 por cento do total da carga fiscal;

    con­tri­bui­ções so­ciais: verbas que os pa­trões e os tra­ba­lha­dores des­contam sobre o ren­di­mento do tra­balho para os vá­rios re­gimes de Se­gu­rança So­cial.

De acordo com o INE a carga fiscal re­por­tada a 2011 atingiu a verba de 56 802,4 mi­lhões de euros.

Se de­sa­gre­garmos esse valor por cada um dos im­postos e con­tri­bui­ções ve­ri­fi­ca­remos que cerca de 82 por cento da carga fiscal abrange apenas os se­guintes seis re­gimes:

    IVA, 14 234,7 mi­lhões de euros;

    IRS, 10 516,4 mi­lhões de euros;

    Con­tri­buição pa­tronal para a Se­gu­rança So­cial: 9072,2 mi­lhões de euros;

    Con­tri­buição dos tra­ba­lha­dores por conta de ou­trem para a Se­gu­rança So­cial: 6303,9 mi­lhões de euros;

    IRC: 5270,5 mi­lhões de euros;

    ISP: 3002,3 mi­lhões de euros.

Os dados acima re­fe­ridos são al­ta­mente ex­pres­sivos. Eles in­duzem três im­por­tantes ques­tões:

    pri­meira questão: o es­forço exi­gido ao im­posto sobre o ren­di­mento das pes­soas sin­gu­lares e às con­tri­bui­ções para a Se­gu­rança So­cial pagas pelos tra­ba­lha­dores to­ta­liza 16 820,3 mi­lhões de euros;

    se­gunda questão: o es­forço exi­gido ao pa­tro­nato, em IRC e em con­tri­bui­ções para a Se­gu­rança So­cial, to­ta­liza 14 342,7 mi­lhões de euros;

    ter­ceira questão: o IVA, im­posto sobre o con­sumo, é um im­posto que, em termos ab­so­lutos, tanto pe­na­liza o rico como o pobre, ou seja, o es­forço do se­nhor Amé­rico Amorim na compra de uma em­ba­lagem de leite é quan­ti­ta­ti­va­mente igual ao es­forço da sua em­pre­gada do­més­tica, em­bora abis­sal­mente di­fe­rente em termos per­cen­tuais.

Quanto à pri­meira questão convém es­cla­recer o se­guinte: o IRS abrange os ren­di­mentos pro­ve­ni­entes do tra­balho, das re­formas mas também in­clui os ren­di­mentos do ca­pital e da pro­pri­e­dade.

Em 2010, de acordo com a Au­to­ri­dade Tri­bu­tária e Adu­a­neira, do IRS ar­re­ca­dado pelo Es­tado, cerca de 89,1 por cento dizia res­peito aos va­lores des­pen­didos pelos ren­di­mentos do tra­balho e das pen­sões, en­quanto que o re­ma­nes­cente, ou seja 10,9 por cento, dizia res­peito aos ren­di­mentos do ca­pital e da pro­pri­e­dade.

Es­tamos a falar de uma pro­funda de­si­gual­dade mas cujos efeitos deve de­li­ciar An­tónio Borges, Braga de Ma­cedo, Me­dina Car­reira, Can­tiga Es­teves, João Duque, Mi­guel Be­leza, César das Neves bem com os in­con­tor­ná­veis co­men­ta­dores com as­sento diário na RTP, SIC e TVI, in­signes es­pe­ci­a­listas na te­oria de que os por­tu­gueses, todos eles, sem ex­cepção, vivem acima das suas pos­si­bi­li­dades.

Quanto à se­gunda questão, de acordo com o INE, o valor do im­posto sobre o lucro das em­presas (IRC) atingiu a verba de 5270,5 mi­lhões de euros su­por­tada por perto de 200 000 em­presas cuja taxa média foi de apenas 17 por cento, ha­vendo – pasme-se! –, taxas mé­dias de seis por cento, como a apli­cada às ac­ti­vi­dades de con­sul­toria, ci­en­tí­ficas, téc­nicas e afins.

Su­blinhe-se que, na­quele ano, houve 155 780 em­presas que re­por­taram re­sul­tados lí­quidos ne­ga­tivos na ordem dos 13 780 mi­lhões de euros, facto que in­dicia uma forte fuga aos im­postos por via da cha­mada en­ge­nharia fiscal cri­a­tiva, es­quema só pos­sível pelas po­lí­ticas per­mis­sivas na área fiscal do PS, PSD e CDS-PP.

Esta fuga fiscal não se cir­cuns­creveu apenas a 2010. Ele tem per­du­rado no tempo.

Por exemplo, em 2009, se­gundo o jornal Pú­blico de 4/​4/​2011, cerca de 37,2 por cento das em­presas de­cla­raram pre­juízos fis­cais, en­vol­vendo 145 404 uni­dades em­pre­sa­riais. De acordo com o mesmo jornal (2/​8/​2010), «Em 1994, só um terço das cerca de 200 000 so­ci­e­dades pa­gava IRC. Para 2007, apenas 36 por cento das 379 000 em­presas de­cla­raram ter ac­ti­vi­dade su­fi­ci­ente para pagar IRC».

Estes nú­meros, apesar da sua ex­pres­si­vi­dade, não iden­ti­ficam a dis­torção da nossa es­tru­tura fiscal.

As grandes for­tunas não são be­lis­cadas,

O bloco cen­tral de in­te­resses imu­nizou os grandes in­te­resses no pa­ga­mento de im­postos as­so­ci­ados aos seu lu­cros.

É pre­ciso, pois, uma al­te­ração ra­dical contra tal es­tado de coisas.

O PCP tem pro­postas con­cretas nesse sen­tido, cla­ra­mente ex­pressa nas Teses em dis­cussão no con­texto do XIX Con­gresso.

Tais pro­postas vão no sen­tido de:

    romper com o es­can­da­loso fa­vo­re­ci­mento da banca, da es­pe­cu­lação fi­nan­ceira;

    au­mentar a carga fiscal dos grupos eco­nó­micos na­ci­o­nais e es­tran­geiros por forma a ali­viar a carga fiscal sobre os tra­ba­lha­dores e os re­for­mados;

    in­cre­mentar uma po­lí­tica que pro­mova o alar­ga­mento da base tri­bu­tária;

    de­sen­volver a fis­ca­li­zação tri­bu­tária;

    di­mi­nuir os be­ne­fí­cios fis­cais para o ca­pital;

    di­mi­nuir o IVA;

    com­bater efi­caz­mente a fraude e a evasão fiscal; pôr termo aos offshores;

    im­ple­mentar uma justa tri­bu­tação dos ga­nhos mo­bi­liá­rios do pa­tri­mónio de luxo e da es­pe­cu­lação bol­sista.

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Fonte:

- Es­ta­tís­ticas das Re­ceitas Fis­cais, 1995-2011, INE, 19/​19/​2012



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